por
José Moreira Silva
Desejo, necessidade, carência, emoções,
sentimento, prazer e dor.
Essas são as forças que comandam o ser humano.
Elas
originaram todas as criações humanas.
Não importa o quão importantes ou
insignificantes tenham sido essas realizações.
Que necessidades e sentimentos deram origem
às religiões?
Várias emoções deram origem às crenças religiosas.
Sem dúvida, o
medo foi a emoção que mais provocou esses sentimentos no homem primitivo.
Medo da fome de animais, de
doenças, da morte e mais uma infinidade.
Como o conceito de causa e efeito era
mal desenvolvido nesses seres primitivos, eles atribuíam causas sobrenaturais a
todos os fenômenos naturais.
Como o ser humano era capaz de manipular a matéria
e criar artefatos, ele calculou que o mundo era uma espécie de artefato criado
por um outro ser ou seres maiores que ele, mas análogo a si próprio.
E atribuiu
as desgraças e felicidades que lhes aconteciam a esses seres.
Assim, explicavam os acontecimentos recorrendo a causas sobrenaturais.
Tudo era
explicado através de lendas e mitos.
Pois tudo era causado por deuses ou
demônios.
Não existiam causas naturais em suas concepções.
Se tinham um
ferimento ou uma moléstia qualquer, não procuravam uma causa natural para os
mesmos, já sabiam as causas.
Os deuses ou demônios tinham sido contrariados de
algum modo.
A única maneira de acabar com o sofrimento era através de súplicas
a esses seres sobrenaturais.
Às vezes, esses deuses ou demônios exigiam
sacrifícios.
E os primitivos não hesitavam em obedecer.
O conceito de deuses e demônios
evoluiu com o tempo, mas, no entanto, a ideia central foi passada de geração em
geração.
Tanto que ninguém nunca questionou ou questiona até hoje essas ideias.
Ideias desenvolvidas pelo homem primitivo.
Geradas principalmente pelo medo.
Logo alguns perceberam que esses deuses e demônios podiam ser usados de
modo lucrativo.
Através
deles o povo podia ser levado à obediência.
Mães e pais começaram a propagar
esse tipo de crença e a gerar demônios aos montes, afinal, é mais fácil
controlar uma criança pelo medo do que pela razão.
Tanto que, até hoje, existem
mais demônios que deuses.
A criança ficava mais fácil de ser manipulada se
tivesse medo do bicho papão e de todos os tipos de monstros que pudessem
imaginar.
Cedo surgiu uma classe de pessoas que se diziam mediadoras entre
demônios e deuses e o povo. Diziam que tinham poderes especiais para aplacar a
ira desses seres terríveis.
Deu-se inicio aos rituais.
Assim surgiu
provavelmente a mágica, pois o povo precisa de um espetáculo para acreditar que
alguém tem poderes especiais.
E o que era uma simples mágica se tornava
milagres incríveis para o cidadão comum, e dado o desejo de
impressionar que motiva a maioria dos humanos, esses truques se tornavam
milagres cada vez maiores de geração em geração.
Nunca subestime o poder de
exagerar do ser humano.
Lógico que toda tribo, todo povo, tinha um líder ou líderes.
E esses líderes
logo perceberam que o poder que os mediadores entre o natural e o sobrenatural
tinham sobre o povo podia lhes ser muito útil.
Os líderes tinham o poder da
força.
Podiam obrigar o povo a fazer o que quisessem.
No entanto, nenhum líder
quer um cidadão rebelde.
Quanto mais mansos, melhores.
Ao menos, mansos em
relação ao líder.
Seria muito mais fácil para eles que os cidadãos aceitassem
obedecer de livre e espontânea vontade, e se possível ainda deveriam ficar
felizes em fazer a vontade do líder.
Daí surgiu um outro uso para a religião.
Quando um líder administrava mal sua tribo, logo achava um demônio ou deus que
“estava” atrapalhando seus planos.
E pedia aos sacerdotes que aplacassem a ira
do mesmo.
Afinal, eles não podiam admitir que eram incompetentes.
Tudo deveria
ser causado por deuses ou demônios.
Não existiam causas naturais.
O povo também às vezes se rebelava por achar que o líder tinha atraído a ira de
um deus ou demônio. Convinha ao líder respeitar os mediadores, pois os mesmos
podiam levar o povo a crer que o único modo de melhorar as circunstâncias era
eliminando o líder que tinha atraído a ira dos deuses ou demônios.
