VERA
LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO
DITADO
POR DIVERSOS ESPÍRITOS
ÍNDICE
Introdução
Dedicatória
CAPÍTULO 1 = Adolfo
CAPÍTULO 2 = Júlio
CAPÍTULO 3 = Lucy
CAPÍTULO 4 = Maria Cecília
CAPÍTULO 5 = Paulinho
CAPÍTULO 6 = Margarida
CAPÍTULO 7 = Pablo
CAPÍTULO 8 = Marília
CAPÍTULO 9 = Laura
CAPÍTULO 10 = Carlos
CAPÍTULO 11 = Daniela
CAPÍTULO 12 = Júnior
CAPÍTULO 13 = Benedito
Conclusões
de Antônio Carlos
Algumas
palavras do nosso amigo José Carlos Braghini
Introdução
Alguns anos atrás, assisti a uma palestra de
um médico que muito me impressionou. Ele era pai de uma menina excepcional.
Dizia ele:
“Há duas maneiras
de ver uma árvore.
“A primeira com
os olhos de um capitalista que só visa lucros e enxerga milhares de caixas de
fósforos ou folhas de papel...
“A segunda com os
olhos da alma, que admira suas folhas, aprecia o perfume das flores e
deleita-se à sua sombra, saboreando seus frutos...”
Foi dessa segunda
maneira que aprendi com ele a encarar um excepcional, que, como a árvore, é
dádiva de Deus, a própria luz materializada no milagre da vida!
E é assim que eu
os vejo nestes relatos de experiências por meio de reencarnações...
DOUTOR JOSÉ
ROBERTO LEITE
MÉDICO PEDIATRA E HOMEOPATA
Dedicatória
Nossa admiração e
respeito aos que amam, cuidam e orientam aqueles que por algum motivo passam
por uma encarnação com deficiência.
1
Adolfo
É com muito prazer
que aproveito a oportunidade de ditar minhas experiências com a intenção de
alertar a todos, principalmente meus irmãos que no momento estão encarnados.
— Dol... Dolf... — falava com
dificuldade.
Não conseguia pronunciar direito as
palavras, falava pouco, errado, e era assim que respondia quando alguém
indagava meu nome. E sempre, ou meus pais ou minhas irmãs, respondiam por mim.
Escutava-os com alegria, achava meu nome lindo.
— O nome dele é Adolfo.
Eu tentava
repetir mentalmente, mas na hora de falar atrapalhava-me e só saíam pedaços.
Era o filho mais
velho, depois de mim nasceram Iana e Margareth, a Gá, que muito me amou.
Pensei muito em
como descrever minha última encarnação. Achei melhor fazê-lo como a senti, e depois
dando algumas explicações que só entendo agora, depois de recuperado e
sentindo-me sadio.
Arrastava-me pelo
chão, às vezes sentia arder as palmas das mãos, pernas, mas não ligava, pois só
assim ia aonde queria. E queria pouco, andar pela sala, tentar mexer no rádio.
Gostava de músicas. Sabendo disso, mamãe ou Gá ligava-o para mim. Era estranho,
daquela caixinha saíam vozes agradáveis. Não conseguia entender como aquilo
funcionava, mas gostava. É tão estranho isso! Muitos não usufruem vários
objetos sem saber o porquê de eles funcionarem’? Quando me interessei pelo
rádio, achei que havia alguém escondido, depois que havia pessoas dentro da
caixa. Mas, se possuiam vozes bonitas e me faziam alegrar, só podiam ser boas.
Às vezes, em
raros momentos, me entristecia, conseguia ver, percebia que era diferente,
mais feio, mole e que não conseguia andar e falar como os outros. “Por quê?”
—indagava-me. “Por que não posso? Não consigo?” Isso passava logo. Distraía-me
com alguma “coisa”*. Gostava
* Adolfo usa muito a palavra “coisa” e preferimos deixá-la e colocá-la
entre aspas. Cita, a cada uma delas, certas referências, particularidades.
(Nota da Médium)
de observar mamãe, era tão bonita, meiga e boa. Ela movia
as pernas com facilidade, andava, eu queria tanto fazer igual! Até tentava,
caía e chorava, às vezes porque doía algo ou então por não conseguir imitá-la.
Não pensava muito. Era estranho, as idéias vinham rápidas, e como vinham, iam.
Quando
sentia fome, fazia sinal com a mão, sabia onde estavam os alimentos. Logo me
traziam. Davam-me na boca. Gostava, sentia uma sensação agradável. Preferia o
mingau amarelo, era mais saboroso, e eu comia tudo. Ria...
Não
gostava de ficar molhado e às vezes sujava e sentia cheiro desagradável.
Demorei a entender que era eu quem fazia aquilo. Mamãe foi me explicando,
mostrando, e consegui entender que podia pedir para fazê-lo e assim não me
molhar ou sujar. Mas, infelizmente, às vezes não conseguia pedir e fazia na
roupa, ficando incomodado.
Logo que desencarnei essas lembranças me deixavam
triste. Hoje, anos depois, entendendo o porquê de tudo, vejo, narro como se
fosse um filme não apenas visto, mas sentido. Sou grato ao Pai Maior pela
oportunidade do recomeço, da reencarnação, aos meus pais, às minhas irmãs e
principalmente à doce e meiga Gá, por ter cuidado de mim com tanto carinho.
Como narrarei depois, meu pai e eu estivemos juntos em outras encarnações.
Mamãe não, nos conhecemos nesta, esse espírito bondoso me acolheu com amor e
dedicação. Iana e eu somos velhos conhecidos, ela me incentivou ao erro, nesta
me quis bem, mas tenta aprender, luta com suas imperfeições, esteve junto a
mim, porém distante. Margareth, a irmã que realmente esteve ao meu lado me ajudando,
me quis muito, não éramos conhecidos, mas bastou esta encarnação para nos
tornarmos realmente amigos, ela aprendeu a amar.
Voltemos às
minhas lembranças. Gostava de brinquedos, de brincar, tinha preferência por
uma bola amarela que chamava de “bó”! Ria ao vê-la pular, queria fazer como
ela, mas não dava certo, não conseguia, achava-a linda. Também gostava de sair,
passear, como era agradável ver a rua, as pessoas passando, achava-as tão
bonitas!
Não gostava,
tinha horror a médicos, chorava ao vê-los e repelia se achava alguém parecido
com um. Era, para mim, o “me”, alguém que mexiacomigo e me dava algo que doía,
doía. Era injeção, eu não sabia nem falar. Eta palavra difícil para mim! Mas um
dia, surpresa! Após ir ao médico, que me olhou o rosto, examinou minha visão,
mamãe colocou “a coisa” no meu rosto, óculos, vi tudo melhor. Que sensação
gostosa olhar mamãe, Iana e a minha Gá. Via-as bonitas e vi tudo melhor. Gostei
da “coisa”, a que chamei de “pó”.
Entendia pouco,
por mais que Iana e Gá tentassem me ensinar algo, não conseguia aprender.
— Você é
burro!
Iana
dizia sempre e eu ria. Mas, por momentos, sentia que tudo o que elas tentavam
me ensinar era fácil. Por que não conseguia aprender? Fazer? Mas logo passava
e ria, ria...
Tinha dores.
Doía, chorava e preocupava a todos.
— Mostra, Adolfo,
mostra com o dedinho onde dói! Dizia Gá ou mamãe, pegando minha mão, mostrando
o dedo. Balançava a cabeça negando, não, meu dedinho não doía. Às vezes a dor
passava por si só ou com analgésicos.
Até que um dia
Iana teve dor de dente, e o dentista extraiu seu dentinho de leite e foi um
estalo. Papai disse:
— Iana teve dor
de dente, será que Adolfo também não tem?
— Meu Deus! —
exclamou minha mãe. — Será que ele está chorando de dor de dente? Levá-lo-ei ao
dentista, e hoje mesmo!
E o fez. Gostoso
ir passear. Colocaram-me num carrinho, que não era pequeno, era grande, pois eu
era gordo e pesado. Tive medo, muito medo mesmo, do consultório e do senhor
risonho que me atendeu, O dentista era conhecido dos meus, atendia toda a
família, sabendo do meu medo, tentou me agradar.
— Sim, o menino
tem dentes cariados e está tendo dor de dente — afirmou ele a minha mãe, após
examinar minha boca.
Não foi um
tratamento fácil. Não parava quieto e tinha tanto medo que tremia, apavorado.
Sentia-me mal, suava, babava, e muitas vezes sujava as calças.
Todos tinham dó
de mim. Meu medo não era compreendido. Mamãe levou-me ao dentista porque sabia
da necessidade de tratar dos meus dentes. Sofria mais pelo temor do que pelo
tratamento.
Até que tinha uma
pequena compreensão de que aquele senhor risonho não estava me castigando e que
depois me sentiria aliviado sem as dores agudas na boca. Mas tinha um medo
terrível.
Tinha a saúde
frágil e muitas crises de bronquite. Mamãe, sabendo do meu medo, levava-me ao
médico só quando estava realmente mal. Aí, teve uma idéia, chamar o médico em casa. Em meu ambiente
conhecido não temia tanto, e Gá segurava minha mão com força, dizia me
acalmando:
— Adolfinho,
calma, não fique nervoso, irmãozinho querido, Gá está aqui, nada de mal
acontecerá com você.
Entendia? Não,
pelo menos não o sentido das palavras, mas sentia a sua vibração de amor. E
como isso me fazia bem! Confiava na Gá.
Iana gostava de
brincar comigo, era o seu bebê, sua boneca. Gostava, mas logo ela perdia a
paciência e gritava comigo:
— Menino bobo!
Aí achava ruim e,
às vezes, vinham as palmadas que ela me dava, que ardiam, então chorava. Mamãe
e Gá me acudiam e Iana, às vezes, era castigada, não gostava de vê-la chorar,
chorava mais ainda. Muitas vezes, nas suas brincadeiras, Iana tentava me pegar,
certamente não conseguia, era pesado para ela, então minha irmã me arrastava
pelo chão, puxando-me pelas pernas e braços. Gostava até que me doía algo, aí
chorava.
Gá não,
nunca me fez algo que doesse. Gostava tanto quando ela sentava no chão,
colocava minha cabeça no seu colo, cantava para mim, passava suas mãos
delicadas na minha cabeça e no meu rosto. Que bom! Como o amor é confortador!
Chegava a cochilar. Como gostava de receber seus beijos, tentava também
beijá-la. Para mim isso queria dizer: “Amo você, é importante para mim”. Dava
um beijo estranho, tentava imitá-la, fazia careta, bico e babava. Gá ria
achando bonito, e eu ria alegre, nesses momentos fui realmente feliz pelo que
tinha.
Se em
raros momentos sentia-me diferente, foi porque meu espírito sabia que estava
preso num corpo deficiente, com o cérebro danificado por uma causa física. Lógico,
o cérebro físico adoece. E por quê? Certamente tem as causas e as explicações
por meio do espírito que habita nele.
Porque é
difícil nós, na roda dos renascimentos, sermos totalmente isentos de erros.
Pode
acontecer até um acidente que danifique o feto, o corpo físico, e o perispírito
ser e continuar perfeito. Muitas vezes amigos do reencarnante podem desligá-lo
da matéria defeituosa, porque, se ele tiver algo para realizar, não será
possível num corpo deficiente. Há então o desencarne e ele fará nova tentativa.
Ou então esse espírito aproveita a oportunidade e faz da deficiência um grande
aprendizado.
Tive muitas
doenças, o sarampo quase me fez desencarnar. A febre alta me fazia delirar.
