Steve Hume
Este artigo é um entre inúmeros, tratando de “Espiritualismo e a
Instituição”,
publicado no “Ark Review.”
No início desta série de artigos, eu escrevi que o Título Espiritualismo e a
Instituição é um tanto equivocado.
O que nós estamos realmente falando na
verdade, é do efeito do peso das opiniões geralmente negativas, que a
mediunidade tem provocado contra ela mesma.
No final das contas,
“Espiritualismo”, é somente um pretexto, uma conveniência verbal sobre o qual
nós colocamos o fenômeno da mediunidade, e os ensinamentos que provem dela
através de um contexto moderno.
“Instituição” é outra palavra conveniente que é usada para designar um
conhecimento sobre qualquer assunto que é oficialmente aceito e endossado por
uma considerável parcela da sociedade.
A razão pela qual eu sinto ser necessário reiterar os conceitos acima, é que
no decorrer dos próximos meses estarei usando palavras diferentes cada vez que
estiver referindo-me à “religião” que se formou em volta do conceito de
mediunidade.
“Espiritismo” é a palavra associada com a prática mediúnica em toda a América
Latina, particularmente no Brasil,(onde rivaliza com o Catolicismo,) e nas
Filipinas.
No entanto, a influência de um homem no Espiritismo particularmente
no Brasil, é tão grande que o movimento é freqüentemente chamado de “Espiritismo
Kardecista” ou Kardecismo.
Há muitos paradoxos no impacto que o francês Allan Kardec (1804 – 1869) teve
sobre os assuntos humanos.
O mais importante nisso, é que o seu trabalho
constituiu o único exemplo de uma moderna apreciação sobre a mediunidade que
exerceu e continua exercendo um efeito verdadeiro, profundo, numa parcela
significativa da sociedade.
No seu livro “Espíritos e Cientistas” – Ideologia,
Espiritismo e Cultura Brasileira, o antropologista David J. Hess cita evidências
que sugerem que os ensinamentos espíritas coletados por Kardec, influenciaram as
teorias ( Hess quase insinua um plágio) dos mais importantes fundadores da
moderna psicologia e psiquiatria, como Pierre Janet.
Ainda, apesar disso, Kardec permanece quase desconhecido ou pobremente
entendido pelos Espiritualistas na Inglaterra.
O erro mais comum e mais fatal, é
ao dizerem que kardec era médium e que os ensinamentos eram dele mesmo.
Arthur Findlay mostrou essa falta de entendimento ao referir-se a Kardec
nestes termos:
“No Brasil um extenso movimento tem sido dirigido pelos escritos do francês
Allan Kardec.
Ele no entanto, influenciou o pensamento de seus seguidores mais
para a doutrina da reencarnação do que na crença do progresso, dos
Espiritualistas Americanos e Britânicos”.
O fato de que um dos mais importantes livros de Kardec foi publicado sob o
título de Livro dos Médiuns, dá uma idéia de quão longe da verdade Findlay
estava. Isso, junto com o mesmo conceito do progresso eterno, contínuo, como
princípio central, já sugerem como ele não era familiarizado com o trabalho do
Francês Allan Kardec.
De fato, a diferença significativa entre Espiritismo e
espiritualismo é que, para os primeiros a “Doutrina da Reencarnação”, é um
ensinamento central enquanto que no Espiritualismo a crença em reencarnação não
é geralmente muito difundida, apesar de ser extremamente comum. Há muitos
Espiritualistas que rejeitam esse conceito com aparente desdém.
No entanto, não
é minha intenção colocar mais combustível nesse já super aquecido debate sobre a
reencarnação.
A única coisa que eu pessoalmente posso dizer é que eu encontro
argumentos de ambos os lados do debate que são persuasivos de um lado e algumas
vezes sensível e ilógicos de outro.
O que eu espero mostrar no entanto, é a maneira de Kardec analisar as
comunicações espíritas de natureza filosóficas, proporcionando uma maneira de
aumentar o entendimento nessas conclusões e talvez também, dissolver um pouco a
rejeição que parece provocar em ambos os lados cada vez que o assunto é
abordado.
Em primeiro lugar, se nós queremos realmente entender porque o trabalho de
Kardec continua a ter sucesso tão espetacular e ao mesmo tempo situá-lo no seu
contexto correto, nós precisamos dar uma olhada no histórico da sua vida.
“Allan
Kardec”, é o pseudônimo adotado por Hyppolite Léon Denizard Rivail, sob o qual
ele publicou seus livros sobre Espiritismo. Rivail nasceu em Lyon no dia 03 de
outubro de 1804, numa família que tinha por várias gerações sido formada por
advogados e magistrados.
Desde criança, mostrava aptidões por Ciência e
Filosofia e na idade de dez anos foi enviado para o Instituto Pestalozzi, cujos
métodos de ensino radicalmente inovadores, estavam atraindo alunos das mais bem
posicionadas famílias da Europa.
Hess enfatiza a importância desse fato na vida de Rivail, pois o método
Pestalozzi de ensino era baseado nos princípios do Iluminismo.
Os estudantes
eram encorajados a abraçar os ideais de reformas políticas e sociais e embora
Rivail permanecesse católico, ele adotou a atitude “mente aberta” de um Livre
Pensador.
Ele acreditava que a educação era a chave para harmonizar as relações
entre o “Rico e o Pobre”. Esses fatores parecem ter influenciado muito o
interesse que os ensinamentos dos espíritos provocaram em Rivail mais tarde.
Não
foi só o fato dele ser mente aberta o suficiente para não rejeitar os
ensinamentos por razões religiosas, mas eles foram como uma confirmação de sua
crença na igualdade e que iam também de encontro a muitos dos dogmas da Igreja.
Também, Rivail chegou ao Instituto Pestalozzi numa época em que estavam
acontecendo uma disputa interna entre o dominador administrador Joseph Schmid e
o teórico Johannes Niederer que ajudou a dar publicidade as idéias de
Pestalozzi.
Hess especula até que, provavelmente, Rivail aprendeu lições
valiosas com ambos: Com Schimid, as habilidades políticas e administrativas que
o ajudariam mais tarde a fundar e manter um movimento internacional.
Com
Niederer, aprendeu a arte de apresentar idéias novas e controversas à um público
séptico e as Instituições da mesma forma.
Rivail rapidamente provou ser uma
criança gênio de rara distinção.
A disputa interna na Escola provocou a demissão
de dezesseis mestres e na idade de quatorze anos, Rivail foi convidado a
ministrar aulas para os seus próprios colegas.
Ele também tornou-se um dos
alunos favoritos, um dos discípulos mais ardentes do Instituto Pestalozzi e
deixou Yverdun com uma graduação em Letras e Ciências e um doutorado em
medicina.
