quarta-feira, 17 de agosto de 2011

DEUS: CONTRA OU À FAVOR, ESCOLHA SEU ARGUMENTO - 1



DEUS: CONTRA OU À FAVOR, ESCOLHA SEU ARGUMENTO - 1

Posted: 15 Aug 2011 03:02 PM PDT

Em entrevista a escritora Rebecca Goldstein critica o radicalismo de crentes e descrentes e comenta seu novo livro, uma saborosa "cilada" para os fanáticos de ambos os lados


Rebecca Goldstein

Uma ateia em missão de paz.
É assim que Rebecca Goldstein, doutora em filosofia pela Universidade de Princeton e pesquisadora na área de psicologia em Harvard (EUA), se posiciona nas discussões, sempre acaloradas, entre ateus e religiosos.


Em seu novo livro, 36 Argumentos Para a Existência de Deus (Companhia das Letras, tradução de George Schlesinger, 536 páginas, 59 reais), Rebecca faz uma crítica ao radicalismo de ambos os lados.
E um convite à conciliação. "Ateus têm que deixar o pedantismo de lado e parar de dizer como os religiosos devem pensar", diz.
"E religiosos têm que parar de pensar que ateus são imorais e não sabem a diferença entre o bem e o mal."


Mistura de romance, ensaio filosófico e divulgação científica, 36 Argumentos... é uma saborosa provocação - para crentes e descrentes - dividida em duas partes.
Na primeira, conta a história do "ateu com alma" Cass Seltzer, um psicólogo subitamente famoso por causa de um livro em que refuta... 36 argumentos sobre a existência de Deus.
Ao final da aventura de Seltzer, que inclui experiências transcendentais, um apêndice reúne os 36 argumentos e os desmonta, um a um, com base em razões da biologia, astronomia, geologia, matemática, filosofia...


A tensão entre a parte ficcional e os argumentos científicos faz de 36 Argumentos... uma divertida cilada para fanáticos de ambos os lados. "Incluí os aspectos emocionais da discussão filosófica no formato de romance para servir de contraste ao apêndice", diz Rebecca.
"Ao final de tudo, uma nova visão pode emergir do encontro entre esses dois lados antagônicos."
Confira abaixo a entrevista:


De que Deus a senhora fala em 36 Argumentos...?

É o Deus das religiões abraâmicas - Judaísmo, Cristianismo e Islamismo -, que tem três características principais.
Primeiro, esse Deus existe fora do espaço e do tempo e decidiu criar o mundo e as leis da natureza a partir do nada. Segundo, ele tem um interesse moral nesse mundo — na diferença entre o bem e o mal, naquilo que devemos ou não fazer.
Por fim, esse Deus interfere nesse mundo por meio de revelações, escrituras ou milagres.


A senhora acredita nesse Deus que acabou de descrever?

Não. Penso que podemos estabelecer moralidade sem teologia.
Mas amo a definição de Deus do filósofo holandês Spinoza (1632-1677).
Ele admite experiências transcendentais, mas não as justifica a partir da existência de um Deus abraâmico.
Para ele, Deus e a natureza — o próprio universo — são a mesma coisa.


É possível ser um "ateu com alma", como o personagem principal de seu livro, o psicólogo Cass Seltzer?

Sim, é possível.
O que faz de Cass meu herói ateu é que ele se mostra aberto a experiências transcendentais.
É esse amor pelo universo que se expressa tão facilmente como religião.
É aquela sensação grandiosa, magnífica, difícil de verbalizar, que às vezes nos toma completamente.
É o combustível da grande arte, por assim dizer.
É algo que o mundo secular não consegue traduzir ainda.
Mas isso é porque o idioma religioso está pronto.
A humanidade está há milênios exercitando essa linguagem.
Já a tradução secular dessas experiências ainda está sendo desenvolvida.


Existe alguma explicação racional para essas sensações transcendentais?

Não acho que entendemos o suficiente a mente humana — ainda — para explicar por que somos capazes de experimentar essas coisas grandiosas.
É uma área misteriosa.
Contudo, não acho que isso coloque o ateísmo em contradição.


Em que diferem as experiências de ateus e religiosos?