Via-me como médico e tremia de medo. Nos meus delírios, andava normalmente
examinando pessoas, não gostava, preferia me arrastar no chão a ser aquela
pessoa, o médico. Que horror! Eram terríveis pesadelos. Foi um alívio sarar do
sarampo. Mas estava sempre com as crises de bronquite, era tão ruim ter
dificuldade para respirar... Não gostava de “coisas” ruins, de remédios. Até
que de alguns eu gostava, de outros não e então, os cuspia. Gá falava comigo
para engoli-los, mamãe também, mas os cuspia. Mamãe um dia ficou brava comigo:
— Adolfo, tome
seu remédio, senão o levarei ao hospital, onde têm médicos!
“Os (hospital)
não” — pensei e tomei.
Virou chantagem.
Certo? Não me cabe julgá-los. Não fizeram por maldade. Desconhecendo as causas
do meu pavoroso medo, não conseguiram entender a profundidade dele. Mamãe
sofria junto comigo. Eram noites e noites tentando aliviar meu tormento, em que
ela e papai passavam sem dormir. Remédios caros. E eram eles que me aliviavam
um pouco. Papai ganhava razoavelmente bem, morávamos em casa própria. Mamãe
não podia trabalhar fora porque eu lhe dava muito trabalho e não podia ficar
sozinho. Não tinha onde me deixar.
Morávamos numa cidade pequena, e lá
não tinha, na época, uma escola especializada para mim. Privaram-se de muitas
“coisas” por minha causa. Desde saírem de casa, irem a festas, até viagens, e
minhas irmãs de terem o que queriam. Gastavam muito comigo.
Fiz dezoito anos, meses depois tive
uma forte crise, a pior de todas, e o médico foi chamado. Bondosamente ele veio
em casa me examinar. Brincou comigo como sempre, tentando não me assustar.
— Oi,
menino Adolfo! Vim vê-lo! Olhe que bonito!
Mostrou
seu estetoscópio, balançando-o. Dessa vez, embora com medo, não reagi, isso o
preocupou. Sentia-me tão fraco que o pouco de força que tinha usava toda para
respirar. Sofria.
Quando
recordei meu passado, vi também os principais acontecimentos desta minha
última encarnação. Como disse, foi como ver um filme, só que real. Por isso
posso dizer particularidades, como o médico preocupado, meus pais aflitos etc.
O médico me
examinou e falou aos meus pais. Eu ouvi. Compreendi? Não as palavras, mas senti
a situação:
— Adolfo está
mal, seu coração está falhando. O melhor seria levá-lo para o hospital.
- “Os” não! —
balbuciei, arregalando os olhos. Comecei a chorar, piorando a crise.
— Você não vai!
Papai me olhou e
falou firme, segurando meus braços. Confiei e me acalmei.
— Terá chances de
ele ir lá e melhorar’? — indagou mamãe, segurando-se para não chorar.
— Não sei... —
falou o médico. preocupado. — Acho que Adolfo só virá a piorar. Não entendo seu
medo, mas sei bem que o temor no seu estado só piorará sua situação.
O médico passou a mão carinhosamente no
meu rosto. Estava quase que sentado na minha cama de grade. Estremeci. Ele se
afastou. Papai aproximou-se para me acalmar, disse, segurando minha mão:
— Adolfo, meu
filho, você fica em casa! Daqui você não sai!
Sorri, estava com
dores e sentindo muito desconforto, mas sorri, papai me protegeria.
O fato é que
ficaram os dois indecisos, resolveram não me levar para o hospital, mas
sofreram com a indecisão. Decidiram pelo que acharam que era melhor para mim,
e realmente o foi. Com meu pavor, sofreria muito mais se tivesse ido. Quero
deixar claro que esse é um caso específico, meu, que particularidades assim
devem ser analisadas com muito critério.
— Se ele está
para morrer — disse mamãe —, que o faça em casa e conosco. Teme tanto o
hospital e os médicos que seria judiação levá-lo para um, sem chances de
melhorar.
O médico também
deu sua opinião. Talvez, se ele entendesse a pluralidade das existências,
saberia analisar melhor o que ocorria comigo.
Adolfo tem muito
medo de médicos, não deveria, certamente foram vocês a lhe passar medo. Mas
agora não é hora de saber as causas. Ele tem medo, isso é real para ele. Com o
coração tão frágil, acredito que com o pavor que sentirá lhe será muito
prejudicial. Vamos cuidar dele em casa.
— Prometi
a ele e cumpro! Adolfo não sairá daqui! — exclamou meu pai. — E o senhor se
engana, não passamos medo a ele. Acho que esse medo é porque ele, desde
pequenino, é muito doente, talvez tenha na sua cabecinha ligado a dor a médicos
e conseqüentemente a hospital, que para ele significa médicos. Ele nunca foi a
um hospital, só quando nasceu.
Assim
fiquei dias em casa, no leito, muito doente. Tentava sorrir para a Gá ou Iana,
quando elas brincavam comigo. Sentia-me cansado, tremendamente fraco, com dores
por todo o corpo e com muita dificuldade para respirar.
Não senti
nem percebi a minha desencarnação. Quando dei por mim, estava num local
parecidíssimo com meu quarto, mais enfeitado e com muitos brinquedos. Minha
respiração estava quase normal, e não tinha mais dores. Senti-me aliviado.
Desencarnei
e fui socorrido imediatamente, levado ao Educandário, local para crianças em uma
colônia muito bonita. Todas as colônias são bonitas. Estava abrigado numa
parte, ala especial para os que foram encarnados deficientes mentais.
Crianças? Sim, embora com dezoito anos na matéria, era uma criança, sentia-me
uma. Quarto parecido com o meu? Sim, isso acontece muito no plano espiritual,
para que não estranhemos muito. Mais enfeitado e com muitos brinquedos? No
Educandário há alegria, tudo é feito para alegrar seus abrigados e normalmente
crianças gostam de locais alegres, enfeitados e de muito carinho.
Minha família
sentiu meu desenlace. Mas compreenderam que foi melhor para mim.
Eram católicos,
iam à igreja, só que não me levavam. As vezes, Gá ou Iana tentavam me ensinar a
rezar. Agora, ali no leito, lembrei-me com mais facilidade dos dizeres delas:
“Menino Jesus de
Belém, eu lhe quero muito bem!”
Ri contente. É
fato que eles rezavam muito por mim, imaginando-me no céu. Isso é importante,
quando nos imaginam bem, nos mandam pensamentos otimistas, que nos ajudam
muito. Os meus familiares, que amo muito, imaginaram-me num lugar bom, sadio,
sem dores, alegre e feliz. Era tão forte nossa relação que quis sentir o que
eles imaginavam. A vontade é quase tudo e no meu caso significava muito. Não
tive dó de mim e isso me auxiliou.
A vida deles depois
do meu desencarne mudou e para melhor. Após um período de descanso, mamãe arrumou
um emprego, as finanças melhoraram, as meninas puderam ter roupas novas e
estudar em escolas melhores. Puderam passear e até viajar. Mas vivi sempre nas
suas lembranças de forma carinhosa, e Gá, adulta, fundou na nossa cidade uma
escola especializada para deficientes mentais e sempre menciona com ternura
fatos referentes a mim: “Meu irmãozinho Adolfo...”
Fui, sou
tremendamente grato a eles.
Bem,
acordei no Educandário, num quarto que achei lindo, examinei tudo olhando cada
canto. Estranhei e comecei a chorar. Logo um senhor e uma moça se aproximaram
do meu leito, O homem disse sorrindo carinhosamente:
“Adolfo,
que se passa com você? Que sente? Quer tomar água? Quer passear? Ouvir música?”
Queria
tudo aquilo, o senhor adivinhou do que eu gostava (sabia). Mas queria mamãe e
Gá.
“Ah!”,
disse a moça me abraçando. “Vamos passear, colocarei você no carrinho e o
levarei ao parque para ver outras crianças. Vou ensiná-lo a andar. Quer? Claro
que quer!”
“Pó!”,
exclamei.
“Ah!”,
respondeu a moça. “Seus óculos! Não precisa mais deles. Você não está me
vendo? Vamos aprender a dizer certo. Óculos!”
Gostei
deles, tanto do senhor como da moça. Passei a mão no meu rosto, de fato não
estava com eles e enxergava bem. Era agradável, estava tanto ouvindo como enxergando
perfeitamente. Ri alto e tentei repetir.
“Ulos!”
“Melhorou!
Vamos passear! Vou trazer para você um rádio de presente. Sou a tia Estefânia e
este é o tio Walker. Amamos você!”
Os dois
novos amigos colocaram-me num carrinho bem mais bonito que o meu e me levaram
para passear. Amei tudo o que vi. Chamei com a mão um passarinho e ele veio
cantando para o meu dedo. Ria, ria...
As atividades
eram muitas, aulas para aprender a andar, falar e, surpresa: aprendi com mais
facilidade, como sarei, meus dentes tornaram-se perfeitos assim como a visão e
a audição, não tive mais dores. Senti saudades de casa, dos meus pais, das
minhas irmãs, mas fui também compreendendo que tinha ido morar em outro lugar.
Tempos depois,
dois anos, estava normal, a fazer pequenas tarefas, como distrair os
recém-chegados. Agora falava corretamente. Entendi que meu corpo deficiente
morreu, que desencarnei, e achei tudo normal como realmente é. Não existe
desencarnação igual, nada no plano espiritual é regra geral. Mesmo desencarnado
sentia-me deficiente, porque meu corpo perispiritual estava doente antes de
reencarnar. Necessitei recuperá-lo na matéria física e nesses dois anos no
plano espiritual.
Mas... Como há “mas”
em nossas vidas até que aprendamos a conviver harmoniosamente! Continuava com
medo de médicos, agora não tinha pavor, mas não gostava nem de vê-los,
necessitava resolver esse problema.
Dona Marga me
atendeu para uma consulta. Essa senhora é psicóloga.
“Ah!”, disse ela
carinhosamente. “Vamos ajudá-lo a compreender o que se passa com você. Esse
medo o incomoda?”
“Sim, senhora”,
respondi, “incomoda. É chato, aqui há muitos profissionais da medicina que
tanto bem fazem e mesmo assim os temo. Depois, não quero reencarnar com esse
medo, que provavelmente continuará depois de encarnado. Dona Marga, tenho
também certas lembranças, me vejo em outro corpo, bonito, jovem, a examinar
outros e...”
“Adolfo,
você não aprendeu que nascemos muitas vezes em corpos diferentes? Você já
reencarnou diversas vezes.”
“Sei! Mas
não gostaria de ter sido esse homem falei triste.
Foi um
tratamento longo, que parei muitas vezes porque me recusava a recordar. Nada me
foi imposto. Mas as lembranças vinham espontâneas e eu não as queria. Dona
Marga me explicou que fixei muito na minha mente espiritual esses fatos que
recordava, isso antes de reencarnar como Adolfo, e que essas lembranças eram
minhas, parte do meu passado e que tinha de enfrentá-las. Até que resolvi de
vez solucionar esse problema que me incomodava. Já fazia cinco anos que
desencarnara, continuava no Educandário, fiz lá todos os cursos que aquele
local abençoado oferece e trabalhei muito. Cuidava dos recém-desencarnados, os
recém-chegados da Terra, com todo carinho, sabia que fazia meu trabalho bem
feito e era elogiado, estava feliz, mas sentia que tinha algo para fazer, tinha
de resolver esse meu problema e deixei numa sessão com dona Marga as lembranças
virem e as enfrentei. Como não aceitar nosso passado? É nosso! Nossos atos nos
pertencem.
Na minha
penúltima encarnação nasci no seio de uma família de posses e de muito orgulho.
Cresci achando que era um ser superior em raça e inteligência. Quis estudar,
gostava de aprender e cursei as melhores escolas de meu país. Tornei-me médico
ainda jovem. A vida me sorria, era rico, bonito e casei com uma jovem do meu
meio social. Minha esposa foi Iana, minha irmã nesta última encarnação. Tudo
parecia bem até que a guerra veio modificar nossas vidas.