Após deixar o Instituto Pestalozzi, Rivail fixou-se em Paris, quando em 1824
publicou seu primeiro livro. Esse livro era baseado no seu próprio sistema de
ensinar matemática e foi reeditado até 1876. No ano seguinte, com a idade de
vinte e um anos, ele abriu sua própria “Escola de Primeiro Grau” e em 1826 ele
abriu outra, o “Instituto Técnico Rivail’.
Ele ensinava Química, Física,
Matemática, Astronomia, Anatomia comparada e retórica.
Falava nove línguas,
sendo que o italiano e espanhol fluentemente.
Rivail também enviou várias
propostas de reforma Educacional à Câmara Legislativa da França, que foram muito
elogiadas embora não adotadas.
Em 1832 ele desposou Amelie Gabrielle Boudet, que era professora de Artes e
Escritora.
Mas um “desastre” aconteceu em 1835 quando o tio de Rivail que também
era seu sócio, afundado em enormes dívidas de jogo, forçou o fechamento de uma
das escolas.
No entanto, Rivail começou a escrever uma série de livros, de
textos de vários assuntos para a Universidade Francesa e também começou a dar
aulas particulares em sua própria casa.
Em 1848, quando a mediunidade das Irmãs
Fox estava provocando uma comoção na América, ele já era um Educador muito
conhecido e conceituado que poderia facilmente e confortavelmente se manter pelo
resto de sua vida com o que provinha de seus livros.
Em 1854 um amigo que tinha
muito interesse nos fenômenos de mesmerismo, Mr. Fortier, contou a Rivail sobre
a mania das mesas girantes que tinha àquele tempo alcançado a França.
Mais tarde
ele inclusive falou que Fortier disse-lhe que “Não somente fazem uma mesa
mexer-se mas também fazem-na falar.
Faça a ela uma pergunta, e ela responde”.
A
resposta de Rivail foi típica de um famoso acadêmico do século XIX, que mais
tarde iria arriscar sua reputação por publicar trabalhos endossando a
mediunidade.
Ele respondeu, “Eu acreditarei nisso quando puder ver e quando me
provarem que uma mesa tem cérebro para pensar e nervos para sentir e que ela
possa se tornar uma sonâmbula.
Ainda assim, continuo não vendo nada além de uma
fábula contada para provocar sono”.
Como muitos outros na América e na Inglaterra, Rivail achava que as mesas
girantes eram um efeito “puramente material” e só um ano depois que ele
deixou-se convencer a comparecer à uma sessão de mesas girantes na casa da Sra.
Roger, uma das pessoas pesquisadas por Fortier.
Foi aqui que ele testemunhou o
fenômeno das mesas girantes que “pulavam e corriam sob condições que excluíam
dúvidas” e algumas “tentativas bastante imperfeitas de escrita mediúnica numa
lousa”.
Mas tudo isso somente serviu para despertar a curiosidade natural de Rivail,
que fez uma nota mental para investigar o assunto mais tarde.
Ele escreveu:
“Minhas idéias estão longe de serem modificadas, mas eu vi naqueles fenômenos um
efeito que deve ter tido uma causa.
Eu prevejo sob a aparente frivolidade e
entretenimento associados à esses fenômenos algo sério, talvez a revelação de
uma nova lei, a qual eu prometo a mim mesmo que vou explorar”.
Rivail foi então apresentado ao Sr. Baudin, que organizava sessões espíritas
semanais em sua casa. As duas filhas de Baudin (que eram um tanto frívolas e não
muito cultas), tinham o hábito de obter comunicações pelo uso das pancadas na
mesa.
Normalmente os resultados de suas experiências eram uma ampla confirmação
da regra de ouro, “semelhante atrai semelhante”.
As banalidades usuais foram
substituídas pela filosofia de um “caráter muito sério e grave”, e Rivail adotou
a prática regular de sempre chegar às reuniões armado com uma lista de perguntas
perspicazes aos novos comunicadores.
Embora as narrações Inglesas dos eventos desse período variam bastante, é
certo que, de alguma forma a médium de prancheta Celina Japhet também
envolveu-se em obter respostas para as perguntas de Rivail.
Na breve biografia de Rivail que Anna Blackwell escreveu no prefácio da
tradução que ela fez para o Inglês do primeiro livro dele, ela mencionava que
essas sessões formaram a base da teoria espiritista do uso das mesas girantes ,
das pancadas e da escrita na prancheta.
No entanto, quando um grupo de outros
investigadores que já haviam coletado mais de cinqüenta cadernos cheios de
comunicações, pediram a Rivail para organizá-los em algum tipo de seqüência, ele
inicialmente recusou.
Se ele estava ou não suficientemente entusiasmado com o
assunto para ficar absorvido pela empreitada nos não sabemos, o fato é que ele
mudou de opinião.
Após dois anos analisando as comunicações, ele observou para
sua esposa: “Minhas conversações com as inteligências invisíveis revolucionaram
completamente minhas idéias e convicções.
As instruções que me são transmitidas
constituem uma teoria completamente nova sobre a vida humana, deveres e destino
que me parecem ser perfeitamente racional e coerente, admiravelmente lúcida,
consoladora e intensamente interessante.
Eu tenho um grande desejo de publicar
essas conversações num livro.
Eu acho que se isso me interessa tão
profundamente, com certeza deve interessar a outros também.”
Quando Rivail submeteu essa idéia aos comunicantes, eles responderam: “Ao
livro, como ele é um trabalho mais nosso que seu, você dará o nome de “O Livro
dos Espíritos” e irá publicá-lo não sob seu próprio nome, ma sob o pseudônimo de
Allan Kardec. (“Kardec” era um antigo nome Bretão da família de sua mãe).
Adote
seu nome de Rivail para seus próprios livros que já foram publicados”.
Rivail então assumiu a tarefa de editar os cinqüenta cadernos, classificando
os diferentes tipos de comunicações de acordo com seu caráter e a consistência
profunda de seus argumentos.
À estas ele acrescentou mais comunicações de Japhet
e então, ainda não convencido de que o material estava suficientemente
verificado, submeteu suas perguntas à um grande número de outros médiuns.
No
decorrer dessa empreitada ele adotou o método que ele chamava de “princípio da
concordância ou da conformidade” pelo qual ele aceitava como mais perto da
verdade, as respostas que poderiam não somente “resolver todas as dificuldades
das perguntas” mas eram também consistentes com as respostas de outras fontes
independentes.
Quando o Livro dos Espíritos apareceu em dezoito de abril de 1857, obteve
tanto sucesso que uma Segunda edição, aumentada ainda com mais material, foi
impressa no próximo ano e o nome Allan Kardec tornou-se uma palavra familiar em
todo o continente.
