Você conhece um conto de
Mario de Andrade, chamado O Peru de Natal?
Não, desta vez não vou recontá-lo
aqui para você, por absoluta certeza de que jamais conseguiria reproduzir a
irreverência refinada das frases, dos pontos, das pausas.
Esta história você
deve ler inteira, de preferência agora, nas vésperas do Natal.
Sim, porque
você sabe, nosso Natal anda meio bambo, meio morno, assim sem paixão.
Ao
contrário do que prometem, as alegrias de consumo nos deixam mais ou menos
anestesiados.
E compramos mais do que podemos, gastamos, cá prá nós, muitas
vezes sem razão nem necessidade.
E lá se vai aquela minissaia azul, comprada num
impulso "irresistível", indo parar no colo assombrado da sobrinha tímida, que se
cobre de moleton até no verão.
Isso para não falar no Papai Noel e nas loucuras
que conseguimos fazer com o cartão de crédito apenas para que nossos filhos
tenham a ilusão de que a felicidade pode vir sim embrulhada num papel de
presente.
E não é à toa que eles nos olham sem entender quando, no dia seguinte,
já fartos, resolvem abrir o boneco que fala para ver o que tem dentro e a gente
quase enfarta: "como, você não dá valor para o dinheiro, menino?".
É isto mesmo,
mais sábios talvez do que nós, eles sabem que brinquedo é para brincar e que
esta história de brinquedo sinônimo de status é coisa destes adultos
esquisitos!!!
Janeiro chega com jeito de ressaca e, à medida em que vão se
amontoando as contas do cartão e dos crediários, a gente se pergunta, o que
aconteceu que o Natal ficou estranho?
Como foi que a grande celebração da
generosidade virou a festa planetária do consumo?
E se a gente fizesse uma
coisa diferente neste Natal?
Algo louco, como diz o personagem do conto de Mário
de Andrade?
Tão louco que no final a gente pudesse se reconhecer na frase que
encerra o conto:
"Era uma felicidade maiúscula, um amor de todos, um
esquecimento de outros parentescos distraidores do grande amor familiar.
E foi,
sei que foi aquele primeiro peru comido no recesso da família, o início de um
amor novo reacomodado, mais completo, mais rico e inventivo, mais complacente e
cuidadoso de si.
Nasceu de então uma felicidade familiar para nós que, não sou
exclusivista, alguns a terão assim grande, porém mais intensa que a nossa me é
impossível conceber."
Da minha parte, vou engrossar o coro dos valorosos
defensores de um Natal mais simples, cujas fileiras, acredite, estão engrossando
no mundo todo!
Com a crise planetária, frugal é chic! Pensei em algumas idéias,
você pode acrescentar outras e fazemos uma grande lista!
Dê presentes
que façam sentido.
Lembram que eu dizia que muita gente compra presentes
não pelo prazer de dar, mas pelo prazer de comprar?
Cá para nós, consumir virou
um passatempo.
Poucas vezes guarda realmente alguma relação com o gesto ge
neroso
de fazer outra pessoa feliz.
E se a gente expressar nosso amor de uma outra
forma?
E se, apenas este ano, a gente só comprasse aqueles presentes que
realmente vão significar algo para quem recebe?
Ou seja, não vou dar presentes
para "todo mundo do trabalho" só porque senão "fica chato".
E ponto! Isso deve
reduzir sua lista de presentes pela metade!
Tamanho não é documento.
Depois do segundo dia de shopping frenético, lista na mão, horários
contados no relógio, mesmo os seres humanos mais saudáveis são presas fáceis das
maiores fantasias de consumo.
Por exemplo, acreditar que o valor de um presente
é medido pelo tamanho do pacote.
Quer mentira maior?
Mas a gente às vezes cai
nessa e sai por aí desfilando pacotes gigantes de coisas sem graça nenhuma. Uma
única meia do mais puro cashmere não pode ser muito mais interessante do que
duas bermudas "bobinhas"?