Meu pai
conseguiu por um tempo impedir que eu fosse para a frente dos campos de
batalhas. Mas a pátria necessitava de mim e parti. Minha esposa, ambiciosa,
aconselhou-me a aproveitar a situação para me sobressair como médico. Ela
sempre me motivou só para a ambição, para que ficássemos cada vez mais ricos.
Fui para
a guerra, para um local onde estava havendo encontros de grupos rivais.
Humanos batalhando, matando outros seres iguais. Como é triste a guerra! Lá
encontrei dois outros médicos e nos tornamos amigos, doutor Frank, já mais
idoso, e doutor Ralf, tão jovem quanto eu. Trabalhamos juntos. A guerra é
terrível, ali foi que vi o tanto que nossos conhecimentos estavam à prova.
Paro um
pouco de ditar, enxugo as lágrimas. São recordações dolorosas. Mas se são
minhas, assim como meus atos, não devem ser motivo de tristeza. Tristeza não
paga dívidas. Minhas lembranças só devem me motivar a servir o Bem.
Tínhamos
muito trabalho, às vezes faltavam medicamentos e os alimentos eram escassos.
Onde
estávamos se tornou, logo após minha chegada, um local de muitas batalhas. Não
só tínhamos de cuidar dos nossos compatriotas como dos inimigos, que pareciam
estar levando a melhor. Então nós três resolvemos eliminar os feridos inimigos
e de modo cruel.
Fizemos
muitas maldades, poderia narrá-las, mas para quê? Acho mórbido e creio que o
leitor entenderá que muito fiz para ter tido grande remorso.
Desencarnamos
nós três e muitos outros num ataque de surpresa. Fisicamente não senti muito,
meu corpo morreu rápido e acordei em espírito vagando num sofrimento atroz.
Sentia-me despedaçado sem nada que me acalmasse as dores.
“O senhor
morreu!”, falou um sujeito estranho. Um desencarnado inimigo.
“Senhor?
Por que o chama de senhor? É senhor
de que ou de quem?”, disse um outro maldosamente.
“É
mesmo!” falou rindo o que primeiro me dirigiu a palavra. “Você! Você morreu!”
Esses
desencarnados que eu julgava serem os inimigos nos odiavam tanto quanto nós a
eles, inverteram os papéis, passei a ser paciente deles. Vingaram-se. Revoltei-me.
Por que morri? Jovem, bonito, rico e aquela maldita guerra a separar-me dos
meus, levando-me para a frente dos campos de batalha. Foi a guerra a culpada de
ter feito o que fiz. E ainda morrer e continuar vivo. Sofri muito.
Creio que
é mais triste e deprimente ver desencarnados num campo de batalha do que
encarnados. Há ódio, muito rancor e sofrimento. Muitos são socorridos ao
desencarnarem, podem ser socorridos, mas a maioria não. Continuam lutando sem o
corpo físico. Socorristas bondosos trabalham ininterruptamente tentando ajudar
a todos. Mas muitos recusam ajuda porque querem se vingar, ou porque estão
revoltados, mas ali estavam profundamente perturbados, preferindo continuar
guerreando. Não quis o auxílio oferecido.
Sofri por anos,
ora no umbral, ora ali onde fiz as minhas maldades, que com o término da guerra
passou a ser uma bonita campina e campos cultivados. Mas para mim continuava a
guerra, só via as cenas atrozes que presenciei. Entendi que não tinha por que
me revoltar, era culpado. Tive profundo remorso.
O grupo foi
rareando. Cada um dos ex-combatentes foi tomando rumo. Ficamos alguns e nos
unimos para não ficarmos sozinhos. Já não havia mais vingança nem inimigos,
todos sofriam. Estava muito perturbado, as cenas dos meus erros não me deixavam
nem por instantes. Via-me a examinar as minhas vítimas... Mesmo confuso,
sofrendo, tinha consciência de que era justo meu sofrimento e que era bem
merecido, não queria o perdão deles, nem me perdoar.
Um dia meus pais,
que há tempo estavam desencarnados, vieram atrás de mim. Abraçaram-me
comovidos.
“Oh! Meu filho, o
que a guerra fez com você!”, disse meu pai.
Não foi a guerra
que me fez mal. Com ela tive a oportunidade, uma grande chance de ter sido útil
a todos. Deus não separa, não faz diferença entre seus filhos. Como pude eu fazer?
Tive o ensejo de fazer o bem e preferi fazer o mal. A guerra só me deu a
escolha. E infelizmente errei.
Não
reconheci meus pais, porém senti a demonstração de carinho, chorei e me
refugiei nos braços deles. Levaram-me para um socorro, recusei tremendamente a
melhora, o remorso destrutivo lesou meu perispírito como também a perseguição
que tive dos que não me perdoaram.
Os
orientadores que cuidavam de mim disseram aos meus pais que eu melhoraria muito
na matéria, num outro corpo, com a bênção do esquecimento. Mas minha lesão me
acompanharia, seria um deficiente mental.
Os dois,
meus pais, planejaram reencarnar, se unir e me aceitar como filho.
Compreenderam que me criaram no orgulho, no preconceito, como se fosse uma raça
superior, e que contribuíram para os meus erros. Reencarnaram e fiquei
internado esperando minha volta à carne. Melhorei muito pouco, porque só me
fixei nos meus erros, não conseguindo ver mais nada. Sofria, embora bem menos
do que no tempo em que vagava. Era tratado com carinho, estava internado num
hospital de uma colônia em uma ala especial.
Só que
minha ex-mãe na carne não me aceitou, não quis nem casar com meu pai. Ele até
que insistiu. Certamente em outros corpos os dois não lembraram do prometido,
mas sentiram a necessidade de se unir, de realizar os planos que traçaram. Isso
acontece muito, quando encarnados temos vontade de fazer alguma coisa sem entender
bem o porquê. Mas por favor não generalizem, tudo deve ser analisado bem, os
prós e os contras, e devemos fazer o que nos convém, o que é melhor a nós, ao
nosso espírito. Não se faz planos de fazer o mal. E, como minha ex-mãe, podemos
fazer bons planos e no corpo não querer assumi-los. Isso acontece muito. Temos
o nosso livre-arbítrio, que é respeitado. Mas quem pode fazer e não faz
continua com o débito, e este gera sofrimentos.
Então meu
pai casou com outra, a bondosa mãezinha que me aceitou e tanto me amou.
Minha
aparência atual? Bem, não quis mudar. Tenho a aparência dos que têm a Síndrome
de Down, sou gordinho, só que perfeitamente sadio. Poderia mudar minha
aparência, mas não quero. Aprendi uma grande lição nessa última encarnação,
assim como estou, O importante para mim é ser útil. Certamente não recordei só
os meus erros, mas também os conhecimentos. Fui um médico de muitos
conhecimentos, estudei para tê-los, são meus e agora os uso para o bem. Pedi e
obtive permissão para trabalhar na ala do Educandário em que fui abrigado.
quando desencarnei. Lá sou o tio Adolfo, o tio brincalhão que ameniza as
dores da saudade e os reflexos das doenças.
Mas,
novamente o mas. Quis saber dos outros dois que erraram comigo, doutor Ralf e
doutor Frank. Com permissão, fui vê-los, os dois estão encarnados,
acompanhou-me o instrutor Flávio:
“Aqui
está seu amigo, doutor Frank, que agora reveste outro corpo e tem outro nome”,
disse Flávio.
“Doutor
Frank?”, exclamei, espantado.
Surpresa!
Encontrei-o num acampamento da Cruz Vermelha. É jovem, médico e dedicado. Com
muito carinho examinava uma criança negra e enferma. Ele a pegou no colo, sorriu
e recebeu em troca um sorrisinho dela. A enfermeira comentou:
— Doutor,
o senhor não tem medo de se contagiar? Não sabemos o que ela tem.
— Não —
respondeu ele. — Não sei ainda o que ela tem, mas sei o que lhe falta: carinho!
Seu tratamento está sendo doloroso, não quero que ela tenha medo de mim.
Fez
careta, a criança sorriu timidamente, ele abriu a boca e mostrou a língua.
Falavam idiomas diferentes, porém a criança entendeu e fez o mesmo, ele a
examinou.
— Doutor
— disse a enfermeira —‘ o senhor é tão jovem e bonito, não entendo o porquê de
estar enfiado aqui nesse lugar.
Meu amigo
riu, olhou por um instante para ela e respondeu:
— Minha
cara, o que você faz aqui?
— Eu já
não sou tão jovem assim. Depois, perdi meu marido e filho num acidente de carro.
Amenizo minha dor ajudando a sanar dores alheias.
— O que é
digno de admiração! Pois comigo nada aconteceu. Sempre quis clinicar, sanar
dores, cuidar de vítimas de guerras. Como é triste pensar que na Terra não há
paz! Sempre existem disputas, brigas, mortes e feridos. Pode acreditar, minha
amiga, que sou feliz aqui. Parece que planejei isso antes de reencarnar e pela
bondade de Deus realizo meu trabalho.
— Ah, o
senhor de novo com as idéias orientais! —exclamou a enfermeira rindo.
— Olhe
bem para esta criança! — falou o antigo doutor Frank. — Oito anos! Parece ter
três ou quatro anos. Órfã, desnutrida e sofre tanto. Que Deus justo é esse que
a fez assim? Não, minha cara, prefiro ter em Deus um pai justíssimo e amante de
Seus filhos, todos, sem exceção. Esta criança é um espírito que renasce na
nossa querida Terra. Penso, creio com certeza, que eu estou tendo uma grande,
grandíssima oportunidade de estar reencarnado e aqui estar tentando ser útil.
E, pode apostar, vou aproveitá-la.
Sorriu,
abraçou a criança. Continuou feliz o seu trabalho.
Aproximei-me
dele, emocionado, e disse com firmeza:
“Deus lhe
abençoe!”
Ele
sentiu-se abençoado, vibrações de carinho, de incentivos, benévolas, caíram
sobre ele. Desejei isso ardentemente.
“Que
você, meu amigo, consiga fazer o que almeja!”
Saímos do
acampamento, meu instrutor falou:
“Conseguirá!
Ele conseguirá! Há cinco anos trabalha com afinco e amor. Ganha pouco e esse
pouco é repartido com seus pacientes. Aqui também faltam muitas coisas,
medicamentos e até alimentos.”
“Não sei
o que dizer”, falei emocionado. “Encontrar doutor Frank aqui foi uma grande
surpresa.
“Cada um
reage aos erros de forma diferente. Ele enfrentou os dele sabiamente.
Desencarnou, sofreu, arrependeu-se, mas não deixou o remorso ser destrutivo. Fixou
por meta que: muito errou, muito tinha de amar. Quis reparar seus erros e aí
está, reparando-os...
“Eu”,
falei, “deixei que o remorso fosse mais forte. Sofri e continuei a fazer
sofrer, porque meus familiares padeceram comigo. Só vi o sofrimento como
solução.”
“Adolfo,
como disse, as reações são diferentes para as mesmas ações, como também diferem
em cada um. Que doutor Frank seja um exemplo!”
“Se Frank
reencarnado tivesse se recusado a fazer o que planejou, o que aconteceria com
ele?”, indaguei.
“A todos
nós é dada a oportunidade de reparação pelo amor, trabalho útil, recusada a
oportunidade, aí...”
“A dor
vem lembrar a responsabilidade”, falei.
“Nem
sempre é de imediato. Adolfo, vamos visitar o outro, o antigo doutor Ralf, e
entenderá melhor.”
Encontramos
meu antigo companheiro andando apressado pela rua, ia para o trabalho.