A publicação do Livro dos Espíritos causou algo como uma
sensação na França não só porque o autor era um sóbrio, respeitável intelectual,
mas também porque ele continha comunicações dos espíritos, que respondiam suas
perguntas relacionadas à todos os assuntos, desde a estrutura interna da matéria
até a natureza de Deus, a ética humana, o universo e o lugar da humanidade
dentro dele.
Na verdade, o do Livro dos Espíritos provavelmente não era o tipo
de conteúdo que o público esperava que surgisse depois da mania da mediunidade
que no espaço de nove anos havia arrebatado a América e a Europa após ser
iniciado por duas crianças.
No entanto, o terreno já havia sido preparado para a aceitação do primeiro
livro de Kardec pelo mesmerista Alphonse Cahagnet que publicou em 1848 o
primeiro de três volumes do trabalho intitulado “Segredos da Vida Futura
Desvendados”.
Cahagnet que era marceneiro, conseguiu suas informações de pessoas
que, após serem “mesmerisadas” relatavam mensagens do mundo espiritual.
Mas
havia uma diferença muito grande entre Cahagnet e Rivail.
Colin Wilson menciona
que o primeiro não acreditava em reencarnação, porque as pessoas que ele
“mesmerisou” não lhe disseram nada sobre esse assunto e que ele referia-se aos
médiuns escreventes com desdém.
Rivail, por outro lado, trabalhou quase que
totalmente com médiuns escreventes, e de uma sorte ou de outra tornou-se
convencido de que a reencarnação era um fato. Isso porque a maioria das
personalidades espirituais que se comunicaram através de diferentes médiuns que
ele consultou, referiam-se a reencarnação e explicavam sua operação com detalhes
consideráveis.
Mas o fator crucial era provavelmente o método que Rivail usava
para decidir se os ensinamentos filosóficos de um espírito eram realmente
verdadeiros.
Muitos anos após suas tentativas iniciais em provar o fenômeno
mediúnico e também nas contradições que surgiam nas afirmações dos espíritos
sobre a vida espiritual ele escreveu:
“Eu tentava identificar as causas do fenômeno interligando os fatos de
maneira lógica, e não aceitava uma explicação como válida a menos que ela
pudesse resolver todas as dificuldades da pergunta.
Esta sempre foi a maneira
que eu procedi em minhas investigações desde a idade de quinze e dezesseis anos.
Uma das minhas primeiras observações foi de que os Espíritos sendo somente as
almas dos homens, não apresentavam sabedoria ou conhecimento absolutos.
Seu
conhecimento era limitado ao nível de seu adiantamento e sua opinião tinha o
valor de uma opinião pessoal.
Reconhecendo esse fato, desde o começo livrou-me
de cometer sérios erros não acreditando na infalibilidade dos Espíritos e me
precaver ao não formular teorias prematuras baseadas na opinião de somente um ou
alguns Espíritos”.
Este foi basicamente o âmago do método de Rivail.
Ele
propunha aos Espíritos questões sobre moralidade, ética, justiça divina, sendo
que ele aparentemente já havia decidido que os comunicantes que explicassem tudo
em termos de reencarnação, satisfaziam seus critérios satisfatoriamente.
Pretendo mais tarde dar uma explicação mais detalhada sobre o ponto de vista
dos Espíritos de Kardec.
No momento é suficiente dizer que eles apresentavam a
reencarnação como essencial para o progresso espiritual e aqui estava o que mais
causava atrito entre os que defendiam Kardec e os que defendiam Cahagnet.
Mas,
surpreendentemente, o Livro dos Espíritos reserva pouco espaço para se discutir
a reencarnação com mais profundidade.
Embora a influência dos trabalhos de
Cahagnet de certa forma ajudaram na divulgação, no sucesso inicial de seu livro
na França e resto da Europa, a longa permanência da influência em toda parte do
Livro dos Espíritos deve-se a outros fatores. David J. Hess a atribui à grande
habilidade de Rivail como educador profissional que foi desenvolvida no
Instituto Pestalozzi durante sua juventude.
De fato, Hess menciona que o Livro
dos Espíritos se assemelha muito com os livros de texto “Pestalozzianos”.
Talvez
seja por isso que o assunto central é apresentado de um jeito que a variedade de
assuntos e idéias apresentadas pelos Espíritos se relacionam entre si,
apresentando uma unidade sem contradições internas.
Na verdade o que o Livro dos
Espíritos apresenta é uma representação de todo o Cosmos, centrada nos aspectos
morais e éticos da vida Espiritual e como esses se relacionam com o uso da
mediunidade pela humanidade, tudo apresentado em um volume.
Com efeito, embora
Rivail não iniciou o Espiritismo Francês, ele criou um sistema de explicá-lo tão
à frente de seu tempo que literalmente podemos dizer que o Espiritismo começou
desse ponto em diante.
O livro alcançou um vasto número de leitores de todas as classes da
sociedade.
Alguns eram atraídos pelos ensinamentos dos Espíritos dos assuntos
científicos.
De fato, é impressionante como algumas das respostas às perguntas
de Rivail podem ser interpretadas como surpreendentemente à frente de seu tempo.
Um exemplo é a pergunta: “Existe o vacuo absoluto em alguma parte do espaço”?
E
Rivail obteve como resposta: “Não. Não existe vácuo.
O que parece vácuo para
vocês, é ocupado por matéria num estado que escapa à ação de seus instrumentos e
entendimento”.
Essa afirmação (dada em 1850), que o espaço que parece estar vazio está
realmente cheio de matéria, somente recebeu confirmação muito recentemente com a
descoberta do que é chamado “quantum Vacuum”.
Na mesma época os Espíritos
casualmente também anunciaram: “o que vocês chamam de molécula (ou talvez
“partícula” ou “átomo” está realmente bem longe de ser a molécula elementar”.
Este fato científico só foi confirmado quando J.J. Thomson descobriu o elétron,
quase meio século mais tarde.
No entanto, o Livro dos Espíritos teve muitos convertidos ao Espiritismo das
classes trabalhadoras da França, talvez pela simples razão de que os Espíritos
não tinham nada de elogioso para falar sobre a desigualdade, que era e ainda é
inerente à sociedade humana.
De fato, a atitude Espiritista com relação à esse
assunto pode ser resumida na resposta que deram a esta pergunta de Rivail: “O
qual, dentre todos os vícios, pode ser considerado como a raiz de todos os
outros”?
Obteve como resposta: “Egoísmo, como temos repetidamente lhe falado,
pois é do egoísmo que todo o mal provém.
Por mais que luteis contra ele não
chegareis a extirpá-lo enquanto não o atacardes pela raiz, enquanto não lhes
houverdes destruído a causa.
Que todo os vossos esforços tendam para esse fim,
porque nele se encontra a verdadeira chaga da sociedade.