Pegue carona num estilo de ser mais "bobo" - mistura
de duas palavras em inglês, bohemian - bourgeois (boêmios-burgueses), cunhada
por um escritor americano, David Brooks, e que serve para falar de gente que
detesta excessos, curte as idéias por trás das coisas e paga muito caro apenas
pelo que é exclusivo, faz bem para o planeta e é "uma obra de arte" .
E ouse
pensar pequeno e diferente.
Seja criativo.
Um presente pode ter
muitas caras.
Quer presente melhor para sua avó do que sentar junto dela,
oferecer-se para preparar um cafezinho e ouvir com atenção amorosa as suas
histórias de outros natais?
Ou comprar para sua amiga os ingressos para aquele
show que ela vive dizendo que não pode perder?
Pense em presentear com cursos,
atenção, companhia, idéias de programas para fazer junto, enfim, subverta a
idéia de que presente de Natal se compra em loja, muitas vezes, não precisa ser
assim.
Crie doze dias de presentes realmente significativos.
Li isso certa vez e, desde então, adotei!
O tempo entre o Natal e o Dia
de Reis, que, na verdade, é o tempo que o Natal dura para a igreja cristã,
inspirou um música chamada Os doze dias de Natal, cuja letra fala de apaixonados
que dão presentes extraordinários aos seus verdadeiros amores, como perdizes que
nascem em árvores.
Esta é uma canção muito tradicional nos EUA, embora as
origens deste costume de celebrar doze dias de festas nesta época se percam nas
memórias dos povos europeus.
Então, e se em cada um destes dias sagrados, a
gente convidasse os filhos, a família, os amigos para dar presentes de alegria
para o mundo!
No primeiro dia, o presente seria fazer as pazes com alguém. No
segundo, tornar a vida de uma outra pessoa mais alegre.
No terceiro, nada de
implicar com as crianças nem de reclamações (isto vale para elas também ..ah, e
para seu parceiro também!)
No quarto dia, faça uma cesta com coisas gostosas e
entregue num asilo ou num orfanato.
No quinto dia, sorria para todo mundo que
cruzar o seu caminho.e por aí vai, que idéias para ser gentil é que não faltam,
não é?
O que você adora no Natal?
Muitas vezes, fazemos as
coisas apenas por hábito ou porque sempre fizemos daquele jeito e mudar traz uma
sensação esquisita de desconforto.
Ou, ainda, mantemos tradições nas quais não
acreditamos só porque "todo mundo faz" e não queremos ser diferentes.
Mas não
existe melhor época do que agora para avaliar o que realmente faríamos com o
Natal se fôssemos nós os inventores da festa.
Nem todos os lugares do mundo
comemoram o Natal da mesma forma.
Existem tradições em outros países que talvez
respondam de modo mais sincero aos desejos do nosso coração.
Penso, por exemplo,
nas Missas do Galo das pequenas aldeias portuguesas ou no hábito que ainda
perdura em muitas cidades do sul da França de deixar a mesa posta com as sobras
das iguarias da ceia do 24 para os anjos e os ancestrais se deliciarem, enquanto
a família dorme.
No dia seguinte, a toalha é dobrada em uma trouxa com todas as
comidas e entregue num asilo ou num orfanato ou, então, vai alegrar o almoço de
alguma família mais necessitada.
Era assim na casa da minha avó e até hoje gosto
de pensar que quando todos dormem, os espíritos dos antepassados se reúnem para
beber e comer, se alegrar e, talvez, encher de bençãos a mesa dos
vivos.
Reinventar o Natal é um grande desafio.
Mas se não
tivermos coragem de fazer isto nas nossas casas e nas nossas almas, talvez, em
alguns anos, ninguém consiga mais reconhecer atrás da avalanche de pacotes o
autêntico Espírito de Natal, feito de compartilhar afeto e agradecer pelas
bençãos que sempre recebemos do Papai Noel!
Adília Belotti
http://somostodosum.ig.com.br
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