domingo, 12 de setembro de 2010

Em 'Escrito nas Estrelas', Cássia Kiss reflete sobre bipolaridade


Mariana Trigo

Cássia Kiss se despe dos pudores em uma explícita autoanálise. Como se estivesse deitada num divã, a atriz avalia os altos e baixos de uma carreira na TV de 31 anos - desde que estreou numa ponta na novela Cara a Cara, na Band.
"Fazia a empregada do papel da Fernanda Montenegro.
Era o cocô do cavalo do bandido.
Tão desprezada, que nem ganhava cachê.
Um dia abandonei o set", lembrou.
Agora, Cássia lamenta já estar na reta final com sua personagem Francisca, em Escrito nas Estrelas, um espírito evoluído que faz tudo para passar ensinamentos para Daniel, seu filho morto, interpretado por Jayme Matarazzo.
Na trama, a atriz kardecista avalia a influência de sua bipolaridade na carreira e comemora sua segunda personagem que aborda o espiritismo após interpretar a sofrida Iara no longa Chico Xavier - O Filme.
"Essa novela tem feito sucesso pela simplicidade do texto.
Gravo em um estúdio redondo, em um céu com fumaça de dióxido de carbono.
Às vezes uma cena leva quatro horas e meia para ser gravada.
É tudo muito especial", elogiou.

Ser espírita e frequentar um centro kardecista influenciou de que forma na composição da Francisca?
Construo a Francisca em cima da minha história.
A cada dia quero ser uma pessoa melhor em todos os aspectos.
Quero que minha vaidade vá para o lixo e destruir meu ego. Esse seria o ideal para mim.
Não queria ter de vivenciar as chamadas coisas mundanas nesse universo terreno.
Para fazer um personagem evoluído, tenho de mergulhar dentro de mim.
Há algum tempo, um médium foi fazer uma visita ao elenco da novela no Projac e disse que os personagens que fazem os espíritos na trama foram escolhidos pela espiritualidade para os papéis.
Segundo o (ator Carlos) Vereza, nosso set fica cheio de espíritos.
Eles estão adorando o que a gente está fazendo.

Não seria contraditório uma atriz querer destruir seu ego, já que sua profissão exige ser o centro das atenções?
Luto com isso.
Tenho 32 anos de carreira e a primeira lição que tive nesse caminho de ser atriz foi do (diretor) Ulisses Cruz: para ser ator, é necessário ser generoso, se doar.
Esse é meu objetivo, mas a maioria dos atores não é generosa.
É tanto ego e vaidade!
O eu é acima de tudo.
Quase todas as atrizes querem estar sempre lindas, maquiadas, vestidas, penteadas, sair na capa de todas as revistas.
É uma p... competição, um universo de muita inveja.
O outro fica possesso se você faz sucesso.
São poucos que celebram seu crescimento.
Gosto de me vigiar para não cair nessa rede.
Já fiz uma mulher de 80 anos em JK, uma mulher feia em Paraíso.
Isso é ser generoso, é não ter medo de se expor.
Já fiz personagens que me arrasaram.

Quais?
A Adma ( de Porto dos Milagres).
Essa personagem me deixou marcas profundas.
Como sou bipolar, na época estava sem medicamento e era uma loucura estar em estúdio para gravar 40 cenas por dia, ir para casa, passar a noite estudando.
As cenas eram muito pesadas.
Eu enlouqueci.
Foi muito difícil.
Ficava muito cansada.
A novela era em cima de mim e do (Antônio) Fagundes o tempo todo.

E eu ainda fazia uma peça com ele.
A gente ficava junto de segunda a segunda.
Só não dormia na mesma cama.
Esse lado foi agradável, a gente se divertia.
Foi muito marcante porque era uma vilã de verdade.
Matei sete pessoas na história.

De que forma a bipolaridade influencia na sua carreira?
Lido com tranquilidade, sou muito amável com todo mundo.
Felizmente consigo ser eu, pedir desculpas, me perdoar, olhar no espelho e ficar satisfeita com o que vejo.
Fico arrependida de muita coisa que fiz por conta da doença.
Mas passou.
Hoje tomo três medicamentos.
A bipolaridade já me serviu muito como ferramenta para personagens. Sou uma pessoa vigorosa, faço os personagens com muita energia.
Mas, com a Francisca, me seguro porque ela vive em outro tempo, sem pressa, sem ego. O único objetivo dela é ajudar o filho.
E, mesmo assim, o amor por ele não é de mãe, é um amor universal.

Muitas de suas personagens tiveram questões fortes com a maternidade, desde a Ana, de Barriga de Aluguel.
Sim, tenho quatro filhos e confio muito no meu taco.
Saí de casa com 14 anos.
O início foi duro.
Passei fome, não tinha onde dormir, mas não voltei atrás.
A cultura da rua me atraía muito.
Meus amigos eram músicos, um bando de maconheiros (risos).
Gostava de ficar com eles, a companhia deles me fazia crescer artisticamente.
Foi com eles que me interessei pela música, pela arte.
Aprendi que não se deve excluir. Sou eclética em tudo.
Meu iPod tem mais de 23 mil músicas.
Sou uma boa atriz, senão não teria feito tudo que fiz.
Sou ambiciosa nesse sentido.
Quero ser uma atriz cada vez melhor e acho que tenho conseguido.
Sou profunda.
Gosto de viver a loucura da maternidade em casa e nas personagens.
Gosto de ver que minha mãe errou muito comigo e que não vou repetir os mesmos erros.
A maior lição que tenho tido nesses 53 anos de vida é não julgar ninguém, não criticar.
Para mim, evoluir é por aí.

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