Quem nesta vida quiser
se aproximar da perfeição moral deve extirpar do seu coração todo sentimento de
egoísmo, porque o egoísmo é incompatível com a justiça, o amor e a caridade.
Ele
neutraliza todas as outras qualidades”.
Isso significa que o discurso dos espíritos era sempre ancorado no princípio
central da caridade, não somente com relação às coisas materiais, mas com
relação à muitas outras coisas inclusive a pratica da mediunidade.
Mas os
Espíritos de Kardec também denunciaram sexismo, racismo, pena de morte,
escravidão e qualquer outra forma de injustiça social e preconceito como sendo
contrários às Leis Divinas , mas recomendavam liberdade de pensamento, liberdade
de consciência, igualdade de tolerância.
Com efeito, o que estava sendo proposto
era um programa Espiritual que estava anos luz à frente do conservadorismo da
Igreja Católica.
O ponto de vista que analisaremos à seguir também representa o que talvez
seja a maior diferença entre o retrato que os Espíritos de Kardec faziam da vida
espiritual e as notícias enviadas por outros. Rivail parecia somente estar
interessado nos conceitos morais e científicos da raça humana e conduzia suas
perguntas de acordo.
Assim, o Livro dos espíritos não menciona como eram as
casas dos espíritos, etc., que é uma característica comum da literatura
espiritualista.
O assunto principal é quase totalmente orientado para o efeito
que a conduta moral tem sobre o indivíduo, tanto na Terra quanto no Além.
Encorajado pelo sucesso do Livro dos Espíritos, Rivail decidiu começar um
jornal mensal. Incapaz de obter uma ajuda financeira para essa empreitada ele
pediu conselho de seus guias através da mediunidade de Miss E. Dufaux e foi
aconselhado à fundar o jornal ele mesmo e não se preocupar com as conseqüências.
Sendo assim, a primeira edição de La Revue Spirit saiu em primeiro de Janeiro de
1858, e como aconteceu com o Livro dos Espíritos, seu sucesso suplantou as
expectativas de Rivail.
Ele também fundou a Sociedade Parisiense de Estudos
Psicológicos.
Mas o seu trabalho para o Espiritismo havia somente começado.
Ele
publicou o Livro dos Médiuns em 1861, que trata somente do ponto de vista dos
Espíritos sobre o desenvolvimento e o uso da mediunidade.
Para este e para
outros trabalhos, ele usou mais médiuns que para o Livro dos Espíritos,
empregando o mesmo método de apresentação, isto é: Suas perguntas seguidas das
respostas dos Espíritos que eram suplementadas pelas suas próprias observações e
comentários.
Rivail rapidamente tornou-se a primeira autoridade em mediunidade na França e
foi homenageado pelos Espiritistas em sua cidade natal de Lyon.
Tanto que, em
1862 ele teve que pedir-lhes que não gastassem mais dinheiro com homenagens, com
banquetes, como haviam feito no ano anterior.
Anna Blackwell menciona que ele constantemente recebia a visita de
personalidades influentes dos meios social, literário, artístico e científico e
que ele foi, por várias vezes, convocado pelo Imperador Napoleão III, para
responder perguntas sobre a doutrina do Espiritismo.
Mas na verdade, o sucesso
crescente do Espiritismo em geral, não fez muito para elevar Rivail ou o
Espiritismo para um lugar de honra em certos segmentos das Instituições
Francesas.
Até entre os próprios Espíritas havia alguns que ressentiam sua
crescente influência no movimento Espírita.
Esta oposição, particularmente vinda
da igreja, na verdade não causou muito surpresa para Rivail.
Mas pode-se
imaginar quão penoso foi para Rivail perceber a oposição dentro do Movimento
Espírita.
De fato, ele já havia sido avisado de tudo isso pelos Espíritos em
1856, bem antes de se tornar um campeão da causa Espiritista; “Ódios terríveis
serão incitados contra você.
Inimigos implacáveis vão tramar a sua ruína.
Você
será exposto à calúnia e a traição, até por aqueles que mais parecem dedicados à
você.
Seus melhores trabalhos serão rejeitados e negados”.
Esta comunicação foi
dada pelo “Espírito da Verdade”.
A Igreja católica, tanto na França quanto em toda parte, estava
particularmente ávida por desacreditar tanto o Espiritismo quanto Rivail. David
J. Hess, em seu livro: “Espíritos e Cientistas: Ideologia, Espiritismo e a
cultura Brasileira”, menciona várias atitudes tomadas pela Igreja contra o novo
movimento, que era considerado pior que o Protestantismo.
Antes da publicação do
“Livro dos Espíritos” em 1856, o Santo Ofício, sob as ordens do Papa Pio IX,
proibiu a mediunidade e qualquer outra superstição análoga, por serem
“heréticas, escandalosas e contrárias aos costumes honestos”.
Mas em 1861
o Bispo de Barcelona tomou uma atitude mais direta.
Ele ordenou um auto de
fé, conhecido como Decreto de Barcelona, contra trezentos livros Espíritas,
incluindo muitos de Rivail, que foram confiscados e queimados em público.
No
entanto, a ação do Bispo não fez mais que incitar o nacionalismo Francês e
contribuiu para o crescimento mais profundo do Espiritismo tanto na França como
na Espanha.
Hess acrescenta que quando o Bispo morreu, nove meses depois, seu
espírito arrependido manifestou-se através de vários médiuns franceses
implorando pelo perdão de Rivail que foi concedido.
Na França, o diretor da
Faculdade de Teologia de Lyon começou a dar cursos de educação pública contra o
Espiritismo e Mesmerismo, isso em 1864.
Os clérigos escreviam que Espiritismo
era a exaltação do demônio.
Rivail acusou a Igreja de incitar de uma maneira deliberada o ódio contra o
Espiritismo: “Do púlpito, nós Espiritistas temos sido chamados de inimigos da
sociedade e da ordem pública.....
Em alguns lugares, os espiritistas eram
censurados ao ponto de serem perseguidos e injuriados nas ruas; as pessoas
dignas eram proibidas de alugar para Espiritistas, eram avisados para evitá-los
como pragas.
As mulheres eram aconselhadas a se separarem de seus maridos.....
Caridade era recusada aos necessitados, trabalhadores perderam sua subsistência
somente por serem Espiritistas.
Pessoas cegas tiveram alta de determinados
hospitais, contra suas vontades, simplesmente por se recusarem a renunciar a
suas crenças.”
Certos setores das Instituições Científicas Francesas reagiram com bastante
hostilidade à expansão do Espiritismo, assim como na América e Grã-Bretanha.
Hess menciona que um membro da academia de Medicina, Dr. Dechambre, publicou uma
crítica do movimento em 1859, citando casos de insanidade, alegando que foram
causados pelo Espiritismo. Essas reportagens começaram a circular em 1863.