Inquieto, insatisfeito, estava nervoso. Necessitava do emprego para sobreviver,
mas não gostava do que fazia. Aliás, pensava angustiado, não gostava de fazer
nada, não conseguia manter o entusiasmo por algo por mais que alguns meses.
Sentia-se perseguido, achava que todos estavam contra ele e não ele contra
todos. Tinha inveja, ciúmes e qualquer coisa o aborrecia. Achava sua vida
medíocre como também que merecia coisas melhores.
Olhamos
para ele, examinando-o.
“Observe,
Adolfo”, disse meu instrutor, “que seu antigo companheiro está envolto por
energias negativas que ele próprio cria ao desejar mal às pessoas. Quando nos
iramos, desejando mal a alguém, criamos uma energia maligna e a projetamos,
porém metade fica com quem cria, e se a outra pessoa para a qual enviamos essa
energia negativa estiver com uma boa vibração, ela não a receberá e essa
energia volta em dobro à fonte de origem.”
“Mas ele
não sofre nem repara os erros do passado”, falei encabulado.
“Quando
fazemos inimigos e estes não nos perdoam, podem cobrar de muitos modos,
levando-nos a sofrer quase de imediato pelos nossos erros. Isso não aconteceu
com nenhum de vocês três. Ninguém os cobrou ou os perseguiu reencarnados. Mas,
se não há outros a nos cobrar, nossa consciência o fará um dia. Vocês três
agiram erradamente. Você sentiu-se tão culpado que só o sofrimento foi visto
como solução. Frank sabiamente quis corrigir os erros construindo onde no
passado houve abusos. Ralf ainda não despertou nem para um, nem para o outro.
Sofreu no umbral, foi socorrido e quis reencarnar. Arrependeu-se, mas não teve
remorso destrutivo nem despertou para uma reparação. Você se engana, não
precisa ter deficiência para sofrer. Ele é uma pessoa infeliz por não aceitar
o que a vida lhe oferece, o que ele é no momento, seu espírito queria continuar
tendo a importância que julgava ter no passado. Embora tenha o corpo sem
deficiências físicas ou mentais, ele não é sadio. Sua insatisfação lhe traz
muitas doenças.”
“Ele
ainda vai reparar seus erros? Vai sofrer por eles?”, indaguei ao meu instrutor,
preocupado.
“Creio
que um dia irá se harmonizar com as Leis Divinas e, para quem não o faz por
amor, normalmente a dor virá. E se você, Adolfo, soubesse ver como eu, veria
que dentro de algum tempo um câncer irá se manifestar no corpo dele.”
Cheguei
junto dele e o abençoei:
“Que Deus
o abençoe!”
Mas, nova
surpresa, ele repeliu completamente os fluídos que carinhosamente lhe doei.
“Vou orar
muito por ele!”, exclamei.
“Vamos,
Adolfo”, disse Flávio.
”Vamos
para a colônia. Espero que tenha aprendido com essas visitas.”
“Ralf com
as doenças resgatará?”, indaguei.
“Irá
depender de como ele aceitará o sofrimento”, respondeu meu instrutor.
“Irá, com
certeza, sofrer com sua doença, mas, como eu, não fez nada de bom para reparar.
Vendo Frank, sinto que tenho muito o que fazer.”
“Você
fará! Se quiser fará!”, motivou-me o instrutor.
Sim, queria e
quero! Após essas visitas, passei a ser mais dedicado, alegre e com propósito
de ser cada vez mais útil.
Planos para o
futuro? Claro que tenho. Não quero ser médico, pelo menos não na próxima
encarnação. Planejo trabalhar com pessoas, talvez um farmacêutico, um psicólogo
ou um enfermeiro. Mas quero me preparar, estudar e ser um encarnado útil, um
trabalhador honesto e ser religioso, porque acho que uma religião bem seguida
é uma orientação segura, e se tudo der certo serei neto de Gá, e aí terei o
Espiritismo como seta na minha caminhada. Que Jesus nos abençoe!
Explicações de Antônio
Carlos *
Adolfo, quando escreveu sua história, estava bem, recuperado e já
sendo útil. Todos os relatos contidos neste livro foram feitos com os autores
já refeitos. Muitas das lembranças de Adolfo vieram em sua mente com a ajuda da
orientadora Marga. Isso para que ele compreendesse melhor
Muitos dos que foram deficientes
mentais, se não há motivos, não recordam o passado. No caso de Adolfo, o medo
de médicos o incomodava.
* Antônio Carlos
é desencarnado, companheiro de trabalho da médium e organizador deste livro.
(N.M.)
O amor verdadeiro nos sustenta em qualquer
situação.
Como vimos, Adolfo se sentia feliz quando em
demonstrações de carinho sincero, sentia-se amado. Por que não fazer feliz o
nosso próximo, e ainda mais se este próximo é um dos nossos familiares? Todos
que se sentem amados são mais seguros, tranquilos. Amando, sendo amados. Amando
faremos com que os outros aprendam também a amar com nossa atitude afetuosa.
Adolfo teria se desenvolvido mais, teria aprendido
a andar, a falar, se lhe tivessem ensinado. O aprendizado é recuperação.
O grande exemplo nesta narrativa é a atitude do
doutor Frank. Consciente de seus erros, quis repará-los, e que grande
oportunidade teve ele: “a reencarnação!” Oportunidade que todos nós temos. Mas
coube a ele trabalhar, não deixar para depois, para amanhã; ele faz.
Realmente muitos planos são esquecidos na ilusão da
matéria. Cabe ao leitor pensar, analisar e
fazer algo, multiplicar o talento que recebeu de Deus e não fazer como o servo
preguiçoso que desencarnou como encarnou, nada fez de útil a si mesmo nem ao
próximo. E você, meu amigo, não estará deixando passar esse grande ensejo em
vão? E oportunidade de aprender, fazer o bem, todos temos. Basta aproveitar!
2
Júlio
Fui muito amado! Meus pais se
desdobravam em atenção e cuidado para comigo. Fui o segundo filho deles. O
primeiro, meu único irmão, Júnior, era perfeito e muito bonito.
Não tenho
muitas lembranças do período em que estive encarnado com deficiência.
Fixo
minha mente para recordar, sinto a sensação de que estava preso num saco de
carne mole e disforme. Parecia que, ao estar encarnado, estava restrito a uma
situação desconfortável e sofrida, porém sabia ser melhor que meu estado
anterior, o de desencarnado.
Realmente
estava restrito, era deficiente físico e mental. Tive paralisia cerebral.
Lembro
que cuidaram de mim com ternura imensa, gostava quando falavam comigo, me
acariciavam.
Meus pais
tentaram de tudo para que eu melhorasse, fisioterapias, especialistas e
cuidados especiais.
Vivi três
anos e seis meses nesse corpo que agora bendigo, que serviu para que me
organizasse do tremendo desajuste em que eu me encontrava.
Não
andei, não falei, ouvia e enxergava pouco e era portador de muitas doenças no aparelho
digestivo.
Uma
pneumonia me fez desencarnar.
Recordo
pouco essa minha permanência na carne. É como recordar adulto a primeira
infância, O desconforto muito me marcou, como também o imenso amor que meus
pais tiveram e têm por mim.
Socorrido
ao desencarnar por socorristas, fui levado a um hospital de uma colônia.
Estive
internado numa ala especializada em crianças e deficientes. Lembro-me que lá
sentia a falta da presença física de meus pais. Eles foram levados muitas vezes
para me ver.
Alegrava-me
com essas visitas.
Meus
pais, pessoas boas e com alguns conhecimentos espirituais, puderam, enquanto
dormiam, ser desligados do corpo físico e vir me ver.
Foram
encontros emocionantes. Isso é possível acontecer com muitos pais saudosos.
Infelizmente
poucos recordam esses comovidos encontros.
Recuperei-me.
Com o carinho dos tios, trabalhadores do hospital, sarei das minhas
deficiências. Retornei à aparência que tinha na encarnação anterior, antes de
ter começado com meu vício e danificado meu corpo sadio.
Dessa vez
gostei de estar desencarnado e mais ainda do hospital.
Normalmente
em todas as colônias há no hospital uma parte onde são abrigados os que foram
deficientes mentais quando encarnados, isso para que recebam tratamento
especial para se recuperarem. Ressalvo que muitos ao desencarnarem não têm o
reflexo da doença ou das doenças e ao serem desligados da matéria morta são
perfeitos, nem passam pelos hospitais. Infelizmente não foi o meu caso.
Necessitei me recuperar, após um ano e dois meses estava tendo alta e fui para
uma ala no Educandário para jovens.
Vou
descrever a parte do hospital em que fui abrigado.
Os
quartos são grandes, ficam juntos muitos internos. Não é bom ficar sozinho, é
deprimente. Gostava de ter companhia, de ficar com os outros. Logo me tornei
amigo deles.
As
colônias não são todas iguais. Tudo nelas é visando o bem-estar de seus
abrigados. Mas em todas há lugares básicos, como nas cidades dos encarnados,
que têm escolas, hospitais, praças, ruas etc. Nas colônias também, só que com
mais conforto, bem-estruturados, grandes e bonitos. Visitando tempos depois
hospitais em outras colônias, vi que todas são aconchegantes, diferenciando-se
nas repartições, no tamanho e nos adornos.
“Você,
Júlio, não é mais doente. É sadio! Tem de se sentir sadio! Vamos tentar?”,
dizia para mim Suely, uma das “tias”, sorrindo encantadoramente.
A
deficiência estava enraizada em mim, necessitei entender muitas coisas para
sanar seus reflexos.
Quando
comecei a falar, passei a escutar e a enxergar normalmente e logo a andar.
O quarto
em que estava, como todos os outros, tem a porta grande, sempre aberta, que dá
para um jardim-parque com muitas árvores, flores, brinquedos e animais dóceis e
lindos.
Nesse
jardim há sempre muita claridade e brincadeiras organizadas. Ali há um palco
onde há danças, aulas de canto, música e teatro. Do outro lado dos quartos
estão as salas de aula. Gostei muito de ficar ali, naquela parte do hospital.
Foi meu lar no período em que estive internado. Encantava-me com o jardim-parque
e foi me divertindo sadiamente que me recuperei com certa facilidade. As
brincadeiras fazem parte da recuperação. Não existem medicamentos como para os
encarnados. Não senti mais dores nem desconforto.
O interno
é transferido dali quando quer ou quando se sente apto. Sentindo-me bem, fui
transferido, mudei para a ala jovem do Educandário, como já mencionei, onde
estudei e passei a fazer tarefas. Quando meu curso terminou, pedi para
trabalhar na ala do hospital para recuperação de desencarnados que na carne
foram viciados em
tóxicos. Esse meu pedido tinha razão de ser. Fiquei contente
por ter sido aceito e passei a trabalhar com toda a dedicação.
Na minha
penúltima encarnação tive meu corpo físico perfeito. Que fiz dele? Recordei.
Quando
estava me recuperando no hospital, as lembranças vieram normalmente. Como
“tia” Suely explicou-me, recordar não acontece com todos. Muitos recuperados
voltam a reencarnar sem lembrar de nada do passado.
Lembrei-me
sozinho, sem forçar o meu passado, e “tia” Suely me ajudou a entendê-lo e não
“encucar”, pois o passado ficou para trás e só podemos tirar lições para o
presente.
Principalmente
no meu caso, tentar acertar e não repetir os mesmos erros.
Na minha
encarnação anterior tive por pais os mesmos espíritos que o foram nesta última.
Eles
formavam uma família feliz. Meus pais, casados há anos, viviam
harmoniosamente, tinham duas filhas casadas e netos, quando mamãe engravidou.
