Em outros tempos e
civilizações, esse caminho de transformação espiritual foi restrito a um número
relativamente limitado de pessoas; agora, no entanto, se se quiser preservar o
mundo dos perigos internos e externos que o ameaçam, uma grande porção da raça
humana deve procurar o caminho da sabedoria.
Neste tempo de violência e
desintegração, a visão espiritual não é um luxo elitista, mas algo vital para a
nossa sobrevivência.
Seguir o caminho da sabedoria nunca foi mais urgente nem
mais difícil.
Nossa sociedade está dedicada quase inteiramente à celebração do
ego, com todas suas tristes fantasias sobre sucesso e poder, e celebra
exatamente aquelas forças da ganância e da ignorância que estão destruindo o
planeta.
Nunca foi tão difícil ouvir a voz sem lisonjas da verdade e, uma vez
ouvida, nunca tão difícil segui-la: porque não há nada no mundo que nos cerca
que ampare nossa escolha, e a sociedade inteira em que vivemos parece negar cada
ideia de sacralidade ou significado eterno.
Assim, em tempos do mais agudo
perigo, quando precisamente nosso futuro está em risco, nós, como seres humanos,
nos encontramos aturdidos como nunca, presos num pesadelo que nós mesmos
criamos.
Mas há uma significativa
fonte de esperança nessa trágica situação, que consiste no fato de que os
ensinamentos espirituais das grandes tradições místicas ainda estão disponíveis.
Infelizmente, no entanto, há muito poucos mestres que corporificam esses
ensinamentos e uma falta quase total de discernimento naqueles que buscam a
verdade.
O Ocidente tornou-se um
paraíso para os charlatães espirituais.
No caso de um cientista pode-se
verificar quem é genuíno e quem não, porque outros cientistas podem examinar sua
formação e testar suas descobertas.
Mas no Ocidente, sem a linha-mestra e os
critérios de uma próspera e amadurecida cultura da sabedoria, é quase impossível
estabelecer a autenticidade dos chamados "mestres".
Qualquer um, ao que parece,
pode posar de mestre e atrair seguidores.
Esse não era o caso no
Tibete, onde era muito mais seguro escolher um caminho particular ou um
orientador para seguir.
Os que chegam pela primeira vez ao budismo tibetano
sempre querem saber por que se atribuí uma importância tão grande à linhagem, à
ininterrupta cadeia de transmissão de mestre para mestre.
A linhagem serve como
proteção e garantia essenciais: ela mantém a autenticidade e pureza do
ensinamento.
Sabe-se quem é um mestre sabendo-se quem é o mestre dele.
Não se
trata de preservar algum conhecimento ritualista, fossilizado, mas de transmitir
de coração a coração, de mente a mente, uma sabedoria essencial e viva, e seus
métodos hábeis e poderosos.
Reconhecer quem é e quem
não é um Mestre verdadeiro é um assunto exigente e sutil; e numa época como a
nossa, viciada na diversão, nas respostas fáceis e nos expedientes rápidos, os
atributos de maestria espiritual, mais sóbrios e nada teatrais, podem muito bem
passar despercebidos.
Nossas idéias sobre o que é santidade, piedade, brandura e
mansidão podem cegar-nos para a manifestação dinâmica e às vezes exuberantemente
jovial da mente iluminada.
Como escreveu Patrul
Rinpoche: "As qualidades extraordinárias de grandes seres que ocultam sua
natureza escapam as pessoas comuns como nós, apesar dos nossos melhores esforços
para observá-las.
Por outro lado, mesmo os charlatães comuns são especialistas
em enganar os outros comportando-se como santos".
Se Patrul Rinpoche escreveu
isso no Tibete do século passado, o que escreveria hoje no caos do nosso
supermercado espiritual contemporâneo?
Então, o que fazer hoje,
nesta época de absoluta descrença, para encontrar a confiança que é tão
necessária para seguir o caminho espiritual?
Que critérios podemos usar para
saber se um mestre é ou não genuíno?
Lembro-me muito bem de
haver estado junto a um mestre que conheço quando ele perguntou aos seus
discípulos o que os havia levado até ele e por que confiavam nele.