Na
frança começou a circular uma teoria, que se originou na América, dizendo que as
batidas dos Espíritos eram produzidas pelo estalar das juntas dos joelhos e dos
dedos dos pés.
A variação francesa dessa teoria foi apresentada à academia de
medicina por um cirurgião, Dr. M. Jobert, que atribuía barulhos à habilidade de
se estalar o pequeno tendão do músculo do peito do pé.
No entanto, de acordo com as predições dos Espíritos, já mencionadas, Rivail
também se deparou com a amarga oposição interna do Espiritismo comentando a
exatidão dos avisos do “Espírito da Verdade”, ele escreveu onze anos mais tarde:
“A Sociedade Espírita de Paris tem sido um constante foco de intrigas,
desfechadas justamente por aqueles que me declaram amizade e lealdade, mas que
na minha ausência me caluniam.
Eles dizem que aqueles que favorecem meu trabalho
são pagos por mim com dinheiro que recebo do espiritismo”.
Eu já mencionei antes que o endosso que Rivail dava à teoria da reencarnação
causou certo atrito com os seguidores do mesmerista Alphonse Cahagnet.
Também é
fácil imaginar que a proeminência que ele atingiu tão rapidamente no movimento
Espírita despertou muita inveja.
Poucos esforços humanos, até aqueles
supostamente dedicados aos assuntos espirituais, não estão totalmente livres de
se envolverem em rivalidades e controvérsias.
Parece que, longe de ficarem
gratos à Rivail pela ampla expansão e divulgação que ele conseguiu para o
Espiritismo, alguns espiritistas ficaram ressentidos pela sua influência.
Não e sem razão que podemos assumir que no caso de Rivail, uma grande parcela
do atrito que ele despertava era resultado do modo como ele encarava a
mediunidade.
Como nos já vimos, ele veio para o movimento espírita como um
observador relativamente desinteressado, com nenhum envolvimento emocional, nem
idéias pré concebidas sobre o assunto. Uma vez tendo chagado à conclusão de que
as comunicações eram na verdade um trabalho das entidades desencarnadas, ele
estava mais apto a julgar objetivamente do que alguns médiuns em particular e
seus seguidores, os quais, como nos dias de hoje, poderiam estar ocasionalmente
propensos a sofrer a síndrome “Meu guia tem mais conhecimento que o seu
Guia”.
Eu dei uma idéia do modo como Rivail julgava o valor das afirmações de
natureza filosófica dos Espíritos. Mas ele também adotava um critério para saber
se um comunicante era mesmo a pessoa que dizia ser. Trabalhando com o princípio
de que “Semelhante atrai semelhante”, e que todo ser humano tem alguma
imperfeição na sua natureza moral, ele não descartava a hipótese de que até os
melhores médiuns (especialmente os escreventes) poderiam, em alguma etapa de sua
carreira, caírem presas de personalidades Espirituais que poderiam induzi-lo ao
erro, simplesmente tomando emprestado algum nome reverenciado “lisonjeando a
vaidade do médium para ganhar aceitação para os mais ridículos argumentos”.
Nesses casos, onde boa evidência da identidade poderia ser difícil ou impossível
de obter, ele recomendava que a comunicação devia ser julgada de acordo com os
sentimentos expressos, e com a maneira como eles eram expressados: estariam de
acordo com o que poderíamos esperar da personalidade mencionada?
Ainda assim,
mesmo se essas condições eram encontradas, ele somente aceitava (no máximo) a
“probabilidade moral” de que a identidade estava correta.
O Livro dos Médiuns publicado em 1861, como o título sugere, é totalmente
dedicado à mediunidade.
É na verdade um guia para o desenvolvimento e uso
apropriado do Dom, e é ostensivamente escrito de acordo com o ponto de vista dos
espíritos comunicantes.
Desnecessário dizer que todos eram personalidades
altamente evoluídas, alguns bem conhecidos, outros anônimos.
O material para o
Livro dos Médiuns, e outros que se seguiram, foi conseguido em grande parte
através de médiuns de escrita automática na sociedade Parisiense de Estudos
Psicológicos de Rivail, e também incluíam o trabalho de outros médiuns que lhe
enviavam comunicação de toda parte da França e do exterior.
Assim como no “Livro dos Espíritos” Rivail pretendia apresentar um ponto de
vista considerado fidedigno pois era obtido de uma grande variedade de fontes
independentes, de várias partes do mundo e que concordavam umas com as outras.
Uma espécie de consenso de opiniões entre os espíritos avançados.
Todo aspecto considerável de todo tipo de mediunidade e manifestações
espíritas é tratado no “Livro dos Médiuns” (até o charlatanismo recebe um
capítulo próprio).
Mas Rivail devotou atenção especial de como o caráter e as
idéias pré concebidas dos médiuns atrapalhavam na habilidade com que os
Espíritos podiam se comunicar efetivamente.
Ele identificou vinte e seis considerações que devem ser levadas à sério ao
se julgar o valor das comunicações, e deu exemplos de alguns que não poderiam
ser atribuídas ao suposto autor.
Um bom exemplo é a seguinte: “Vão em frente
crianças, marchem adiante com os corações exultantes, cheios de fé; a estrada
que vocês seguem é muito linda. . .”.
Esta comunicação, que continuava sempre
neste tom frívolo, banal, era assinada por “Napoleão”, e trouxe o seguinte
comentário de Rivail:
“Se havia um homem grave e sério, Napoleão enquanto vivo, era um.
Seu estilo
breve e conciso de se expressar é conhecido de todos, e ele deve ter
estranhamente se degenerado após sua morte, se ditou uma comunicação tão prolixa
e ridícula como esta”.....
Esta atitude com certeza deve ter ofendido certos médiuns e Grupos Espíritas
que tinham o hábito de aceitar comunicações como essa como verdadeiras.
O fato
de Rivail referir-se a essas pessoas com certo desprezo num capítulo sobre os
perigos da obsessão Espiritual, indica que ele estava muito inteirado do
ridículo que elas poderiam passar sob o crivo dos ávidos críticos.
A referência que Rivail faz aos “inimigos” do Espiritismo, “aqueles que
fingem ser amigos para na verdade injuriar deslealmente”.
Recomenda também que
as Sociedades Espíritas se mantenham pequenas porque “esses tipos de pessoas
acham muito mais fácil semear a discórdia entre grandes assembléias do que em
grupos menores nos quais todos os membros se conhecem”.
Ele também sugere que
estava preocupado pois o movimento continha pessoas as quais ele considerava
estarem erradamente motivadas.
O Livro dos Médiuns complementa o Livro dos Espíritos perfeitamente, no
sentido de que ele proporciona um guia para as muitas dificuldades que podem
surgir durante a prática da mediunidade.