Embora surpresos, achando-se velhos, me receberam como presente de Deus. Foram
excelentes pais, me amaram, cuidaram de mim, me educaram, dando ótimos
exemplos. Cresci forte, sadio e inteligente.
Espírito
inquieto, não dei valor a nada que recebia. Achava meus pais velhos, “caretas”
e me envergonhava deles. Era respondão, às vezes bruto com eles. Achava que me
enchiam.
Estudava
numa universidade e comecei a consumir drogas. Não tinha motivos como
desculpas. Não existem motivos para entrar no vício, mas alguns viciados arriscam
algum fator para se justificar. Quis sensações novas e achei que nunca ia me
tornar dependente delas. Das leves às pesadas, me viciei, porém achava que as
largaria quando quisesse. Comecei a gastar mais dinheiro e mentia aos meus
pais, dizendo que era para o estudo. Não desconfiavam e me davam, privando-se
até de remédios.
Foi então
que ocorreu o acidente. Numa viagem de fim de semana, meus pais desencarnaram
juntos num acidente de trem.
Senti a
falta deles, mais ainda do que eles faziam por mim. Não quis morar com minhas
irmãs, fiquei sozinho na nossa casa. Formei-me dois meses depois e arrumei um
emprego. Mas passei a me drogar cada vez mais. E agora não escondia e as usava
em casa.
— Júlio,
por favor, pare com isso! Pense em nossos pais! — diziam minhas irmãs,
preocupadas.
— Não sou
um viciado! Uso-as porque quero e paro quando quiser — respondia rudemente.
Minhas
irmãs, cunhados e até sobrinhos, ao saberem, tentaram me ajudar. Passei a ser
violento, não aceitei a intromissão deles.
Não
produzia no trabalho e, como faltava muito, fui demitido e passei a consumir
cada vez mais tóxicos; me tornei um farrapo humano. Fui vendendo tudo o que era
de valor em casa, não comprei mais alimentos, minhas irmãs que os traziam, como
também passaram a pagar as despesas da casa e alguns débitos meus. Mesmo assim,
não gostava dos meus familiares, não queria vê-los, os evitava e quando vinham
em casa os expulsava violentamente. Senti que eles planejavam me internar.
Então, achando que a vida estava insuportável, resolvi me suicidar. Tomei uma
overdose. Mas não morri, passei mal. Quando melhorei, levantei-me; estava
deitado no tapete da sala. A casa estava uma anarquia. Tomei remédios, todos
que encontrei, o resto de heroína e uma bebida alcoólica, deitei de novo,
certo de que dessa vez ia morrer.
Desencarnei
logo, mas era de noite. No outro dia minha irmã veio com a ambulância para me
levar e acharam meu corpo morto.
Perturbei-me
extremamente. Quando saí do torpor, senti-me preso, no escuro, com cheiro
insuportável. Meu corpo estava enterrado e eu ligado a ele. Somos espíritos
revestidos do perispírito e encarnados no corpo físico. Quando o corpo carnal
morre, o deixamos e este parece somente uma roupa usada. Continuamos a viver
espiritualmente revestidos com o corpo perispiritual. Isso é o que normalmente
acontece. Mas há os que abusam e imprudentemente, como eu, danificam o corpo
físico, a abençoada roupa que nos é dada para nos manifestarmos no campo
material. Não fui desligado e fiquei junto ao corpo, sofrendo atrozmente.
Lembrei-me
dos meus pais, do amor deles por mim e chorei; chamei por eles:
“Mamãe!
Papai! Acudam-me!”
Senti-me
tirado dali, parecia que fiquei ali séculos e não meses.
Não
consegui me recuperar. Internado num hospital para suicidas, estava perturbado
demais. Não tinha desculpa e não quis me perdoar. Que havia feito do meu corpo
perfeito? Danifiquei-o com as drogas. Não merecia outro perfeito.
Faço uma
ressalva, esta é minha história, que ocorreu comigo. Isso não acontece com
todos que foram viciados nem com todos os suicidas. Mas normalmente estes
sofrem muito, se os encarnados tivessem consciência disso, não se drogariam
nem se suicidariam.
Meus pais
preocuparam-se comigo. Amavam-nos muito, a mim e a todos os familiares.
Tiveram
uma desencarnação violenta num acidente brutal. Foram socorridos pelos seus
merecimentos. Sentiram que eu estava mal, então souberam que era viciado.
Tentaram me ajudar, porém essa ajuda é restrita ao livre-arbítrio do necessitado.
Pediram auxílio mentalmente às outras filhas, elas tentaram, ignoraram as
ofensas e tudo fizeram, até se sacrificaram financeiramente, venderam bens para
pagar meus débitos e para ter dinheiro para me internar.
Meus pais
viram tristemente meu suicídio. Só quando me comovi ao lembrar deles é que
puderam desligar-me da matéria podre e me socorrer.
Entenderam
que só melhoraria na matéria. Estava tão perturbado, me desorganizei tanto que
só me recuperaria no corpo físico. Com o esquecimento, me organizaria, encarnado
recuperaria o que por livre vontade desordenei, danifiquei.
Meus pais
reencarnaram unidos por um carinho profundo, casaram novamente e me receberam
alegremente por filho.
“Como sou
grato a eles!”, exclamei após recordar tudo.
“Tia”
Suely sorriu e olhando-me fixamente elucidou-me:
“Aprende
com eles, Júlio, a maior lição que tentaram lhe dar. Amar! E seja grato, muito
grato, a gratidão é uma demonstração do amor. Ingrato, pode perder a ligação
com os seus benfeitores, ficando mais difícil receber benefícios. Grato,
fortifica o laço de carinho que esses dois espíritos nutrem por você.”
“Será que
um dia poderei retribuir a eles um décimo do que fizeram por mim?”, indaguei-a.
“Creio
que os dois não necessitam da ajuda que você pode lhes dar. Seus pais são
espíritos bondosos que em muitas encarnações têm seguido o caminho do bem e do
conhecimento. Para eles só sua gratidão, seu amor, é o suficiente. Mas, Júlio,
a vida lhe dará muitas outras oportunidades de fazer o bem, fazendo a outros,
faz a si mesmo e conseqüentemente àqueles que nos amam, que querem nosso
progresso.”
“Sou
muito inferior a eles para ajudá-los...
“Não faça
comparações!”, continuou Suely a elucidar-me. “Todas me parecem injustas.
Pense neles como alguém que ama e que quer vê-lo bem. Quando você, socorrido,
necessitou encarnar, eles se ofereceram para serem seus pais novamente. Não
precisariam eles passar pelo que passaram, ter um filho doente e sofrer com a
sua desencarnação precoce. Mas o amaram tanto que não quiseram você num lar
estranho. Preferiram passar tudo, mas com você junto deles.”
Abaixei a
cabeça, senti muito ter sido ingrato. Almejei seguir seus exemplos. Suely,
lendo meus pensamentos, concluiu:
“Isso,
Júlio, faça do exemplo deles a meta da sua vida. E não pense que esse período
em que você esteve com eles lhes foi tão sacrificial. Aqueles que amam não vêem
sacrifícios. Tiveram que modificar um pouco a vida deles quando você nasceu.
Seus pais eram professores universitários e programaram horários diferentes de
trabalho para que sempre um deles pudesse estar com você. Fizeram de tudo para
melhorar seu estado e lhe dar conforto. São adeptos do Budismo, conhecem a reencarnação.
Viram em você um espírito reencarnante necessitado de carinho e amor.
Aproveitaram esse período difícil por que passaram, aprenderam muito,
tornaram-se mais religiosos e estudiosos espirituais. Não tiveram sofrimentos-débito,
mas crédito diante das Leis Divinas. Quando você desencarnou recentemente, tudo
fizeram para ajudá-lo. Hoje, estão tranqüilos em relação a você, sabem que está
bem e, se quiser fazer algo por eles, seja o que eles lhe desejam.”
“Eles
desejam que eu seja feliz!”, exclamei.
“Simples?”,
indagou Suely, sorrindo.
“Não
posso ter dó de mim nem remorso, isso gera inquietude e insatisfação. Quero ser
útil, aprender e fazer o que eles querem, o que desejam para mim.”
Suely
apertou minha mão e retirou-se, fiquei sozinho e fiz um propósito de melhorar,
de ser como eles, e tenho conseguido. O amor deles me sustenta!
Explicações
de Antônio Carlos
Ao organizar este
livro, fiz alguns estudos e pesquisas. Quantas vezes se erra junto a outras
pessoas, e é dada a oportunidade de resgatar reparar unidos. Ter um filho
deficiente mental pode parecer sofrimento a muitas pessoas. Creio que é
trabalhoso. Mas para muitos pais não é uma coisa nem outra. É estar perto
daquele que amam. Encontrei muitos que agiram, agem como os pais de Júlio. Que
amam tanto o espírito que necessita desse aprendizado que reencarnam para
ajudá-lo, fortalecendo os laços desse afeto verdadeiro.
O personagem deste
capítulo teve uma paralisia. É o nome que se dá a uma sequela de doença
neurológica. Pode ser paralisia total ou parcial, com ou sem outros distúrbios
de fala, audição, visão etc. A causa pode ser trauma de parto, congênito ou
genético.
Júlio aprendeu a ser grato e, quando cultivamos a
gratidão, nada nos parece injusto, e as ingratidões não nos atingem, porque
tudo o que fazemos é por amor e sem esperar recompensas. Devemos lembrar só o
que de bom recebemos e esquecer todo o mal. Os pais de Júlio não só devem ser
exemplo a ele, mas a todos nós.
Há tempos atrás, quando Júlio em sua encarnação
anterior desencarnou pelas drogas, elas não eram tão influentes como hoje.
Tenho visto muitos imprudentes se viciarem, comprometendo-se muito
espiritualmente. Os tóxicos existem, e ai de quem deles abusar
Vimos na história real de Júlio uma infeliz reação
das muitas que podem acontecer aos que abusam do corpo perfeito, danificando-o
com tóxicos, envenenando até seu perispírito, gerando muito sofrimento.
3
Lucy
Para mim, até uma certa idade, achava
tudo normal, sentia como os outros, era feliz e o centro das atenções e
cuidados.
Meus
genitores, pessoas bondosas e simples, foram excelentes pais e educadores de
nós quatro.
Éramos em
três filhos, e eu, a única garota. Não parava quieta, fazia artes, mexia em tudo. Era repreendida,
mas de modo carinhoso.
— Não
mexa aí, Lucy! Você pode se machucar!
Tinha
medo de me machucar, por isso não mexia em nada perigoso. Que me lembre, me
machuquei poucas vezes, ao cair por andar sem muita coordenação motora, mas
nada sério, só umas raladas.
Era
medrosa, tinha medo de dormir sozinha, por isso sempre dormi no quarto de meus
pais. Meus irmãos costumavam trancar seus quartos para que eu não entrasse e
bagunçasse seus brinquedos e cadernos. Adorava rabiscar cadernos.
Às vezes
fazia birra, gritava e esperneava, queria algo e, se não me dessem, chorava
fazendo um escândalo. Nunca levei uma palmada, mas também não me davam o
objeto desejado, a causa da birra. Aprendi a me controlar, entendi que não
adiantava chorar. Isso foi importante para mim. Eduquei o gênio caprichoso de
outrora.
Era uma
deficiente mental. Minha mãe, na minha gestação, teve rubéola. Meus pais,
espíritas já naquela época, não quiseram nem falar em aborto.
Para
descrever a história de minha vida, conversei muito com papai e mamãe. De posse
de mais detalhes, narro-a com mais entendimento.
— Sinto,
Lourdes — disse papai Antônio a minha mãe —, que essa criança, esse espírito,
necessita de nós, de reencarnar, não devemos privá-la dessa oportunidade. Se
nascer perfeita, melhor, mas se não, será amada do mesmo modo. Se esse espírito
necessita de um aprendizado num corpo deficiente, não terá sido à toa.
