sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Theremin, A Música Etérea dos Deuses



Se Deus ou Deuses ou Anjos ou Diabos tocassem um instrumento musical, esse instrumento seria, sem dúvida, o Theremin.
Apoteótico, reveste-se de um som etéreo, capaz de invadir o corpo, capaz de estilhaçar a alma.
É mágico.
Um instrumento musical que não se toca.
Ou que se toca sem se tocar.
O instrumentista do Theremin, ou theremista, assemelha-se a um maestro sem batuta, a comandar uma orquestra invisível, a embriagar o ouvinte com éter.
O Theremin soa como o vento na frincha da janela, como o canto hipnótico de uma sereia, como a presença invisível de um fantasma.

Quando se imagina Lenine a tocar este instrumento vê-se Lenine a comandar as tropas. Porquê?
Porque sim: Lenine tocava Theremin.
Lenine gostava tanto do então bizarro instrumento que até encomendou 600 exemplares para distribuir pela União Soviética e ainda mandou o seu inventor dar uma volta aos Estados Unidos da América a anunciar a invenção da música electrónica.
É verdade.
O Theremin é o primeiro instrumento musical totalmente electrónico, o instrumento precursor da música electrónica.

Em plena Guerra Civil Russa, o inventor Léon Theremin andava às voltas com uma investigação patrocinada pelo governo russo em sensores de proximidade.
Basicamente era um estudo sobre as interferências das mãos nos transmissores radiofónicos que alteravam as frequências e prejudicavam irritantemente as comunicações.

Certamente dotado de uma sensibilidade fora do comum, o senhor Theremin foi rodeado pela beleza sonora quase surreal que advinha de tão incómoda interferência.

Tinha à sua frente dois osciladores (basicamente duas antenas de metal) de alta frequência por onde circulava a invisível corrente eléctrica, e quando aproximava a mão de uma das antenas, ao alterar a sua frequência, surgia misterioso e infinitamente belo este som que o percorria, como um arrepio pela coluna, como uma corrente leve e agradável.

Reparou entretanto que com uma mão conseguia controlar a frequência e com a outra a amplitude, ou volume.
Foi então que decidiu amplificar estes sons novíssimos e ligar o instrumento a uma coluna. Aí deu-se o êxtase.
O orgasmo sonoro.



A patente do Theremin aconteceu em 1928.
Começou por chamar-se etherphone (“telefone de éter?”), Thereminophone (“telefone do sr. Theremin?”) e Termenvox (“a voz de Termen” – em homenagem ao mesmo sr. Theremin cujo nome de nascença é Lev Sergeyevich Termen).

Na sua viagem pelos Estados Unidos da América, foi oferecido a Léon Theremin um estúdio onde ele treinou diversos músicos com o intuito de levar estes novos sons ao grande público.

Tudo parecia estar a correr bem até que, em 1938, e por motivos um pouco obscuros, Léon foi obrigado a regressar à União Soviética deixando para trás o estúdio, a fama, os amigos e a sua mulher.

Alguns desses motivos um pouco obscuros da sua fuga forçada podem ser desvendados na sua biografia – Theremin: Ether Music and Espionage (“Teremim: Música Etérea e Espionagem”) –, escrita por Albert Glinsky após o seu reaparecimento, 30 anos depois.

Permitam apresentar Clara Rockmore. Clara Rockmore não era uma rapariga que queria mais rock.
Clara era uma pródiga estudante de violino russa e adorava música clássica.
Aos cinco anos era já considerada extraordinária, até que um problema nas mãos lhe retirou o violino do pescoço e a fez dedicar-se às cordas invisíveis do Theremin.

Como aluna predileta do inventor deste novo instrumento, Clara tornou-se rapidamente a melhor theremista do mundo e acompanhou o seu mestre na viagem encomendada por Lenine.

Nos Estados Unidos da América fez vários espectáculos deslumbrando plateias com o seu método único – o “dedilhar aéreo” –, tocando o instrumento com uma precisão sem paralelo.

Inicialmente, o Theremin foi concebido para tocar música clássica e até para substituir orquestras inteiras com a sua “música etérea”.
Tal não aconteceu, inclusive acabou por cair em esquecimento depois da II Guerra Mundial, quando se calaram as bombas e rebentou uma nova vaga de instrumentos electrónicos.
Por onde andou o Theremin este tempo todo?

Um pequeno nicho de aficionados foi utilizando o instrumento nas suas composições ao longo dos anos, tendo havido um breve ressurgir nos anos 60 e 70 em bandas como, por exemplo, os Led Zeppelin.
Foi em 1993, com o lançamento do documentário Theremin: An Electronic Odyssey ("Teremim: Uma Odisseia Electrónica"), dirigido por Steven M. Martin, que, aliado ao revivalismo da música contemporânea, fez com que as etéreas frequências do Theremin passassem a ser utilizadas com maior frequência.
Neste documentário podemos assistir a várias entrevistas com figuras lendárias da indústria musical e, peculiarmente, uma entrevista com o próprio Léon Theremin.

A magia do instrumento de Deus e do Diabo foi utilizada em diversas bandas sonoras e por muitos grupos musicais.
Atualmente despoleta um renovado interesse e podem ser adquiridos em diversos fabricantes modelos como o PAIA’s Theremax, o Wavefront’s Classic e o Travel-Case.

A Moog Music Inc., de Robert Moog (pioneiro da música electrónica que construiu centenas de Theremins muito antes de construir sintetizadores) produz os conhecidíssimos modelos Etherwave.
De relevar que sem Moog o Theremin poderia não ter sobrevivido como um instrumento vivo, em que agora se redescobre a magia do éter.

Lembram-se com certeza de Clara Rockmore.
É sempre possível bebericar um pouco da sua história, e sentir o mesmo arrepio que Léon experimentou, no seu álbum The Art of Theremin (“A arte do Teremim”), acompanhada ao piano pela sua irmã, Nadia Reisenberg.
Uma história em que vale a pena deixarmo-nos embriagar.

Leon Theremin playing his own instrument



Theremin - Clara Rockmore play "Habanera" (Ravel)




Theremin - Clara Rockmore play "Air" (Mattheson)

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