Em 1864, juntou-se à essas obras “O Evangelho Segundo o Espiritismo” que
contem os ensinamentos dos Espíritos sobre o novo Testamento.
Este trio de
livros é considerado pelos espiritistas como sendo a pedra angular sobre a qual
o moderno movimento foi construído.
No entanto, Rivail publica mais dois
trabalhos sob o nome “Kardec”: O Céu e o Inferno (1864), que foi baseado nos
comentários dos Espíritos sobre a natureza real destes, nos estados mental e
Espiritual; e “Gênesis” (1867) que mostrava, a concordância da teoria dos
Espíritos com as descobertas da Ciência Moderna e o teor dos registros Mosaicos
explicados pelos Espíritos. E
le também publicou dois pequenos tratados titulados
“O que é Espiritismo” (1859) e “Espiritismo reduzido a sua mais simples
expressão” (1860) que era um diálogo entre Rivail e três críticos do
Espiritismo: “O Crítico”, “O Céptico” e “O Padre”.
Em 1867, com a publicação de “Gênesis”, Rivail completou a série de livros
que hoje são considerados pelos Espiritistas mais evangelizados como “A terceira
Revelação” de Deus para a Humanidade.
A primeira, seria os ensinamentos de
Moisés e a Segunda os ensinamentos de Jesus. Rivail não menciona que o
Espiritismo ou as comunicações dos Espíritos eram a terceira Revelação, mas como
quase todos os outros aspectos dos ensinamentos de Kardec, essa idéia não surgiu
dele mas dos Espíritos comunicantes, sendo que um destes expressou-se mais
sucintamente no Evangelho Segundo o Espiritismo: “Moisés mostrou à Humanidade o
caminho; Jesus continuou o seu trabalho; O Espiritismo veio finalizá-lo”.
Rivail escreveu sobre este aspecto do Espiritismo:_ “A Lei do Velho
Testamento foi personificada em Moisés: a do Novo Testamento em Cristo.
Espiritismo é então a terceira Revelação da Lei de Deus.
Mas não é personificada
por ninguém porque representa ensinamentos dados, não pelo Homem mas pelos
Espíritos que são as Vozes do Céu, para todas as partes do mundo, através da
cooperação de inúmeros intermediários.
Numa maneira de falar é um trabalho
coletivo formado por todos os Espíritos que trazem esclarecimento à toda
humanidade, fornecendo os meios de se entender o Mundo e o destino que espera
todo o indivíduo no seu retorno ao mundo Espiritual.”
Já mencionei antes que os professores de Kardec descrevem o mundo e a vida
Espiritual quase inteiramente em termos do efeito que a conduta moral do
indivíduo tem neste mundo e no outro. Rivail não tinha medo de mostrar os dois
lados da moeda.
O Céu e o Inferno (1864) não era somente a descrição dos
Espíritos da real natureza desses estados, também incluía comunicações de
espíritos recém desencarnados de toda classe moral.
Do mais maldoso ao mais
caridoso e bom.
Cada tipo de personalidade descrevia suas condições no momento e
como as suas ações na terra contribuíram para o seu deleite ou tristeza.
Ao contrário dos dogmas da Igreja Católica que pinta um quadro de sofrimento
sem fim até para aqueles cujo único pecado foi simplesmente o de não serem
católicos, os Espíritos comunicantes mantinham a afirmação de que os sofrimentos
na próxima vida só perduram até o momento em que o indivíduo se esforça para
retificar a causa, e que a todos é dada a oportunidade de conseguir isso.
Aqueles que têm experiências no campo difícil do resgate devem ficar
interessados no caso do assassino que havia sido recentemente executado: “um
envenenador sistemático, um médico que empregou sua posição profissional para
ter êxito em muitos assassinados horríveis pelos quais ele havia sido executado.
Este homem, se manifestou espontaneamente numa sessão e apesar de reclamar que:
“as luzes ofuscam e penetram como flechas afiadas no íntimo do meu ser” e
tempestuosamente rejeitou a ajuda oferecida pelo círculo. . ..”Eu me basto;
serei capaz de resistir à essa luz odiosa”.
Rivail afirma no entanto, que esse Espírito eventualmente começou a melhorar,
progredir, arrependeu-se e tornou-se o autor de “muitas comunicações boas e
sábias”.
Outros assassinos descreveram um estado de confusão e terror ante o fato de
terem que encontrar suas vítimas.
Um deles descreveu como tudo aconteceu e
explicou porque isso lhe causava tanto sofrimento:
“___ P: O que você sente ao vê-los”?
“___ R: Vergonha e Remorso. ... e eu ainda os odeio.
Eles rezam para eu
expiar meus crimes.
Você não pode imaginar que tortura horrível é dever tudo
àqueles que você odeia”.
Haviam também comunicações de muitos outros tipos de descrentes.
Alguns,
embora não tenham cometido nenhuma maldade em suas vidas, também não fizeram
nada de bom e sentem remorso por isso.
Outros que levaram uma vida pautada no bem descrevem uma relativa felicidade
e a esperança de que possam continuar em serviço ao próximo na nova vida.
No
entanto, o capítulo que muitos espiritistas consideram bastante controverso é
aquele no qual os Espíritos descrevem suas “Expiações Terrestres” ou como eles
haviam expiado crimes do passado, retornando à Terra pela reencarnação.
Um desses casos envolveu o Espírito de um jovem servente que trabalhava para
um conhecido de Rivail, que havia morrido subitamente enquanto estava de
licença.
O Espírito contou à Rivail que numa vida anterior havia sido uma
criança rebelde, filho de pais ricos que morreram e o deixaram órfão.
Ele foi
então adotado por um amigo de seu pai que o tratou como seu próprio filho, mas
ele não reconheceu essa bondade e foi-lhe muito ingrato.
Para expiar essa falta,
quando ambos reencarnaram ele veio numa posição em que pudesse servir seu antigo
guardião: “Eu vim determinado à expiar meu antigo orgulho nascendo numa posição
servil nesta atual existência; uma determinação que permitiu-me provar minha
gratidão à ele, que foi meu benfeitor na encarnação passada. Eu até tive a
oportunidade de salvar sua vida.
Esta existência humilde provou-se muito útil
para mim.
Eu adquiri força de caráter suficiente para evitar ser corrompido pelo
contato do meio ambiente que é quase sempre cheio de vícios; e eu agradeço à
Deus que agora adquiri a felicidade que desfruto”. Rivail então questionou-o
quais foram as circunstâncias em que ele salvou a vida de seu patrão, e recebeu
o relato com detalhes que ele transcreve no livro e que foi posteriormente
verificada como verdade junto ao antigo empregador do jovem.