Daí surgir o
respeito dos líderes às autoridades eclesiásticas.
O líder tinha a força como
poder, mas os mediadores tinham deuses e demônios como ferramentas.
E que
forças terríveis elas são.
E assim o poder secular e o poder eclesiástico começaram o seu reino.
E
religião e política sempre andaram ligadas desde então.
Um casamento duradouro.
Outros fatores contribuíram para o advento da religião, é claro.
Nos baseamos nas qualidades de nossos pais e líderes para explicarmos as
qualidades e defeitos de Deus.
Todos os atributos, bons e ruins, vieram desse
tipo de comparação.
Queremos o apoio e o carinho de nossos pais, e é claro,
queremos o mesmo de Deus.
Agradamos nossos pais e líderes, e sendo Deus uma
superautoridade, queremos agrada-lo mais ainda. Tememos nossos pais e líderes e
o mesmo acontece com Deus.
Esse Deus social pune e recompensa.
Apoia e auxilia.
Nos conforta em tempos
difíceis.
Nos protege quando estamos em perigo.
Esse Deus tanto pode ser
pessoal, como tribal ou pode incluir até mesmo toda a raça humana.
Mas ele veio
de uma comparação com as autoridades em nossa vida.
Daí muitas religiões
pregarem que a rebeldia contra uma autoridade qualquer seja uma rebeldia contra
Deus.
Desobedecer ao pai seria semelhante a desobedecer a Deus.
Desobedecer ao
rei é desobediência à Divindade.
O medo da morte é uma outra grande motivação para as religiões.
Todos morrem.
Nossos pais morrem.
Nossos filhos morrem.
A morte está em toda parte.
Para que
você viva, algo tem que morrer.
A morte é o preço da vida.
Afinal, ninguém pode
viver comendo pedras.
Só seres vivos podem nos dar a energia para continuarmos
vivendo.
O problema é que ninguém quer morrer.
Todos se agarram à vida.
É um instinto
natural em todos os animais.
Mesmo quando a vida é insuportável, os seres se
agarram a ela.
Seres humanos não poderiam escapar a esse apego ferrenho.
Todos
tentam preserva-la a todo custo.
Como os seres humanos são provavelmente os únicos animais a saberem que vão
morrer, como essa ideia nunca os abandona, como esse medo é mórbido, a criação de
um Deus não poderia ficar de fora.
Um único Deus não poderia explicar todos os fenômenos, daí todas as religiões
terem demônios para explicar as coisas ruins, e daí também a ideia de um Grande
Diabo.
O chefão de todos os demônios.
Pelo que eu saiba, nenhuma religião
conseguiu escapar da criação desse ser.
De algum modo, ele sempre existe.
Com o passar dos tempos, os seres humanos não se contentaram mais em
simplesmente ter uma vida boa. Precisavam de algo mais.
E também não suportavam
a vida que levavam, pois a mesma sempre foi cheia de problemas.
Tinham que
defender seu conceito de Deus diante de tantas desventuras, daí o Diabo.
Mas
achavam que tinha que haver um plano de existência em que o Diabo não
participasse, um plano perfeito, pois ninguém conseguia acreditar que essa
nossa vida imperfeita fosse a única.
O ser humano começou a imaginar como seria uma vida sem a necessidade da morte.
A morte, a grande destruidora.
A morte, que torna todos os esforços inúteis.
A
morte, que sempre interrompe os planos dos mais prudentes.
A onipresente morte.
O ser humano tem uma imaginação estupenda.
Quando concebe algo, tem o poder de
criar as formas mais incríveis de realidade.
E como a vaidade nos leva a nos
agarrarmos a nossas ideias, e dado o fato de a ciência não existir num passado
muito remoto, chegamos a acreditar veementemente em nossas ideias e
imaginações. Não importando o quão sublimes ou ridículas elas fossem.
Do fato de não nos conformarmos com a morte, de desejarmos viver, não
importando em que condições, surgiram todas as ideias sobre vida depois da
morte.
Afinal, como justificar um Deus todo bondade, se não inventarmos uma
realidade em que o mal não existe?
E para que Deus seja bondoso, como queremos
que seja, precisamos inventar um céu.
O céu é aquilo que o mundo deveria ser
segundo expectativas humanas.
As escrituras judaicas exemplificam bem tanto a
religião do medo como a religião da moral, pois contêm ambos os fatores em seus
dogmas.