E tudo
fizeram para que a gravidez fosse calma. Nasci. Era deficiente.
E desde
pequena fui cercada de carinho e atenção. Andei e falei depois dos quatro anos,
graças aos exercícios que papai fazia comigo. Ele era militar, gostava de
esporte, recebera de amigos do exército um livro ou folheto de exercícios para
desenvolvimento de pessoas deficientes físicas, e esses exercícios me fizeram
desenvolver. Tinha papai muita paciência, e todos os dias trabalhava comigo.
Para não me cansar, os fazia cantando e brincando.
Pela
profissão do meu pai, mudávamos muito de cidade. Embora fossem pessoas boas,
educadas, sofriam o preconceito por serem espíritas e por terem uma filha
deficiente mental. Isso cinqüenta anos atrás. Tenho observado que atualmente
ainda existem muitos preconceitos em relação à deficiência. Embora tenham
diminuído e as pessoas tenham se esclarecido, ainda há. Não deveria haver,
espero que com o amadurecimento moral da humanidade o preconceito desapareça.
Não me
importava de mudar de cidade, gostava da casa nova. Ainda não havia notado
diferença nenhuma entre mim e os outros, até mudarmos para uma cidade bonita
que no inverno fazia muito frio. Gostamos da cidade, da casa e logo fizemos
amigos. Eu era a Lucy, a filha querida, a irmãzinha dos garotos fortes, bonitos
e levados. Era a princesinha. Era amada.
Tinha
então dezesseis anos, mas sentia, era como se tivesse cinco.
Havia na
vizinhança muitas crianças. Gostava de vê-las brincando na rua. As vezes ia
para perto delas, até que me deixavam brincar. Mas às vezes atrapalhava porque
queria ser o centro das atenções, agia com elas como estava acostumada a fazer em casa. Para continuar
brincando com a garotada, tive de aprender a repartir e esperar minha vez. Foi
um ótimo aprendizado.
Não gostava de
brincar de correr, não conseguia, tinha medo de cair. Quando elas corriam,
ficava só olhando.
Tornei-me amiga,
muito mesmo, de Joana, ela morava próximo a nossa casa. Ia muito em casa e brincávamos
de boneca, de casinha. Mamãe agradava todas as crianças e tratava-as bem quando
iam em casa. Joana
tinha paciência comigo, deveria ter uns oito anos.
— É assim, Lucy —
dizia ela —, pega sua filhinha assim, e a faça dormir.
Até que um dia
fui chamá-la para brincar, e ela me falou:
— Não vou mais
brincar com você! É muito boba! Mamãe tem medo que eu fique igual a você. É
retardada! Vá embora!
Voltei para casa.
Então chorei sentida por não poder mais brincar com ela. Mamãe logo veio ver o
que acontecia:
— Que foi, Lucy,
caiu? Tem dor?
— Joana não quer
mais brincar comigo. Ela não quer ficar boba como eu! Que é boba, mamãe? Sou
uma?
Falava errado,
mas todos entendiam.
— Claro que você
não é boba! — falou mamãe. — Você é linda e perfeita! Venha comer o bolo de
chocolate.
— Mas não
era para depois do almoço?
— Vou dar
um pedaço agora para você!
Entreti-me
comendo bolo e mamãe chorou sentida. Muitas vezes ela chorou, meus pais
sofreram por eu ser discriminada.
Papai era
querido e benquisto pelo seu trabalho honesto e dedicado. A noite foi falar com
os pais de Joana:
— Senhor
Antônio, nos desculpe — disse a mãe de Joana. — Houve um mal-entendido. Joana
está brincando muito e atrasada na escola, ela só poderá brincar agora, no
período de aulas, por pouco tempo. Tem de estudar!
Joana
passou a brincar pouco comigo. Senti. Então passei a notar que era diferente
dela e das outras meninas. Elas eram mais bonitas, corriam e falavam
corretamente. Passei a ter algumas crises de tristeza. Queria ser como elas.
Mas não as tive por muito tempo, me entristecia por minutos, distraía-me com
facilidade.
Ia ao
centro espírita uma vez por semana com meus pais para tomar passes. Gostava,
para mim era um passeio, sentava e ouvia a leitura do Evangelho ou as
palestras. Não entendia, mas sentia bons fluídos, que me acalmavam. As vezes
conversava ou ria, e era só me chamarem a atenção que voltava a ficar
quietinha. Foram amigos espirituais que muito me ajudaram e confortaram.
Papai me
falou recentemente, quando já estávamos todos desencarnados, que logo que nasci
era perseguida por entidades que não me perdoavam, e que por meio de reuniões
espíritas esses espíritos foram doutrinados e encaminhados. Fiquei contente ao
saber desse fato. Isso os ajudou e a mim também.
Joana
vinha em casa menos vezes, brincava um pouco e ia embora, porém arrumei outras
amigas. Mas sabia que era diferente.
— Você é
uma menina especial — dizia papai. —Amamos você!
Preferi
pensar assim. Voltei a ser alegre.
Doenças?
Tive poucas, nada de importante. Alimentava-me bem, sempre gostei de passear e
ver pessoas. Ria muito, como também chorava com facilidade.
Meus
irmãos ficaram adultos e se casaram. Gostei das minhas cunhadas, eram boas e me
agradavam. Gostava muito de uma, a que casou com meu irmão Toninho, o mais
velho, que eu chamava de Linho. Ela era espírita e me tratava como uma
irmãzinha.
Os três
casaram e moravam em cidades diferentes. Papai aposentou-se e mudamos para uma
cidade maior, onde Linho morava com a família.
Nessa
cidade, papai escolheu uma casa perto de uma escola especializada, e fui
estudar.
No
primeiro dia, me espantei e comentei em casa:
— Mamãe,
lá só têm bobos!
Percebi a
diferença. Lá havia pessoas piores do que eu, havia os que não andavam, e eu
sim, falava, e muitos não. Isso me motivou a ser melhor, a me esforçar e até
querer ajudá-los. Gostei da escola, me sentia feliz em freqüentá-la. E
até aprendi a ler! Gostava muito de tocar na bandinha, de cantar, desenhar e
fazer pequenos trabalhos. Tarefas simples que para mim eram o máximo.
Linho
ficou desempregado. Mudaram para outra cidade por ter sido admitido em outra
firma. Mas também não deu certo e ele ficou novamente desempregado. Ele ficou
doente, teve câncer e desencarnou após muito sofrimento. Minha cunhada sofreu
muito, viúva com três filhos e sem aposentadoria. Ainda bem que ela morava
perto dos pais dela. Papai a ajudou como podia. Batalhadora, arrumou um emprego
e conseguiu criar os filhos.
Com
tantos problemas afastou-se de nós, como meus outros irmãos, que tinham seus
problemas e filhos. Vinham nos visitar raramente.
Meus pais
já estavam velhos, eu tinha quarenta anos. Preocupavam-se demais comigo. Temiam
desencarnar e me deixar sozinha.
Papai
ajudava muito minha escola, participou ativamente de sua reforma, fizeram um
abrigo para deficientes mentais abandonados. Ele então construiu nela um
apartamento que seria destinado a mim. Ficaria lá quando eles desencarnassem.
Ele fez tudo pensando no meu conforto e organizou toda a documentação. Ia
deixar a casa em que morávamos, o único bem que possuíamos, para os netos e sua
aposentadoria para mim, para minha escola receber e cuidar de mim.
Tínhamos
amizade com todos os vizinhos, mas havia um casal quase da idade dos meus pais
que se tornou nosso grande amigo. Gostavam de mim como filha. Até se ofereceram
para ficar comigo quando meus pais morressem.
— Vocês
são tão velhos como nós — disse mamãe rindo.
— Está
bem — dizia a vizinha —, somos também velhos, mas, se morrerem primeiro, iremos
visitar Lucy todos os dias.
Explicaram-me
o que era a morte do corpo:
— Todos
nós, Lucy — dizia sempre papai —, iremos desencarnar. Isso é simples e não
devemos complicar.
Entendi.
Eles iriam desencarnar, e eu iria morar por algum tempo na escola junto com
outras pessoas.
— Está
bem — respondia —, vou e fico boazinha!
Para mim
não tinha problema, compreendi que tudo o que eles, meus pais, faziam, era para
meu bem. Amava-os e era amada, ou melhor dizendo: sou amada.
Um dia
tive uma agradável visita e fui logo contar à mamãe:
— Mamãe,
vi o Linho! Ele está muito bonito, estava vestido com aquela jaqueta azul que
eu achava linda. Ele riu para mim.
— Que
bom, filhinha — disse mamãe. — Linho veio nos ver.
— Ele me
disse algo.
— Que foi
que ele lhe falou? — indagou mamãe, curiosa.
— Que
estão muito preocupados comigo. Não deveriam. Não irá ser como pensam. E disse
mais, que logo irá me levar para ver lugares bem bonitos.
Mamãe
encabulou-se, e papai, ao saber, disse tranqüilo:
— Acho,
minha Lourdes, que estamos realmente muito preocupados com Lucy e esquecemos
que muitos amigos espirituais devem estar nos ajudando. Toninho também deve
estar nos assistindo.
Continuamos
indo ao centro espírita, sempre fomos. Papai e mamãe, embora velhos, eram
ativos nos trabalhos, ajudavam muito, tanto no centro espírita como na minha
escola.
Numa
manhã de inverno, como estava demorando a levantar, mamãe veio me chamar e me
encontrou morta. Desencarnei na madrugada. Acordei com uma forte dor no peito,
e Linho ao meu lado.
“Lucy,
minha irmãzinha querida, vim como prometi levá-la para conhecer onde moro.
Calma, a dor passará logo. Calma!”
Segurou
minha mão, confiei, a dor passou e voltei a dormir.
Desencarnei
por um infarto. Tinha quarenta e um anos e alguns meses. Linho pôde estar junto
a mim nessa hora e ajudar os socorristas, amigos nossos do centro espírita que
freqüentávamos, a me desligar. Quando senti adormecer novamente, meu corpo já
havia morrido e me levaram, logo após o desligamento, para a colônia.
Papai
chamou um médico amigo nosso e espírita também, e ele constatou minha
desencarnação.
— Senhor
Antônio, Lucy partiu para o plano espiritual!
Papai e
mamãe se abraçaram, mas não choraram.
— Deus
foi bom conosco, Antônio — disse mamãe —, levou-a primeiro.
— Bem que
Toninho disse a ela que estávamos preocupados demais. Ele esteve junto dela e
estará. Com ele nossa menina não estranhará a sua nova morada.
Acordei e
vi Linho ao meu lado. Fiquei contente:
“Que faz
aqui Linho? Vejo—o diferente.
“Lucy
querida, você sabe que meu corpo morreu faz tempo, não sabe?”
“Sei, e
que foi morar num lugar bonito no plano espiritual.”
“Menina
sabida! Foi isso mesmo e você veio morar comigo.”
“Desencarnei?
Mas não era papai e mamãe que o fariam primeiro?”
“Bem,
mudamos os planos. Você veio primeiro para esperá-los. Quero que se sinta bem
aqui. Ficarei com você!”
Abraçou-me
e beijou-me. Senti-me bem, protegida e feliz.
Ele pôde,
com permissão, cuidar de mim. Ficar comigo até adaptar-me. Ele morava numa
casa bonita com meus avós paternos, e fui abrigada lá, onde me estabeleci.
Aquela casa tornou-se meu lar. Tratada novamente com muito carinho, me senti
sadia, comecei logo, uns dias depois do meu desencarne, a fazer um tratamento
que me livrou dos reflexos das minhas deficiências.