É de se notar no entanto que muitos Espíritos interrogados não se lembram de
nenhuma existência anterior (outra além da que ele acabou de deixar), ficando
impossível saber que relevância ela teve na presente circunstância em que eles
se apresentam:
Os Espíritos explicam à Kardec, o porque dessa falha em se
lembrar da vida passada: essas lembranças só são permitidas “se “ e “quando”
elas podem servir à algum propósito útil, e que essa memória deve emergir
gradualmente, talvez após um longo período de tempo.
Qualquer que seja a última verdade à respeito da reencarnação, permanece o
fato de que ela é o meio pelo qual os Espiritistas continuam a racionalizar
moralidade e ética num contexto de Justiça Divina. É também o caso que o
renascimento não é visto somente como um mecanismo para se expiar as faltas
passadas e nem é visto como compulsório.
Os professores de Kardec enfatizavam
que a reencarnação e usualmente um fator de escolha consciente após um intervalo
no mundo Espiritual que pode ser longo ou curto de acordo com as circunstâncias
individuais, e que ela freqüentemente ocorre porque um Espírito deseja praticar
algum ato de caridade para alguns menos afortunados ou atuar em alguma missão
Espiritual em particular.
Então, seria muito errado assumir que todos que sofrem
na Terra estão sendo “punidos” pelas faltas do passado e que merecem seus
sofrimentos.
A versão dos Espiritistas da doutrina da reencarnação requer que,
mesmo que esse seja o caso, aqueles que sofrem por esse motivo devem ser
tratados com compaixão.
Como veremos, o fato dos Espiritistas acreditarem em reencarnação não nos
leva a justificar as injustiças sociais no Brasil, (onde o movimento é a
principal religião) como se pode ver no sistema de castas Hindu.
Muito pelo
contrário, como podemos atestar na atuação maciça que o Espiritismo nesse País
tem na assistência social aos pobres e também na contribuição que lá e dada ao
tratamento das doenças mentais.
Hess menciona que era um desejo especial de Rivail que a classe médica desse
atenção aos ensinamentos dos Espíritos sobre insanidade, que eles explicavam que
freqüentemente era causada pela mediunidade que embora natural estava
descontrolada e havia se tornado uma forma de obsessão espiritual.
Em 1862 e 1863 ele dedicou uma série de artigos na Revue Spirite aos
pacientes do asilo de Morzines, os quais ele considerava como sendo vítimas
dessa condição infeliz, as quais eram algumas vezes causadas pela atuação de
personalidades Espirituais malignas vingando-se de seus inimigos de uma
existência anterior e que já haviam reencarnado.
Infelizmente, as expectativas de Rivail para o Espiritismo não se realizariam
nem na sua existência nem em seu próprio País.
Eu mencionei antes a veracidade
das predições do “Espírito da Verdade” sobre as oposições que ele enfrentaria
tanto das Instituições francesas como no seio do próprio Espiritismo.
Rivail
também havia sido avisado de que o esforço de liderar o movimento teria um
efeito desastroso sobre sua saúde e que o levaria à desencarnar mais cedo.
Dez
anos pós a predição, em 1867, ele comentou: ___ “ Eu não tenho encontrado paz e
mais de uma vez quase sucumbi; sob esse excesso de trabalho minha saúde tem
deteriorado e minha vida tem sido comprometida. ....
Tudo que foi predito pelo
Espírito da Verdade está acontecendo “.
Em trinta e um de março de 1869, tendo acabado de elaborar a constituição de
uma Sociedade que ele pretendia que levasse em frente seu trabalho, Hippolyte
Leon Denizard Rivail, mais conhecido como “Allan Kardec” morreu, subitamente
pela ruptura de um aneurisma no coração, enquanto estava sentado em sua
escrivaninha ocupado em organizar uma pilha de papéis.
Rivail, foi enterrado no famoso Cemitério de Montmarte em Paris e seu amigo,
o eminente astrônomo e pesquisador científico Camille Flammarion discursou em
seu funeral.
Hoje seu túmulo é um lugar de peregrinação para os Espiritistas de
todo o mundo e onde é celebrada também uma cerimônia anual em sua lembrança que
é assistida por centenas de pessoas.
Mas essa adoração vem quase que totalmente
do exterior porque após a morte de Rivail o movimento Espírita na França
declinou ao ponto de hoje, quase não existir.
Em 1873, no entanto, quatro anos após a morte de Rivail a Sociedade de
Estudos Espirituais foi formada no Rio de Janeiro, Brasil.
E foi a partir desta
data que o Espiritismo iria crescer constantemente até que viria a ocupar uma
posição de liderança que Rivail havia visualizado.
Alguns anos atrás, um amigo meu que havia demonstrado um certo interesse na
filosofia espírita pediu-me que lhe emprestasse meu Livro dos Espíritos (uma
edição antiga, “cheia de orelhas”).
Logo após me devolver o livro, ele embarcou
para uma longa viagem de seis meses pela América Latina.
Por vários motivos, nós
não tivemos tempo de discutir o livro antes de sua partida.
Esse colega deixou a
Inglaterra achando que havia somente acabado de ler um trabalho extremamente
obscuro apesar de interessante, elaborado por um esquecido francês do século
XIX.
Após seu retorno no entanto, ele me contou de sua surpresa ao andar por uma
rua no Brasil e deparar com um imponente edifício adornado com o nome “Kardec”.
Mais tarde, ele pode constatar que praticamente quase todo brasileiro que ele
encontrava conhecia Kardec, e que alguns já haviam lido o Livro dos
Espíritos.
O Espiritismo cresceu em importância no Brasil desde que chegou da França, ao
ponto de ser parte integrante da vida brasileira entre todas as classes
sociais.
A influência de Kardec no movimento pode ser medida pelo fato de que ele é
freqüentemente chamado de Kardecismo.
Isso também serve para distinguir
Espiritismo de Umbanda e Candomblé, dois cultos que, apesar de serem baseados na
mediunidade, têm origens africanas.
O escritor Guy Lyon Playfair, que morou e trabalhou no Brasil por muitos anos
colocou em seu livro “O poder Desconhecido” o resultado de uma pesquisa de
opinião pública que uma conceituada revista brasileira organizou em 1971: 70%
dos brasileiros declararam-se católicos contra somente 11% que se diziam
Espíritas; 68% diziam que acreditavam no Espiritismo; 49% já haviam visitado um
Centro Espírita; 27% já sentiram a influência dos Espíritos em suas vidas e 15%
declararam que já se comunicaram com desencarnados. Somente 1% dos que se
disseram católicos foram capazes de manter o princípios básicos de sua religião.
Isso levou Playfair a suspeitar que “ ..... .
