segunda-feira, 1 de novembro de 2010
SONHOS NOS AJUDAM A VIVER MELHOR - PARTE 1
A ciência revela que sonhar deixa a memória afiada, ajuda a lidar com as emoções e nos treina para os obstáculos da vida real
Fechar os olhos, relaxar, dormir, sonhar.
Um ritual comum, diário, banal até.
E que, no entanto, como começam a revelar as mais recentes pesquisas da neurociência, é vital para nossa sobrevivência e tem impacto profundo na qualidade de vida.
De acordo com os estudos, para viver melhor, é preciso sonhar.
Os sonhos exercem funções biológicas fundamentais na evolução da nossa espécie: eles aprimoram a memória, ajudam no aprendizado, nos auxiliam a resolver nossa vida emocional e servem como treino para nos preparar para os desafios do dia a dia.
Na história da humanidade, é a primeira vez que os sonhos alcançam uma dimensão dessa magnitude. Desde as primeiras civilizações, buscamos entender o significado das imagens e das emoções experimentadas durante o sono – às vezes prazerosas, às vezes apavorantes.
Explicações variadas já surgiram, inclusive.
Grande parte delas relaciona-se a interpretações místicas, colocando o sonho como uma forma de nos relacionarmos com o divino.
Também já são conhecidos episódios famosos que o colocam como fonte de inspiração para a criação.
A escritora britânica Mary Shelley idealizou o personagem Frankenstein depois de sonhar com ele.
O químico russo Dmitri Mendeleiev organizou os elementos químicos na tabela periódica depois de vê-la em um sonho.
Paul McCartney sonhou com a música “Yesterday” e a compôs assim que acordou.
E o pintor surrealista espanhol Salvador Dali desenvolveu uma técnica em que usava seus sonhos para fazer seus quadros.
Não por acaso, o tema estimula mentes criativas e aparece com frequência em todos os tipos de arte, como no recente sucesso cinematográfico “A Origem”.
Porém, o entendimento mais profundo dos sonhos só começou a ganhar fôlego a partir de Sigmund Freud.
Seu livro “A Interpretação dos Sonhos”, lançado há 110 anos, representou um marco e lançou as bases da psicanálise.
Pelo entendimento do médico austríaco, os sonhos eram um modo de manifestação dos desejos reprimidos.
Somente agora, no entanto, com os progressos da neurociência, compreende-se muito mais seu papel real na vida cotidiana – a prática e a emocional.
O primeiro passo para a guinada foi a descoberta, por meio de eletroencefalogramas, de que durante o sono a atividade cerebral não se mantém constante.
Ondas cerebrais lentas são sucedidas por curtos períodos de ondas mais aceleradas, acompanhadas por rápidos movimentos involuntários dos olhos.
É o chamado sono REM (do inglês “movimento rápido dos olhos”).
Constatou-se, posteriormente, que, durante esse período mais agitado, o fluxo sanguíneo cerebral se intensifica e uma série de imagens toma conta do cérebro.
É o nascimento dos sonhos.
A partir dessa descoberta, outras foram surgindo, associando o sono à consolidação das memórias.
Observava-se, por exemplo, que a privação de sono atrapalhava o aprendizado, mas não se explicava exatamente como.
Ainda foram necessárias muitas outras pesquisas para se chegar à equação que relaciona a memória aos processos desencadeados no cérebro durante as duas fases do sono.
Para resolver esse enigma, os cientistas precisaram entender o modo como o cérebro define, em meio ao turbilhão de novos conteúdos ao qual é exposto diariamente, o que será guardado.
Uma nova informação só se torna uma memória de longa duração se passar pelo crivo de nossa mente, que precisa considerar aquilo significativo e, portanto, digno de ser lembrado.
“O que não é importante é esquecido”, explica o psicólogo Rafael Scott, doutorando em psicobiologia pelo Instituto Internacional de Neurociência de Natal (IINN), no Rio Grande do Norte.
Selecionado o que deverá permanecer, essas lembranças começam a ser ligadas a outras, mais antigas.
É esse processo que lhes garante permanência.
“Nossa memória funciona por meio da formação de redes associativas de significado”, diz o cientista Sidarta Ribeiro, um dos fundadores do IINN.
“Quando você era criança, aprendeu que rosa era uma flor.
Depois descobriu que também era uma cor.
Quando foi para a escola, teve uma coleguinha chamada Rosa.
Mais tarde, descobriu o escritor Guimarães Rosa e que essa mesma palavra também poderia ser o nome de um livro de Umberto Eco – “O Nome da Rosa”, exemplifica.
Mas o que o sonho tem a ver com esse processo?
“É nos sonhos que as experiências importantes vividas durante o dia estão sendo associadas às memórias passadas”, explicou à ISTOÉ Robert Hoss, presidente da Associação Internacional para o Estudo dos Sonhos e diretor-fundador da Fundação DreamScience.
Ou seja: o sonho é fundamental para que essa rede de associações seja tecida.
Ele permite a migração daquilo que aprendemos durante o dia e que está no hipocampo – região do cérebro responsável pela aquisição de novos conhecimentos – para o córtex cerebral, onde é armazenado.
“É como se fosse o movimento das marés”, compara Ribeiro.
A maré cheia corresponde à fase em que as memórias atingem o córtex e, ao “esvaziar”, deixa o hipocampo livre para novos aprendizados.
Ao construir essa teia, símbolos diferentes se mesclam de acordo com sua significação ou com as emoções a eles associadas.
“É por isso que, no sonho, a pessoa Rosa pode aparecer significada como o escritor: todos estão dentro da mesma rede de associações”, esclarece o cientista brasileiro.
Rachel Costa e André Julião
A partir da Revista IstoÉ (Edição: 1780 | 23.Nov.03).
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