Deus está sempre ali tanto para punir como para recompensar, e é um
moralista em todas as áreas da existência humana.
Todas as religiões tratam da moral e da ética e dos bons costumes.
Mas, muitas
vezes, o fato de fixarem pensamentos em forma escrita dificulta a evolução
moral. Muitos acham que o que está escrito foi escrito por Deus e, portanto, é
imutável.
Mas o que deu origem à moral foi um fato passado que muitas vezes não
existe mais.
A religião moral é superior à do medo.
No entanto, quase nenhuma
religião contém somente um elemento, mas elementos tanto de medo como de moral.
Geralmente os elementos mais avançados da sociedade seguem mais a religião da
moral, e os mais atrasados a do medo.
Deus sempre é antropomórfico.
Deus é sempre um homem gigantesco na maioria das
religiões.
Com todas as qualidades e defeitos do homem.
Defeitos e qualidades
ampliadas a proporções gigantescas, é claro.
Isso acontece porque o homem não
consegue conceber algo além daquilo que é.
Ou daquilo que seus sentidos
mostram.
Outros acreditam que Deus é algo inconcebível.
Daí termos que acreditar pela fé
ou não acreditar, pois não temos como provar a existência de tal ser.
Ele está
além de nossos sentidos, além do natural.
Ou seja, ele é sobrenatural.
Mas é
impossível ao homem falar de algo que não conhece pelos sentidos.
Daí usarem um
palavreado incompreensível aos não iniciados.
Poucos indivíduos passam desse nível de Deus antropomórfico.
Só as camadas mais
avançadas da população chegam a conceber um Deus como uma força, algo
totalmente diverso do ser humano.
Algo transcendente.
As religiões do Oriente
chegaram a transferir esse pensamento para muitos dos membros da população.
Mesmo assim, o povo, na sua maioria, não consegue conceber Deus como uma força.
As religiões do Oriente não conseguiram passar esse pensamento nem para as
camadas mais avançadas, muitos tem esse pensamento, mas a maioria ainda ora
para um Deus pessoal.
Parecido com ele mesmo, e a ideia de que o homem é a
imagem de Deus ainda torna esse pensamento mais difícil de mudar.
Existe uma outra forma de conceber Deus.
Podemos concebe-lo como o Cosmo.
O
Universo.
Tudo que existe.
Essa forma se chama Panteísmo.
Que é uma forma de
adorar o Universo chamando-o de Deus.
Essa forma de adoração esta presente em
todos os níveis.
Muitas tribos primitivas adoram a natureza e a chama de Deus,
e muitas pessoas avançadas são ateias, mas veneram tanto o Universo que o mesmo
se torna Deus.
Alguns indivíduos adoram a ordem que permeia o Universo como a um Deus.
Sentem
um sentimento de encanto ante a imensidão do cosmo, a ordem e as leis que o
regulamentam. Sentem grande prazer em descobrir tudo sobre esse cosmo.
Esses
são, em geral, cientistas que se contentam em deixar seus desejos mundanos
(ligados ao mundo) de lado, e se concentram em descobrir os mistérios que os
permeiam.
Esse mistério e seu desvendamento se tornam uma religião para eles.
Einstein é um exemplo desse tipo de pensamento, assim como Espinosa.
Eles procuram experimentar o Universo como um todo harmônico.
E para isso, têm
que se desvencilhar dos pensamentos voltados para si próprios, dos desejos e
problemas individuais — e se concentram no cosmo e seus mistérios como missão
de vida, e não em dinheiro e problemas pessoais.
É claro que esse tipo de religião nunca agradou a maioria.
Essa maioria está
mais interessada nos problemas do dia-a-dia e precisam de um Deus mais mundano
que possa lhes ajudar a superá-los.
Precisam de um Deus pessoal que lhes
entenda e lhes ajude nas horas mais difíceis.
E o Universo ou cosmo é
indiferente às suas criaturas.
O Universo não é nem bom nem ruim.
Ele
simplesmente é neutro.
Não se preocupa com as criaturas que nascem dele.
O ser humano quer ser visto, de algum modo, quer se sentir importante,
importante para alguém, sua vaidade não vai deixar essa ideia morrer
facilmente.
Dessa forma percebemos qual é a grande diferença entre religião e
ciência.
A ciência se baseia nas leis da Causa e Efeito e, portanto, não pode
conceber que exista um ser mudando as leis segundo caprichos de sua vontade.