Muitos brasileiros são bons
católicos nas manhãs de Domingo e bons Espiritistas no resto da semana. .... Os
brasileiros professam o catolicismo porque seus pais o faziam, e o Espiritismo
porque funciona para eles, freqüentemente transformando suas vidas”.
É no trabalho prático que o Espiritismo faz no Brasil, particularmente para
os mais pobres e necessitados, que parece estar a razão do sucesso do movimento.
Esta era na verdade a prescrição dos comunicantes de Kardec para o bem sucedido
uso da mediunidade em larga escala.
Apesar do fato de a literatura Espírita Brasileira Ter sido acrescida de
muitos outros autores como Adolfo Bezerra de Menezes (muitas vezes chamado de
Kardec Brasileiro), os conceitos chaves de Kardec sobre a caridade e a abordagem
que ele faz da mediunidade estão no coração do movimento.
Francisco Cândido (Chico) Xavier é provavelmente o melhor exemplo da
mediunidade em ação, segundo abordagem Espiritista.
Apesar de ter recebido
somente a instrução primária, ele se tornou no Brasil o “autor” mais fecundo,
que produziu na média, três livros por ano desde 1932, em assuntos diversos como
filosofia Espírita, Literatura, História e Ciência.
Seus livros já venderam
muitos milhões , e tem sido traduzidos para muitas línguas, e seu nome é muito
conhecido, familiar, em seu País natal.
No entanto, “escritor “seria
provavelmente um termo mais apropriado para o Chico, porque ele é um médium de
escrita automática que não recebe nenhum crédito ou dinheiro por seu trabalho
prodigioso.
Ele trabalhou como um funcionário humilde do governo até se
aposentar em 1961 e ainda leva uma vida extremamente modesta apesar dos
“royalties “ de seus livros que são todos empregados em benefício dos
pobres.
Playfair menciona um enorme conjunto de prédios construídos pela Federação
Espírita do Estado de São Paulo (FEESP) chamado Casa Transitória que proporciona
ajuda às famílias carentes e educação para crianças das favelas e também a Casa
André Luiz em Guarulhos que abriga 1.400 crianças retardadas.
Na maioria das
grandes cidades brasileiras existe a assistência dos Espiritistas em Centros de
Treinamento, Orfanatos, Berçários, Hospitais e até Hospícios; a Casa de Maria
Madalena perto do Rio de Janeiro que se dedica à cuidar dos doentes de AIDS sem
recursos.
Eu já mencionei antes que existe evidências de que os trabalhos de Kardec
influenciaram alguns fundadores da moderna psicologia e psiquiatria, e de que o
próprio Rivail era um entusiasta de que o Espiritismo deveria ter um papel no
tratamento das doenças mentais.
Hess menciona as “dezenas de hospitais psiquiátricos, alguns dos quais mantém
convênios com sistema estadual de saúde, que são de propriedade e mantidos por
Espiritistas.
Nesses Institutos os pacientes recebem tratamento convencional dos
psiquiatras e psicólogos combinado com uma forma especializada de terapia
chamada “desobsessão”, que é aplicada em um Centro Espírita das redondezas.
No Brasil, o Espiritismo é um movimento religioso vibrante que proporciona
esperança, conforto e inspiração para milhares de pessoas que de outra maneira
não teriam alívio para a pobreza que nesse País é muito grande.
Mas isso não
seria possível, se o movimento não contasse com a ajuda das classe profissionais
e dos batalhões de pessoas da sociedade que se unem a esse a trabalho conjunto
de assistência.
Existem tantos Espíritas doutores na cidade de São Paulo, que
eles se uniram e formaram sua própria associação Médica.
A grande consideração que esse movimento tem no País, pode ser avaliada pelo
fato de que existem três edições separadas de selos postais trazendo a estampa
de Rivail.
O primeiro foi em 1957 para celebrar o centenário do Livro dos
Espíritos.
Houve também uma cerimônia solene na câmara Legislativa no Distrito
Federal de Brasília, no dia 03 de outubro de 1995 para comemorar a data de
nascimento de Rivail.
O Sr. Jorge Cauhi, representante da Câmara e o Sr. Divaldo
Pereira Franco, um médium muito conhecido, falaram sobre Rivail e a importância
do Espiritismo.
Dois outros políticos fizeram um depoimento sobre como o
Espiritismo ajudou-os em suas vidas pessoais. Isso aconteceu ao mesmo tempo em
que delegados de trinta e quatro países encontraram-se na cidade para o “I
Congresso Internacional de Espiritismo”.
Parece incrível, que o quarto maior País da Terra tenha abraçado o
Espiritismo como parte integrante de sua cultura, sendo que os ensinamentos
Espíritas foram dados à um intelectual Francês, menos de dez anos após duas
crianças americanas iniciarem as comunicações mediúnicas (as quais ele no começo
negou veementemente).
O impacto que os ensinamentos de Kardec continuam a ter, simplesmente não tem
precedentes no “Espiritualismo” e o mais impressionante é quando consideramos
que eles foram coletados logo após o fenômeno das batidas de Hydseville.
No
entanto, certamente isso não quer dizer que todos os aspectos dos ensinamentos
de Kardec devem ser considerados inquestionavelmente corretos em todos pontos.
Hess observou que alguns intelectuais Espíritas brasileiros reclamam que os
membros mais evangélicos do movimento consideram as obras de Kardec
“quasi-sagrados”.
Eles preferem considerar os textos como “Algumas vezes falhos
mas na maioria das vezes verdadeiros, escritos por um brilhante pensador do
século dezenove”.
A realização mais significativa de Rivail foi Ter desenvolvido um método
sistemático de investigação das comunicações mediúnicas de natureza filosófica
que resultaram num bloco de ensinamentos para satisfazer todas as
necessidades.
A natureza igualitária que as mensagens transmitem naturalmente atraem o
apoio dos pobres pois lhes oferece conforto e esperança; enquanto que os
aspectos científicos dos ensinamentos, especialmente aqueles que dão explicações
sobre os fenômenos Espíritas, interessam os mais informados e cépticos.
O resultado final foi uma visão das comunicações Espíritas que tem feito
consideráveis incursões no pensamento estabelecido, nas Instituições, num País
que, sem dúvida desempenhará um papel central nos assuntos mundiais num futuro
próximo.
É também um fato que o Espiritismo que é muito popular no México e em outros
países da América Latina, está vagarosamente estabelecendo bases sólidas em toda
parte, particularmente nos Estados Unidos, onde existem agora Centros Espíritas
sob o recém formado Conselho Espiritista dos Estados Unidos da América.
Quão irônico é considerarmos que a mais antiga filosofia Espírita pós
Hydseville continua a ser a mais produtiva e bem sucedida!
O autor deseja agradecer a Janet Duncan do Grupo de Estudos Allan Kardec,
pelo auxílio durante a preparação deste artigo.