Filosoficamente, penso que temos muitas personalidades.
Quando estamos lidando com questões que estão além de uma resposta definitiva, como a existência de Deus, então nossa 'personalidade filosófica' entra em cena.
É a maneira como encaramos o mundo, a forma como nos orientamos.
Algumas pessoas escolhem canalizar suas experiências transcendentais em termos religiosos.
Outras, em termos seculares.
Seja qual for a decisão tomada, precisamos considerar as limitações dos dois lados.
Os seculares precisam entender os limites da ciência e tolerar os mistérios.
Já os religiosos, que a ciência pretende dar respostas honestas sobre a natureza e não deturpá-la.


Existe um meio-termo?

Com certeza.
Mas primeiro os ateus têm que acabar com o pedantismo.
Eles não têm que ensinar como as pessoas religiosas devem pensar.
Isso é revoltante e tem que parar.
Além disso, as pessoas religiosas têm que parar de pensar que ateus são imorais e não sabem a diferença entre o bem e o mal, o certo e o errado. Isso é falso - existe toda uma filosofia moral que fez muito bem ao mundo e nos tirou da idade das trevas, por exemplo. Quando os dois grupos deixarem de fazer essas coisas, será ótimo.
As pessoas poderão ver que o modo como enxergam o mundo é muito semelhante.
Se você é religioso, tente se aproximar de um ateu e entender, sem reservas, como ele enxerga o mundo moralmente, independente de suas convicções fundamentais.
Se for ateu, faça o mesmo com uma pessoa religiosa.


O seu livro seria então uma tentativa de pacificar o debate?

Com certeza. E as reações das pessoas têm sido muito agradáveis.
Tanto de pessoas muito religiosas quanto de ateus fervorosos.
Acredito que isso acontece por causa da maneira como apresento os elementos desse debate. A ficção, nesse caso, é sorrateira.
O romance é capaz de seduzir pessoas de ambos os lados e superar o preconceito.
Ateus e religiosos acabam achando pontos em comum e no fim percebem que concordam mais do que discordam sobre o mundo.


Por que misturar a forma do romance com um apêndice científico?

O apêndice do livro mostra como eu penso.
Eu queria que ele exercesse uma tensão na história que o precede.
É uma forma honesta de mostrar os argumentos mais comuns a favor da existência de Deus e as falácias de cada um deles.
Já o romance retrata a emoção que envolve esse debate.
A emoção raramente está presente nesses debates justamente por ser tão complicada de retratar.
Isso depende do modo como vemos o mundo, as decisões que tomamos, nossa experiência de vida e assim por diante.
Tudo isso fica fora das discussões filosóficas sobre a existência de Deus. Contudo, incluí a emoção no formato de romance para servir de contraste ao apêndice. Ao final de tudo, uma nova visão pode emergir do encontro entre os dois lados antagônicos.


Alguns ateus consideram pessoas religiosas intelectualmente inferiores, e alguns religiosos consideram imorais os ateus.
Qual a sua opinião?

É algo muito, muito triste.
As duas afirmações são falsas.
Venho de uma família judaica muito religiosa.
E muitos de meus parentes religiosos são muito mais espertos do que eu, que sou ateia.
Por isso, sei que experimentar o mundo de um jeito religioso e colocar essas sensações na linguagem religiosa não é um sinal de inferioridade intelectual.


Onde a senhora acha que esse debate irá nos levar?

Espero que o debate seja respeitoso e honesto.
Que as pessoas consigam encontrar as semelhanças e trabalhar a partir daí.
A civilização é tudo o que temos.


A partir da Veja. Leia no original


DEUS: CONTRA OU À FAVOR, ESCOLHA SEU ARGUMENTO - 2




O argumento do consenso da humanidade

1. Toda cultura em toda época tem tido crenças teístas
2. Quando povos, largamente separados tanto por espaço como por tempo, possuem crenças semelhantes, a melhor explicação é que essas crenças sejam verdade
3. A melhor explicação para o porquê de cada cultura ter crenças teístas é que essas crenças são verdade
4. Deus existe

Falha: A premissa 2 é falsa porque povos largamente separados poderiam muito bem inventar as mesmas crenças, só que falsas.
A natureza humana é universal, e assim propensa a ilusões universais e deficiências de percepção, memória, raciocínio e objetividade.




