Sonia Hirsch
Meditando na Cozinha, nome do curso que
proferirá em Campinas (Ísvara) também nomeia uma de suas obras mais bacanas, com
crônicas inicialmente publicadas na revista Bons Fluidos (2002).
Fale um pouco
sobre a temática do curso.
Olhar para si, olhar para o alimento,
juntar o de fora com o de dentro, ir um pouco além da comida: o curso “Meditando
na cozinha” é mais uma forma de falar sobre alimentação saudável, dentro de um
contexto maior que é a busca do equilíbrio pessoal, da saúde, da relação com o
mundo.
Nossos hábitos diários acabam formando um eixo que nos sustenta, para bem
e para mal, e precisamos estar conscientes disso.
“Cozinhar é
meditar”. Por quê?
Todo exercício de atenção plena pode levar a um
estado de relaxamento mental muito próximo da meditação, e a prática vai
encurtando a distância.
Preparar e cozinhar alimentos naturais e integrais
envolve contemplação, ação, imaginação, contato com água e fogo, controle do
tempo.
Não é pouco, mas é simples e fácil.
Só depende da pessoa querer relaxar e
se concentrar prazerosamente.
Seu mais recente título é Candidíase, a
Praga.
Ele começou a ser escrito depois de uma troca de impressões com seus
leitores, no blog?
Como foi esse processo de troca, escrita e
pesquisa?
Eu já tinha publicado um capítulo grande sobre candidíase
crônica no Só para mulheres, em 95, e não pensava em voltar ao assunto.
Mas
também não sabia que ia ter um blog no qual comecei a postar trechos de livros,
receitas, crônicas e tal.
Lá pelas tantas postei sobre candidíase e foi um auê.
Perguntas e comentários me levaram a pesquisar de novo, reafirmando a maior
parte do que eu já tinha escrito e introduzindo elementos novos, que valia a
pena incluir.
Por essa altura soube pelo jornal que 63% dos atendimentos
ambulatoriais do Hospital Pérola Byington, referência em saúde da mulher em São
Paulo, eram motivados por candidíase.
“É uma praga”, pensei.
“O pessoal não está
entendendo ainda que a coisa é muito mais que um problema genital feminino.”
E
resolvi escrever o livro, com um passo a passo caprichado e muitas receitas.
No
desenrolar dos capítulos enviei os arquivos a algumas leitoras do blog que me
pareciam muito interessadas em resolver seus problemas, e elas os devolveram com
críticas e sugestões.
Coisas que só a internet permite.
A elas dediquei o
trabalho, em nome de todas as outras mulheres que contribuíram sem
querer.
Desde quando especializou-se em alimentação saudável, ou
alimentação como base da saúde, vem tratando do tema com esmero e abordando
doenças – causas e refrigérios (para não dizer “curas”) - a partir de um
compêndio de boas fontes.
Certa vez, porém, você disse que era uma cozinheira
preguiçosa.
É, ainda?
Bem, procuro não abordar doenças e sim os
comportamentos de risco para elas; manter a saúde para não ficar doente.
Mas sou
sim uma cozinheira preguiçosa.
Procuro fazer comida da forma mais simples
possível, não só porque me encanta o minimalismo mas porque preciso de tempo
para muitas outras coisas, como ler, fazer exercícios e contemplar, além de
trabalhar todos os dias.
A comida baseada em vegetais favorece a
simplicidade.
E não faço nada que precise de duas etapas. Por exemplo, cozinho o
feijão já com os temperos, não refogo; é menos uma panela para lavar depois, e
fica gostoso do mesmo jeito.
Além de escritora e jornalista, podemos
dizer que é nutróloga?
Não, porque esse título se aplica ao âmbito
acadêmico, e não tenho essa formação. Sou autodidata.
Você come de
tudo?
O que não come de jeito nenhum?
De que “fonte” não bebe?
Não
tem nada que eu não coma ou beba de jeito nenhum, mas tenho preferências e
cautelas.
Depende do dia, de como estou, do que a situação pede.
Como todo
mundo, às vezes pago um preço alto pela gula, ou simplesmente pelo “por que
não?” quando vou na onda da hora – e depois descubro por que não...
O
mundo contemporâneo vive de dieta.
Mas o que deveria se levar em conta antes de
uma dieta “x”?
O autoconhecimento, incluindo a avaliação criteriosa
das possíveis parasitoses que possam estar atrapalhando o organismo.
Não adianta
fazer a dieta errada.
E, claro, é preciso pensar em quantidade e qualidade.
Reduzir um pouco a quantidade e melhorar a qualidade já funciona como
dieta.
***
Gostaria que dissesse dessa paixão pela escrita, que
“começou” (pra valer) quase ao acaso em Campinas, no Diário do Povo...
Escrever
é fácil?
Escrever é fácil e gostoso.
Todos na minha família liam
muito e escreviam cartas, cartões, lembretes, bilhetes.
Meus pais nasceram em
diferentes lugares do mundo e chegaram ao Brasil falando várias línguas e
escrevendo o tempo todo para os parentes e amigos.