Para a ciência, tudo tem uma explicação natural, não sobrenatural.
As causas de
todos os males ou bens do ser humano são naturais e não sobrenaturais.
Um cientista não acredita nem na religião do medo e nem na da moralidade.
Moralidade concerne somente aos seres humanos e não ao Cosmo.
Um Deus que pune
e recompensa é inconcebível para ele.
Todas as ideias dos homens vêm de fora de algum modo.
Da sociedade que o cerca,
dos livros que lê, das influencias da sua vida.
Além de influencias de sua
própria natureza.
Pois cada um tem um modo de ser que é determinado pelos seus
próprios genes.
Alguns nascem calmos, outros agitados.
Uns com propensão à
violência, outros não.
Uns são tigres, outros coelhos assustados.
Uns tem corpos
altos e fortes, outros são baixos e fracos.
E assim por diante.
Como pode Deus castigar ou punir alguém quando pelo menos 90% da personalidade
de uma pessoa são determinados por causas acima de seu controle?
Além do mais,
existem várias religiões na Terra.
Cada uma com regras específicas para se
entrar no céu.
Sendo assim, como pode uma pessoa ser salva simplesmente por ter
tido a sorte de nascer no local adequado?
Sabemos muito bem que 90% das pessoas
adotam a religião de seu local de origem ou uma variante da mesma.
E mesmo
quando mudam de religião radicalmente nunca conseguem deixar por completo as
crenças adquiridas na infância.
Mudam de religião, mas seu comportamento
continua compatível com as crenças anteriores.
Cercado como está de influências
tanto internas como externas acima de seu controle, que critério usaria Deus
para julgar o homem?
O comportamento ético de um ser humano deve se basear em suas necessidades
sociais e individuais, a religião não precisa entrar nessas questões.
O melhor
guia para o comportamento social é a razão.
Tudo gera consequências.
Toda causa
gera um efeito.
Regras fixas de comportamento não são compatíveis com o ser
humano, pois fatos sociais mudam o tempo todo.
O exemplo do sexo que dei acima
é um deles.
Quando a religião tenta engessar um tipo de comportamento, está
indo contra o próprio progresso humano, pois tenta fixar aquilo o que não deve
ser fixado.
O ambiente muda o comportamento.
E um comportamento mal adaptado
leva ao sofrimento.
Todo organismo deve fazer tudo para sobreviver da melhor
maneira possível, e a maneira pela qual um ser humano sobrevive é usando sua
mente para seu benefício e para o benefício da sociedade como um todo.
Se
cuidar de progredir, acabará ajudando a todos.
A educação tem um papel fundamental como meio de influenciar o comportamento
dos indivíduos. Convém ensinar as pessoas a pensar e a agir em sociedade.
As
escolas deveriam se voltar para formar um bom cidadão e não somente fazer com
que pessoas acumulem conhecimentos que nunca serão utilizados.
A escola deveria
ensinar lógica, matemática e línguas desde o começo.
A lógica serve para evitar
que as pessoas sejam presas fáceis de qualquer aproveitador que apareça pela
frente.
A religião mantém as pessoas na infância eterna.
Sempre se entregando a alguém
para resolver seus problemas pessoais.
A falta de consciência em suas faculdades
mentais e o complexo de inferioridade faz com que muitos parem de pensar
logicamente e se entreguem a todo tipo de pensamento, por mais absurdo que
seja.
As pessoas raramente analisam as tradições de seu povo.
Simplesmente aceitam
tudo.
Será que isso é bom para a raça como um todo?
Será que não precisamos de
mais rebeldes ao invés de mais conformistas?
Todo avanço foi uma rebeldia.
Uma
rebeldia contra os padrões vigentes.
Rebeldia não significa ser do contra,
significa ser verdadeiro consigo próprio.
Fazer as coisas em que se acredita, e
não fazê-las simplesmente por que todos fazem.
Rebeldia também não é ir contra
tudo só para ser diferente.
Rebeldia é fidelidade à nossa natureza intima.
Não
é ser do contra ou a favor.
É ser integro com o que se acredita.
---
Sobre o autor: José Moreira da Silva é formado em Filosofia pela Universidade
de Nova Iorque e atualmente é professor de inglês, tradutor e intérprete, e
dedica-se ao estudo da natureza humana através da psicologia, filosofia e
religião.
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