O argumento cosmológico

1. Tudo que existe deve ter uma causa
2. O universo deve ter uma causa
3. Nada pode ser causa de si mesmo
4. O universo não pode ser causa de si mesmo
5. Algo fora do universo deve ter causado o universo
6. Deus é a única coisa que está fora do universo
7. Deus causou o universo
8. Deus existe


Falha: Se tudo que existe deve ter uma causa, quem causou Deus?
Os teístas dizem que suas premissas têm ao menos uma exceção, mas não explicam por que Deus precisa ser a única exceção.
O próprio universo poderia existir sem causa.
Já que a responsabilidade precisa ir para alguém, por que não para o universo?




O argumento do projeto


1. Sempre que existem coisas que se combinam de forma coerente apenas por causa de um propósito ou função (por exemplo, todas as complicadas partes de um relógio que lhe permitem marcar o tempo), sabemos que houve um projetista, alguém que projetou com a função em mente; são coisas improváveis demais para terem surgido por processos físicos aleatórios (um furacão soprando através de uma loja de peças não conseguiria montar um relógio).

2. Os órgãos dos seres vivos, como o olho e o coração, se mantêm coesos apenas por terem uma função (o olho tem a córnea, lente, retina, e assim por diante, que se encontram no mesmo órgão apenas porque em conjunto possibilitam que o animal veja).

3. Esses órgãos precisam ter um projetista que os desenhou com sua função em mente: assim como um relógio implica um relojoeiro, o olho implica um fazedor de olhos

4. Essas coisas não tiveram um projetista humano

5. Portanto, essas coisas devem ter tido um projetista não humano

6. Deus é o projetista não humano

7. Deus existe


Falha: A falácia no argumento é a premissa 1. Partes de um objeto complexo servindo uma função complexa não requerem, na verdade, um projetista.
Charles Darwin mostrou como processos de replicação podem dar origem à ilusão de projeto e projetista.
Replicadores podem fazer cópias de si mesmos, que fazem cópias de si mesmos e assim por diante, dando origem a um sem número de descendentes.
Os replicadores precisam competir pela energia e os materiais necessários para a replicação.


Uma vez que nenhum processo de copiagem é perfeito, podem acabar surgindo erros, e qualquer erro que leve o replicador a se reproduzir com mais eficiência que os competidores resultará na predominância daquela linhagem na população. Após várias gerações, os dominantes parecerão ter sido projetados para replicação eficaz, mas tudo que fizeram foi acumular erros de copiagem, que no passado levaram a uma reprodução eficaz.




O argumento do Big Bang

1. O Big Bang, de acordo com a melhor opinião científica de nossos dias, foi o início do universo físico, incluindo não apenas matéria e energia, mas o espaço e o tempo e as leis da física

2. O universo veio a existir do nada

3. Algo fora do universo, inclusive de fora das leis físicas, deve ter trazido o universo para a existência

4. Somente Deus poderia existir fora do universo

5. Deus deve ter feito o universo existir

6. Deus existe


Falha: Nem os cosmólogos concordam que o Big Bang é uma singularidade, a aparição súbita de tudo.
Ele pode representar a emergência de um novo universo a partir de outro previamente existente, situação explicada por leis físicas.
Nesse caso, seria supérfluo invocar Deus para explicar o surgimento de algo a partir de nada.



O argumento das preces atendidas

1. Às vezes as pessoas rezam a Deus pedindo boa fortuna, e contrariando enormes chances, os pedidos são atendidos (por exemplo, um pai que reza pela vida de um filho moribundo, e a criança se recupera)

2. As chances de o evento benéfico acontecer são enormemente reduzidas

3. As chances de a prece ser seguida pela recuperação da criança por puro acaso são extremamente pequenas

4. A prece só poderia ter sido seguida pela recuperação se Deus a escutasse e a fizesse realizar-se

5. Deus existe


Falha: A premissa 3 é verdadeira.
Contudo, usá-la para inferir que ocorreu um milagre (uma prece atendida é certamente um milagre) é subvertê-la.
Não há nada que seja menos provável que um milagre, já que constitui violação de uma lei da natureza.
Portanto, é mais razoável concluir que a conjunção de prece e recuperação seja uma coincidência do que ser uma prece atendida.


Além disso, dada a amostragem suficientemente grande de preces (o número de vezes que as pessoas pedem a Deus para ajudar a elas é muito grande), o improvável está sujeito a acontecer ocasionalmente.


A partir da Veja
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