Uma mulher
disse: "Consegui ver o quanto você realmente quer, mais que qualquer outra
coisa, que entendamos e apliquemos os ensinamentos, e com que habilidade os
dirige para nos ajudar a chegar a isso".
Um homem dos seus cinquenta anos disse:
"O que me toca não é aquilo que sabe, mas o fato de possuir mesmo um coração bom
e altruísta".
Uma mulher de trinta e tantos anos confessou: "Quis fazer de você
minha mãe, meu pai, meu terapeuta, meu marido, meu amante; o senhor calmamente
ficou comigo até o fim do drama de todas essas projeções e nunca, jamais, me
abandonou".
Um engenheiro com vinte e
poucos anos disse: "O que descobri em você foi que é verdadeiramente humilde,
que quer o melhor para todos nós, e que mesmo sendo um professor jamais deixou
de ser um aluno dos seus grandes mestres".
Um jovem advogado disse: "Para você
os ensinamentos é que são o mais importante.
Às vezes chego a pensar que o seu
ideal seria fazer-se quase ausente, simplesmente transmitindo os ensinamentos do
modo mais generoso e desprendido possível".
Outro estudante disse, com
timidez: "De início fiquei aterrorizado de me abrir com você.
Já fui ferido
muitas vezes antes.
Mas, à medida que fui me abrindo, comecei a perceber
mudanças reais em mim e aos poucos me senti cada vez mais grato a você porque
percebi o quanto estava me ajudando.
E então descobri em mim uma confiança tão
profunda em você, mais profunda do que eu jamais teria
imaginado".
Finalmente, um operador de
computador na casa dos quarenta falou: "Você foi um maravilhoso espelho para mim
e me mostrou duas coisas: o aspecto relativo de quem eu sou e o aspecto absoluto
de quem eu sou.
Posso olhá-lo e ver claramente — não pelo que você é, mas pelo
que está refletindo de mim mesmo — toda a minha confusão relativa.
Mas posso
também olhar e ver, refletida em você, a natureza da mente, da qual tudo está
surgindo, momento a momento".
Essas respostas nos mostram
que os verdadeiros mestres são gentis e compassivos, são incansáveis no seu
desejo de partilhar a sabedoria que adquiriram dos seus mestres; nunca abusam ou
manipulam seus discípulos, em qualquer circunstância; haja o que houver, nunca
os abandonam; servem não aos próprios fins mas à grandeza dos ensinamentos; e
são sempre humildes.
A verdadeira confiança só pode e deve aumentar em relação a
alguém que você, com o tempo, descobrir que personifica essas qualidades.
Verá
que essa confiança torna-se a base da sua vida, pronta para dar-lhe apoio em
todas as dificuldades da vida e da morte.
No budismo estabelecemos a
autenticidade de um professor ou professora conforme sua orientação esteja ou
não de acordo com os ensinamentos do Buda.
Nunca é demais deixar claro que é a
verdade do ensinamento que é importante, e nunca a personalidade do mestre.
Por
isso o Buda nos recorda nas "Quatro Confianças":
Confie na mensagem do
mestre, não na personalidade dele;
Confie no significado, não
apenas nas palavras;
Confie no significado real,
não no provisório;
Confie na sua própria mente
de sabedoria, não na sua mente comum, que faz
julgamentos.
Assim, é importante lembrar
que o verdadeiro professor, como veremos, é o porta-voz da verdade: é a
compassiva "manifestação da sabedoria" dessa verdade.
Todos os budas, mestres e
profetas, de fato, são as emanações dessa verdade, surgindo sob incontáveis
aparências, hábeis e compassivas, para guiar-nos por meio do seu ensinamento de
volta á nossa verdadeira natureza.
Primeiro então, mais importante do que
encontrar o professor é encontrar e seguir a verdade do ensinamento, porque é
fazendo uma conexão com a verdade do ensinamento que você vai descobrir sua
ligação viva com um mestre.
Sogyal Rinpoche, in
O livro tibetano do viver
do morrer, págs. 172-5
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sábado, 20 de abril de 2013
ENCONTRAR O CAMINHO
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