Meses
depois, creio que três, estava me sentindo perfeitamente normal. Estudei e
passei a fazer pequenas tarefas.
Mamãe, um
ano depois que desencarnei, teve um infarto e desencarnou. Pudemos, Linho e eu,
orientá-la nos primeiros tempos. Ela se preocupava com papai, agora sozinho.
Mas ele
esperou com calma sua vez e oito meses depois de mamãe desencarnou. Ele estava
se sentindo doente, e a vizinha, nossa grande amiga, o internou no hospital.
Meus irmãos vieram vê-lo. Dias depois de internado desencarnou tranqüilo e veio
encontrar-se conosco imediatamente.
Passamos
a morar todos juntos, meus avós, pais, Linho e eu. Estamos bem e felizes.
“Bendito
o Espiritismo”, disse meu pai. “Ele nos deu uma compreensão sobre a vida e
sobre a morte.”
“Eu que o
diga”, falei alegre, “por ele os senhores não me abortaram, me ajudaram a me
reconciliar com meus inimigos e, com a compreensão da desencarnação, não
sofremos com a separação momentânea e tudo nos foi facilitado.”
“Mas”,
disse Linho, “não basta ter religião externamente, só de falar, sem senti-la
interiormente e sem seguir os ensinos de Jesus, O Espiritismo nos dá muita
compreensão, mas dobra nossa responsabilidade. Fomos todos socorridos pelas
nossas obras, por merecer!”
Isso
aconteceu há alguns anos. Hoje faço planos de reencarnar e encarnada trabalhar
na recuperação de deficientes físicos e mentais.
Mas o que
fiz no passado para desorganizar-me assim e perder a oportunidade de ter um
corpo perfeito?
Procurei
saber. Não recordei. Meus pais me contaram, porque eles recordaram. Soube só o
necessário, e foi o bastante.
Na minha
encarnação anterior à passada, era uma jovem bonita, mas pobre e muito
ambiciosa, planejei casar com alguém que pudesse me dar luxo e riqueza. E a
oportunidade apareceu. Um fazendeiro rico da cidade ficou viúvo e tudo fiz para
conquistá-lo. Esse fazendeiro era o espírito que nesta foi meu pai, Antônio, e
sua primeira esposa veio a ser Lourdes, a minha mãe nesta última, como Lucy.
Acabei,
depois de muito insistir, casando com ele. Tentei conquistá-lo, mas ele nunca
me amou, mas sim a sua primeira esposa. Má, cínica, infernizei a vida dos meus
enteados e de todos os moradores e servidores da casa-grande. Caprichosa,
quando queria algo tinha de ser atendida com rapidez e perfeição. Castigava sem
piedade as escravas que me serviam. Tive três filhos, que deixei com as amas e
as impedia de verem seus filhos. Meu esposo ficou doente e passei a cuidar da
fazenda, para a infelicidade de todos os escravos. Foi um horror!
Judiei
dos escravos e tornei-me odiada. Meu esposo morreu, e um filho dele, de seu
primeiro casamento, veio para cuidar da fazenda. Não gostei que me tirasse a
autoridade e planejei matá-lo. Mas meus planos fracassaram, ele soube de tudo,
me tirou todo o poder, me expulsou da casa-grande. Passei a morar em outra casa
menor ao lado dessa. Não podia mais dar ordens nem castigar os escravos.
Desencarnei velha, doente e sozinha. Fiz muitos inimigos que me perseguiram por
anos. Meu esposo arrependeu-se de ter casado comigo e ter permitido que fizesse
maldades, e por ter atendido aos meus caprichos.
Quando
fui socorrida, estava perturbadíssima, queria esquecer e não ver mais meus
inimigos. Os orientadores planejaram reencarnar-me. Meu ex-esposo e sua
primeira mulher estavam reencarnados e casados. Foram consultados, quando
desligados pelo sono, quanto à possibilidade de me aceitar por filha. Souberam
que seria deficiente. Aceitaram e prometeram me ajudar a me recuperar e a me
educar.
Fizeram
com êxito. Sou muito grata a eles.
Hoje,
ciente dos meus erros do passado, me sinto feliz por ter me reconciliado com
todos que prejudiquei e ofendi, e por saber que terei outras oportunidades de
fazer o bem, de construir e progredir.
Explicações de Antônio
Carlos
Rubéola, no primeiro trimestre de gravidez, pode provocar surdez e
catarata congênita.
Ao ajudar a recuperar alguém, estamos muitas vezes
fazendo a um ente querido ou tendo oportunidade de nos reconciliar com um
desafeto do passado. Lourdes, quando desencarnou como a primeira esposa, viu
com tristeza a segunda esposa do seu marido judiar de seus filhos e os seus
planos para matar um deles. Teve-a por tempo como inimiga, a quem odiou. Do
ódio à mágoa e, reencarnada como mãe dela, ao amor filial. Antônio, o pai,
como esposo permitiu suas maldades por comodismo e cansaço. Errou, tinha de
impor sua autoridade para contê-la. Teve muita mágoa dela quando desencarnou.
Mas Antônio e Lourdes queriam-se bem, resolveram esquecer, perdoar e aproveitar
nova oportunidade e reencarnar. Uniram-se novamente e afetos queridos vieram a
ser seus filhos. Mas Lucy necessitava reencarnar, aceitaram-na, não só se
reconciliaram como a ajudaram, e muito.
Religião não é o fim, mas o meio que nos ajuda a
compreender o que somos, de onde viemos e para onde vamos. E o Espiritismo lhes
deu essa compreensão, facilitando tanto o entendimento da vida encarnada como a
desencarnação e a mudança que tiveram com ela.
Foi um prazer conhecer senhor Antônio e dona
Lourdes, que em conversa agradável me contaram que, quando Lucy nasceu, um médico,
ao examiná-la, lhes deu o diagnóstico de que provavelmente ela seria quase
como um vegetal e que morreria certamente na adolescência. Aceitaram-na com
carinho por filha e fizeram de tudo para reabilitá-la, e ela passou a
adolescência, foi o conforto e a companhia na velhice deles e desencarnou após
muitos, muitos anos do previsto. E isso tem acontecido, felizmente, com muitos
deficientes que, bem cuidados e amados, têm se reabilitado, e muitos, como
Lucy, aprendem a ler, a trabalhar e até vivem bem sozinhos.
Senhor Antônio e dona Lourdes trabalham com
dedicação no hospital de uma grande colônia no plano espiritual com
desencarnados que ainda sentem os reflexos das deficiências que tiveram no
corpo físico.
4
Maria Cecília
Quanto mais penso, pois
tenho pensado muito desde que o doutor Antônio Carlos me convidou para escrever
minha história, o relato de minha vida ou delas, concluo que a deficiência
mental e motora, Síndrome de Down, que tive nesta encarnação, causou uma
existência com problemas, dificuldades, mas também com alegria e muito amor.
Foi um grande aprendizado e sou muito grata por ter tido essa oportunidade,
embora saiba que poderia ter reparado e aprendido pelo trabalho edificante. Mas
trabalho muitas vezes recusado fórça a dor a ensinar.
— Como
você está bonita, Maria Cecília!
Escutava
sempre um dos familiares dizer isso, gostava de ouvir, ria alegre. Como também
me sentia bem, segura com os beijos e abraços.
Vivi
quatorze anos e oito meses num corpo deficiente, não percebi que era
diferente. Fui o centro das atenções, era a Cecília, a garotinha especial, a
menininha que freqüentava escola especializada, era servida, ajudada; não
consegui entender que outras pessoas eram diferentes de mim.
Claro que
agora, anos depois de desencarnada, recuperada, tenho algumas lembranças desse
período.
Tudo que
consegui fazer, aprender quando encarnada foi com muito esforço e paciência
dos que me ensinaram. Falei com dificuldade, de modo incorreto e frases
curtas, mas era compreendida. Houve algo que falei quase com perfeição, foram
palavras que vovó Delaide (Adelaide) me ensinou e que, por todos acharem
bonito, repetia sempre:
— Jesus,
Maria, José...
Meu nome
nunca disse certo.
—
Ceila...
E os
amiguinhos da escola me chamavam assim. Mas mamãe sempre fez questão de me
chamar corretamente:
— Maria
Cecília! — E às vezes completava, carinhosamente: — Minha boneca...
E me
vestia como uma. Estava sempre muito bem vestida, perfumada e penteada, embora
me arrastasse pelo chão e me sujasse para me alimentar.
Cresci,
aprendi a andar e a me comportar melhor. Tinha dois irmãos mais velhos. Creio
que tumultuei a vida deles. Meus pais descuidaram dos dois por se ocuparem
muito comigo.
Podia
fazer tudo, eles não. Estragava objetos deles, choravam e reclamavam. Papai ficava
furioso, bravo, ninguém podia fazer nada comigo.
—
Coitadinha da Cecília — dizia ele —, vocês são perfeitos e sadios, ela não!
Creio
agora que poderia ter sido um pouco diferente, teria sido melhor se tivessem
me repreendido. Também deveria ter tido limites. O meio-termo seria o ideal. Os
outros dois tinham necessidades, também queriam atenção.
Meus pais
estavam bem financeiramente. Mamãe só cuidava de mim. Levava-me a todos os
lugares possíveis para que melhorasse. Tive todo tratamento e realmente reagi,
aprendi muitas coisas.
Meus pais
tornaram-se espíritas. Levavam-me ao centro espírita para tomar passes.
Gostava
muito, sentia-me bem ali. Era receptiva, recebia bons fluídos que muito me
beneficiaram.
Estava
com treze anos quando comecei a me queixar de cansaço e, como estava muito
desanimada, meus pais me levaram ao médico e, após muitos exames, eles carinhosamente
tentaram me explicar que estava doente e que necessitava tomar remédios para
sarar logo. Mas fui só piorando e me sentia muito mal. As atenções redobraram.
Até meus irmãos, agora mocinhos, tiveram mais paciência comigo. Os dois me
amavam, na infância tinham ciúmes de mim e às vezes até quiseram ser como eu,
para ser alvo de mais atenção.
Foi um
período difícil. Muitas injeções, remédios e internações. Não gostava de ir
para o hospital, lá recebia soro, sangue, achava ruim, sofria. Percebi que se
chorasse mamãe e papai o faziam também, e não gostava e não queria vê-los
chorando. Surpreendi a todos, fiquei quieta, resignada e só chorava baixinho
com as injeções doídas.
—
Surpresa! Vim visitar você, Cecília! — disse uma senhora ao entrar no meu
quarto.
Alegrei-me,
gostava muito dela, era uma passista do centro espírita que freqüentávamos.
Senti-me bem, gostei da visita e pedi a ela para voltar. Assim passou a ir
muitas vezes me ver, conversar comigo e me dar passes. Essas visitas me
confortavam e muito me ajudaram.
Sofri
muito, o câncer, a leucemia, foi me definhando. Estava no hospital e aquele
dia me senti melhor.
— Cecília
teve uma boa melhora. Vão descansar, vão para casa e tentem dormir um pouco —
disse o médico aos meus pais.
Eles
concordaram, me beijaram e saíram. Uma enfermeira sentou-se ao lado da minha
cama, sorriu para mim, ensaiei um sorriso. Ela pegou um livro e pôs-se a ler.
Estava com sono e dormi.
Desencarnei
tranqüila. Acordei dias depois num quarto diferente.
“Bom dia,
Maria Cecília! Não me reconhece’? Sou sua avó Delaide! Agora irei cuidar de
você. Não irá mais tomar injeções. Não é bom?”
Ri feliz.
Vovó Adelaide desencarnou quando eu estava com oito anos. Ela cuidou muito de
mim. Ficou doente e desencarnou. Senti sua falta por uns tempos, depois
esqueci. Agora, ao vê-la, senti que a amava muito. Alegrei-me ao vê-la junto a
mim. Estava me sentindo bem melhor e sem dores.