Minhas irmãs mais velhas
estudavam no exterior e as cartas também iam e vinham. Escrever cartas era
natural para mim.
E poesia, de que eu gostava muito.
E o apreço pelas
HQs, revistas e pelo teatro?
Quando abdicou dessas outras áreas pelas quais era
apaixonada para dedicar-se exclusivamente à literatura?
Pensa em roteirizar para
teatro, cinema ou TV?
As HQ foram por acaso: Paulo Patarra, grande
jornalista que criou várias revistas importantes, estava assumindo a Rio
Gráfica, em 1972, e me chamou para coordenar uma das áreas.
Calhou ser a de HQ,
onde aprendi muito, me diverti à bessa e conheci desenhistas
extraordinários.
O teatro surgiu mais cedo, aos 15 anos. Fui do TEC,
teatro do estudante criado por Paschoal Carlos Magno, que sem dúvida norteou
milhares de jovens pelo Brasil afora.
Também foi por acaso - uma vizinha me
chamou para ver um ensaio, faltava uma atriz e eu entrei.
Fiz várias peças.
Gostava muito de sair da minha pele e entrar no personagem.
Quis ser
profissional mas me desaconselharam devido ao tipo físico, que me limitaria a
pequenos papéis.
Nesse meio tempo comecei a trabalhar em jornal.
Não
tenho vontade de fazer teatro, cinema e tv.
Gosto de escrever, mais que tudo.
Se
fosse me dedicar a outro tipo de produção criativa, seria em
música.
Sobre a questão da linguagem.
Seus textos são bastante
diretos, coloquiais, metafóricos e ricos em exemplos/situações cotidianas.
Boas
histórias entremeadas por informação.
Essa é uma boa definição?
Gosto
de pensar que são informação entremeada por boas histórias ;-) Porque há um
objetivo nos textos, que é passar aquela informação.
Sou jornalista voltada para
promoção da saúde.
Um texto gostoso vende melhor seu conteúdo,
né?
Quando os leitores e/ ou a crítica “enlata” suas obras e as dispõe
na sessão de auto-ajuda...
Isso a incomoda?
Que ponderação faz acerca dos livros
de auto-ajuda?
Ué, meus livros estão na seção de auto-ajuda?
Não
sabia.
Geralmente os vejo em culinária, ou, como na Livraria Travessa de
Ipanema, têm uma mesinha só deles.
Mas não me incomoda estar na auto-ajuda.
Os
propósitos são os mesmos: ajudar a pessoa a se administrar
melhor.
Você já escreveu só para mulheres, traçou auto(gato)biografia,
disse dos malefícios do açúcar. Sobre o que jamais escreveria e sobre o que
gostaria muitíssimo de escrever em breve?
Não ando pensando tanto em
escrever ou não, mas em como fazê-lo para as novas mídias.
Adoro ler jornal e
revistas no iPad, por exemplo, e estou lendo um livro sobre fungos no Kindle.
Observo o crescimento das redes sociais.
Namorar essas novas formas de
apresentar a informação tem sido meu passatempo predileto, com a desculpa de que
estou trabalhando...
Em que momento decidiu criar a Correcotia?
O que
a editora anda aprontando, hoje?
A Correcotia existe desde 1985,
juridicamente e como selo editorial, mas só virou editora mesmo em 1996, depois
do lançamento do livro Só para mulheres.
Que vendeu muito e me obrigou a
legalizar a produção toda.
É a editora de todos os meus livros, além de prestar
serviços como palestras, cursos e produção de conteúdo.
Isso envolve lidar com
papel, gráfica, orçamentos, estoque, notas fiscais, capital de giro, contador...
É meu lado oculto: empresária.
***
Atualmente, vive-se um boom
gastronômico óbvio nessas nossas bandas tupiniquins.
Os chefs voltaram a exaltar
a comida que conforta, àquela que remete às memórias familiares; a cultuar a
refeição em turnos (entrada, prato principal, sobremesa) e a brigar pelos
produtos certificados (ode aos produtores locais).
Concorda com essa impressão?
Acha que esse é um bom caminho?
Quem tem feito uma boa gastronomia (no sentido
da gastronomia saudável) pensando-se em chefs/ cozinheiros?
Puxa,
desculpe, não acompanho as tendências gastronômicas.
Prefiro comer de maneira
simples. Gosto do que é mais tradicional e menos inventivo.
Não me chame para
comer feijoada em forma de canapé, que eu não vou nem pago a conta.
Não gosto de
gastar dinheiro em restaurantes – aliás, sair para comer, pra mim, não é
programa, é necessidade.
Mas vou achar legal se os restaurantes adotarem uma
comida melhor, com
menos tranqueira engordurada e mais vegetais.
Em
seu blog você chamou a atenção para o PL 7.703/2006, conhecido como Ato Médico,
em votação no Senado. Grosso modo, esse PL, em pauta e discussão (tramitação)
desde 2002, prevê a “delimitação legal” do campo de atuação dos médicos e
cerceia o campo de atuação de outros profissionais. Comente esse PL – o que é
válido, o que é questionável e o que é absurdo?
