A MAIS BELA DEFINIÇÃO DE SAUDADE...
No início da minha vida profissional, senti-me atraído em tratar crianças, me entusiasmei com a oncologia infantil.
Elas nos enterneceme nos surpreendem com suas maneiras simples e diretas de ver o mundo,sem meias verdades.
Nós médicos somos treinados para nos sentirmos "deuses".
Se mal dosado, porém, este sentimento será de arrogância e prepotência, o que não é bom. Quando perdemos um paciente, voltamos à planície, experimentamos o fracasso e os limites que a ciência nos impõe e entendemos que não somos deuses.
Somos forçados a reconhecernossos limites!
Recordo-me com emoção do Hospital do Câncer de Pernambuco, onde dei meus primeiros passos como profissional.
Mas também comecei a vivenciar os dramas dos meus pacientes, particularmente os das crianças, que via como vítimas inocentes desta terrível doença que é o câncer.
Com o nascimento da minha primeira filha, comecei a me acovardar ao ver o sofrimento destas crianças.
Até o dia em que um anjo passou por mim.
Meu anjo veio na forma de uma criança já com 11 anos, calejada porém por 2 longos anos de tratamentos os mais diversos, hospitais, exames, manipulações, injeções e todos os desconfortos trazidos pelos programas de quimioterapias e radioterapia.
Mas nunca vi meu anjo fraquejar.
faça tia, é preciso para eu ficar boa.
Um dia, cheguei ao hospital de manhã cedinho e encontrei meu anjo sozinho no quarto.
Meu anjo respondeu:
- Tio, às vezes minha mãe sai do quarto para chorar escondida nos corredores.
- Olha tio, quando a gente é pequena, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e no outro dia acordamos no nosso quarto, em nossa própria cama não é?
(Lembrei que minhas filhas, na época com 6 e 2 anos, costumavam dormir no meu quarto e após dormirem eu procedia exatamente assim.)
- É isso mesmo, e então?
- Vou explicar o que acontece, continuou ela:
Quando nós dormimos, nosso pai vem e nos leva nos braços para o nosso quarto, para nossa cama, não é?
- É isso mesmo querida, você é muito esperta!
- Olha tio, eu não nasci para esta vida!
Fiquei "entupigaitado".
Boquiaberto, não sabia o que dizer.
Chocado com o pensamento deste anjinho, com a maturidade que o sofrimento acelerou, com a visão e grande espiritualidade desta criança, fiquei parado, sem ação.
- E minha mãe vai ficar com muita saudade minha, acrescentou ela.
Emocionado, travado na garganta, contendo uma lágrima e um soluço, perguntei ao meu anjo:
- Não sabe não, tio?
Saudade é o amor que fica!
Hoje, aos 53 anos de idade, desafio qualquer um a dar uma definição melhor, mais direta e mais simples para a palavra saudade:
é o amor que fica!
Um anjo passou por mim...
Foi enviado para me dizer que existe muito mais entre o céu e a terra, do que nos permitimos enxergar.
Meu anjinho já se foi, há longos anos. Mas me deixou uma grande lição, vindo de alguém que jamais pensei, por ser criança e portadora de grave doença, e a quem nunca mais esqueci.
Deixou uma lição que ajudou a melhorar a minha vida, a tentar ser mais humano e carinhoso com meus doentes, a repensar meus valores.
Hoje, quando a noite chega e o céu está limpo, vejo uma linda estrela a quem chamo "meu anjo, que brilha e resplandece no céu.
Imagino ser ela, fulgurante em sua nova e eterna casa.
Obrigado anjinho, pela vida bonita que teve, pelas lições que ensinaste, pela ajuda que me deste.
Que bom que existe saudade!
O amor que ficou é eterno.
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Rogério Brandão
Médico oncologista clinico
RC Recife Boa Vista D4500
Cremespe 5758"
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