A OMS define os
cuidados básicos de saúde em 4 passos:
1) promoção da saúde, a cargo do
indivíduo e da comunidade;
2) prevenção das doenças, onde entram os controles
sanitários, o tratamento da água, o combate aos mosquitos, a higiene doméstica
etc;
3) cura e
4) reabilitação.
Há muitos caminhos para não chegar na doença,
isto é, no passo 3.
O que está errado nesse projeto de lei é a pretensão
de dar todo o poder de decisão sobre cuidados de saúde a uma medicina cara, de
resultados muitas vezes duvidosos, que se baseia em princípios secretos de
diagnóstico e tratamento, alienando o cliente do juízo sobre seu próprio ser.
E
alienando o Estado junto.
Você acredita que a ramificação/
especializações da medicina terminaram por minar a saúde?
Ainda acredita na
medicina convencional?
Por quê?
A medicina convencional é útil em
muitas circunstâncias, mas não devia dispensar nunca o clínico geral que
trabalhasse pela saúde do cliente, em vez de apenas tratar doenças e distúrbios
do paciente. Um bom médico não deveria ter pacientes, e sim clientes saudáveis.
Eu vou a uma médica homeopata de dois em dois meses.
Ela me ajuda a ter saúde.
Levo uma turminha que trabalha comigo e ela os mantém
saudáveis
também.
A especialização trouxe um problema muito grave de
escolhas equivocadas por parte do cliente, que pega o livrinho do plano médico,
acha que tem um problema de coração e vai ao cardiologista; faz exames, volta à
consulta; e às vezes o que ele tem são gases, que dóem no peito, do lado
esquerdo, por isso pensou em coração.
O bom especialista deveria ser, ao mesmo
tempo, um generalista.
Não dá para falar de coração sem pensar em fígado,
estômago, intestino, puilmão, rim.
O corpo é um só, e inclui a mente.
Tudo
funciona junto.
Crianças que têm convulsões ou falta de concentração podem
simplesmente ter lombrigas e outros bichos, que dão muitos sintomas psíquicos,
respiratórios, de pele, e acabam sendo tratadas como se fosse outra coisa,
complicada e misteriosa.
Sabemos que pensa que saúde não é competência
do Estado.
Comente e pondere: o que deveria realmente ser?
É da
competência do Estado observar, analisar e atender às necessidades do povo,
exercendo seu poder de justiça, administração, mediação.
O Programa de Saúde da
Família é maravilhoso no papel, revolucionário mesmo.
Mas a prática do Estado
não tem a pureza necessária para que ele funcione como deveria.
Sem corrupção,
sem lobby, o Brasil poderia gastar muito menos com a saúde e obter resultados
muito melhores.
Para mim é óbvio que os recursos são mal investidos.
Máquinas modernas de diagnóstico custam fortunas enquanto simples exames de
fezes geralmente não dão nada porque não interessam aos mandatários do negócio,
que mediocrizaram a norma técnica.
Uma amebíase que não é vista degenera em
câncer, e aí sim, o câncer se sabe ver.
Acho um absurdo, um desrespeito e uma
desvirtuação do princípio médico.
Coloco o meu questionamento com foco nas
parasitoses porque a parasitologia é uma ciência médica desprezada pela medicina
por interesses espúrios, e o Estado vai atrás, é refém.
Por isso digo que o
Estado é incompetente para cuidar da saúde do povo.
Achar que parasitoses são
irrelevantes é uma irresponsabilidade imensa, é gastar os recursos de forma
errada e submeter os pacientes a sofrimentos desnecessários.
A saúde é
“subversiva” porque não enriquece o outro (não favorece a indústria, nem o
governo, nem o sistema)?
Sou contra a medicalização da saúde, onde o
normal é ter plano médico-hospitalar.
Pra mim o normal é ter saúde e não
precisar fazer tantos exames e tomar tantos remédios.
Mas aí a pessoa saudável
cessa de contribuir para o esquemão, e isso é uma clara subversão da
ordem!
A medicina popular é tão preciosa ou mais que a acadêmica? Por
quê?
A medicina acadêmica se transformou, ao longo do último século,
num poderoso negócio sob o grande guarda-chuva da indústria farmacêutica,
hospitalar e diagnóstica.
O que corre em paralelo são as formas tradicionais de
abordagem da saúde, que vão desde a benzedeira até o acupunturista, passando
pelo passe do centro espírita, pela loja de produtos naturais, pela fitoterapia,
pelos cuidados caseiros com alimentação e higiene.
A medicina tradicional
chinesa tem uma história milenar, assim como a ayurveda. Ambas procuram
harmonizar o indivíduo, enquanto a medicina convencional, como já mencionei,
espera que ele fique doente.
E, com a má qualidade de vida que podemos ter
atualmente, quem não souber pensar por si acaba mesmo envolvido na fatalidade de
adoecer.
Qual é o melhor remédio para “as dores” do
mundo?
Ah, se eu
soubesse...
..................................
(Íntegra da
entrevista a Érica Nogueira para a Revista Metrópole, do Correio Popular, de
Campinas, SP, publicada em março de 2012. Valeu, Érica - obrigada pelas ótimas
perguntas!)
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