“Você irá
sarar logo!”, disse vovó, e eu acreditei.
Foi um
período difícil porque queria meus pais, minha casa e meus irmãos. Queria de
qualquer maneira! Ainda mais que fui me sentindo cada dia melhor, sadia.
Tratada
com carinho e muita paciência, só quando fui me livrando dos reflexos da
deficiência mental que pude compreender que meu corpo morreu e que vivia em
outro lugar.
Chorei
muito nesse período. Queria estar encarnada, na minha casa, com meus pais e
irmãos.
Dos
reflexos da leucemia sarei logo, isso me deixou sem dores; da deficiência
mental fui me recuperando aos poucos. Vovó Adelaide fez de tudo para me ajudar.
Fiz tratamento no hospital da colônia, onde estão internados os que foram
encarnados deficientes mentais, por quase dois anos para me livrar de todos os
reflexos e me recuperar.
Meus
pais, espíritas, muito me ajudaram. Conversava muito com vovó e ela me
orientou para que entendesse o que ocorreu e acontecia comigo.
“Por que
meus pais se tornaram espíritas, vovó?”, indaguei curiosa. “Como a senhora já
me disse, eles tinham outra religião e se tornaram espíritas por minha causa.
Fale sobre isso.”
“Não foi
fácil para seus pais ter uma filha deficiente. São pessoas da sociedade,
conhecidas e com grande círculo de amizades, tinham dois filhos perfeitos e
bonitos, esperavam uma menina e veio você, com Síndrome de Down.”
“Devo ter
sido uma decepção para eles.”
“No
começo, talvez, mas a aceitaram e a amaram. Sempre, nessas ocasiões, escutaram
de tudo, ficaram chocados diante de alguns comentários, mas tiveram também
conselhos bons e equilibrados. Ainda bem que, sensatos, ouviram os bons. Mas
palpites inconseqüentes os machucaram no começo. Foram disparates assim:
‘Crianças que
nascem como a de vocês, foi porque os pais pecaram’. Sua mãe chorou muito ao
ouvir isso e indagou ao seu pai:
“Será que
erramos? Você pecou tão gravemente assim? Eu não fiz nada de errado!’
“Nem
eu!’, disse seu pai. ‘Se alguém pecou foi você!’
“Depois
de algumas ofensas, entenderam que não deveriam brigar. Consultaram o dirigente
da religião que seguiam na esperança de explicações.
“De fato,
pode ter sido pelos erros dos pais!’, disse o dirigente, encabulado.
“É justo o
inocente pagar pelo pecador? Depois, o senhor nos conhece desde pequenos. Que
fizemos de tão grave?’, perguntou sua mãe.
“Bem’, disse o
dirigente, indeciso, ‘é que ela, Maria Cecília, quando morrer irá para o céu...
“Deus é
injusto!’, disse seu pai. ‘Sinto em dizer que Deus é injusto se isso for
verdade. Faz à revelia um filho Dele retardado e depois o manda para o céu.
Porque ele, deficiente mental, não faz o mal, mas também não tem condições para
fazer o bem. Aliás, não faz nada! E Ele me deu inteligência e posso fazer o bem
e o mal, se errar me manda para o inferno! Então Deus está sendo injusto comigo!
Não aceito essas explicações, como também não aceito o acaso. Se o acaso foi
maior que Deus, Este não existe.’
“Inconformados,
se afastaram da igreja. Mas seu pai quis achar uma resposta e pôs-se a
pesquisar nos numerosos livros que possuía. Comentou com sua mãe alguns meses
depois:
“Acho, querida,
que os orientais é que estão certos. A reencarnação deve existir. Se acreditar
nisso, volto a crer no Deus justo!’
“Os espíritas
acreditam na reencarnação’, disse sua mãe. ‘Nossa vizinha é, ela tem me consolado.’
“Vamos conversar
com alguém espírita e pedir a eles opinião sobre os excepcionais.’
“Fizeram isso. E
tornaram-se espíritas. A Doutrina Espírita deu a eles informações certas. E
eles, inteligentes, aceitaram.
“Temos
muitas oportunidades de voltar à Terra em corpos diferentes e que são adequados
para o nosso aprendizado necessário. Quando há muito abuso, há o desequilíbrio,
e para ter novamente o equilíbrio tem de haver a recuperação. Quando se
danifica o corpo perfeito, podemos por aprendizado tê-lo com anormalidades
para aprender a dar valor a essa grande oportunidade que é viver por períodos
num corpo de carne. O acaso não existe, Deus não nos castiga, somos o que
fizemos por merecer, e as dificuldades que temos encarnados são lições
preciosas.”
Mesmo com
o entendimento que tinham sobre a morte do corpo, meus pais sofreram com a
minha desencarnação. Sentiram falta da minha presença física, mas aceitaram,
se conformaram e logo após reorganizaram suas vidas. Então perceberam o tanto
que haviam deixado os outros dois filhos carentes. Arrependeram-se, mas como
não podiam voltar o tempo, tentaram consertar. Tiveram de conviver com muitas
mágoas dos dois. Mas são uma família feliz. Com paciência e carinho superaram,
são unidos.
Meu pai
ajuda financeiramente até hoje a escola onde estudei, me orgulho disso,
normalmente essas escolas são carentes de finanças. E mamãe passou a ser
voluntária. Isso foi muito bom para ela e ótimo para a escola, pois também em
muitas há falta do calor humano. Sempre há muito que fazer e voluntários são
sempre bem-vindos.
Como
disse, não foi muito fácil minha adaptação no plano espiritual, porque queria
voltar para casa. Como vovó me explicou, se isso acontecesse com um adulto sem
deficiência mental, ele voltaria pela vontade. Mas com criança ou com
deficiente mental isso não costuma acontecer. Eu estava com quatorze anos, mas
era criança, me sentia uma. Internos no Educandário não saem sem permissão, só
acompanhados. E tudo é feito para que a criança, o deficiente mental, se adapte
ao novo lar. Embora uns demorem mais que outros, acabam por amar a nova
morada, porque o plano espiritual é lindo e aqui somos amados.
Foi minha
insistência em voltar para casa que retardou um pouco minha recuperação.
Mas
acabei por me adaptar e tornei-me sadia e feliz.
Hoje
trabalho no hospital que abriga suicidas, também estudo e quero, logo após meus
estudos, trabalhar com uma equipe que tenta auxiliar encarnados a não cometer
esse ato infame que é o suicídio. É um trabalho difícil, sei disso, todos têm o
livre-arbítrio a ser respeitado. São muitas as equipes espalhadas pela Terra,
que têm conseguido muitos bons resultados. Anseio por ir encontrar com eles.
Após meu estudo, estarei apta a trabalhar com a equipe. Tudo o que se faz com
conhecimento se faz melhor.
Você já
deve estar querendo saber o porquê de eu ter necessitado do aprendizado num
corpo deficiente mental, e o porquê de ter escolhido trabalhar com suicidas.
Bem, há
muitas encarnações tenho procurado estudar, agindo assim desenvolvi minha
inteligência, mas também deixei o orgulho e a vaidade ficarem fortes em mim. Neguei-me
tremendamente a fazer o bem a quem quer que fosse. Detestava pessoas sem
instrução e achava inferiores as que tinham dificuldades para resolver seus
problemas, ou seja, as menos inteligentes. Na minha penúltima encarnação,
estudiosa, com muitos conhecimentos, vivia a avidez de meu saber, quando
descobri que estava com câncer. Atéia, resolvi morrer antes da doença me matar.
Planejei com calma o melhor modo de morrer. Suicidei-me com uma dose forte de
veneno. Que engano cruel! Continuei viva e junto ao corpo em decomposição,
depois fui levada ao Vale dos Suicidas. Sofri horrores. Sofreria bem menos, mas
muito menos mesmo, com o câncer.
Por nada
se deve matar o corpo, mesmo que este seja deficiente ou doente. Tudo passa,
mas a dor, o remorso do suicida parece não passar. Sofri muito e por muito
tempo, até que fui socorrida, entendi então que perdi muitas oportunidades com
minha tola ilusão de querer ser inteligente. Pedi e me foi dada uma outra
oportunidade de aprendizado.
Recuperei-me
num corpo deficiente, reorganizei o que destruí com meu orgulho, suicídio e
remorso.
Meus
pais, pessoas orgulhosas, necessitavam de um “chacoalhão” da vida, de algo que
os despertasse para uma outra realidade. Agora, eles são gratos ao aprendizado
que tiveram. Não foi fácil para eles, orgulhosos, terem de enfrentar o
preconceito. Mas a dificuldade os fez religiosos e passaram a entender o
porquê de estarem revestidos de um corpo carnal e, mais ainda, que Deus é justo
e bom. Fui para eles a oportunidade de despertar para um entendimento maior.
Mas quem aprendeu, quem teve uma grande oportunidade, fui eu. Sou grata!
Compreendi que Deus é Pai Amoroso que nos dá sempre novos ensejos. Bendigo a reencarnação!
Explicações
de Antônio Carlos
Creio que certamente é um transtorno na vida de um casal que feliz
espera a vinda de um filho e depara com uma realidade que, no momento, lhe
parece cru el: um filho deficiente! Muitos superam de modo extraordinário,
enfrentam, mas não podemos dizer que não houve lutas e sofrimentos. E, se
superaram, puderam um dia dizer: “Enfrentei, fiz o melhor que me foi possível”.
E que bom dizer também: “Aprendi muito e progredi espiritualmente”. É como
muitos têm aprendido com este “chacoalhão” como disse Cecília.
Ao defrontar com esse problema,
muitos pais têm amor ou desprezo pelo pequenino ser. Uns os protegem demais,
como fizeram os pais de Maria Cecília, outros os rejeitam, envergonhados. É
normal pais sentirem-se inseguros, tristes oufrustrados. Quando isso ocorre, é
necessária a busca de ajuda de profissionais para um entendimento da situação,
para vivê-la sem culpa e do melhor modo possível. Ama... O amor bem dirigido é
o caminho para os acertos.
Alerto os pais de crianças deficientes e com outras
normais para usar o bom senso e entender as necessidades de todos eles. E,
dentro de um limite estabelecido, cuidar bem do filhinho deficiente sem
descuidar dos outros membros da família. Todos nós devemos ter limites,
gostamos de carinho e atenção. Com equilíbrio se pode atender a todos.
Infelizmente, como se têm palpites errados!
Preconceitos que machucam tanto! Isso tem contribuído para muitos pais agirem
erradamente e esconderem seus filhos deficientes, como que envergonhados por tê-los. Mas os que procuram acham
respostas às suas indagações e ajuda necessária para enfrentar esse fato. Não
se deve dar atenção a opiniões infelizes daqueles que desconhecem o assunto.
Tenho visto que muitos conseguem superar essas
dificuldades, se uns conseguem, todos podem.
E você, caro leitor, se pode contribuir para ajudar
pais ou deficientes, faça com carinho.
Necessitam eles se recuperar para se tornarem capazes
tanto quanto nós, os supostos “normais”. Porque deficiência, seja ela física ou
mental, não é sinônimo, graças a Deus, de incapacidade.
Tentando enfrentar as dificuldades, as venceremos!
5
Paulinho
Gostaria de escrever bem bonito, mas
não tenho muita instrução nem talento para isso.
Estou estudando, mas tenho dificuldades
para aprender. Cheguei até a ficar preocupado, então o doutor Antônio Carlos me
ajudou. Gostei do resultado e espero que outros gostem também, porque quero,
desejo com meu relato, incentivar pessoas que trabalham como voluntárias ou com
remuneração em casas e instituições de caridade que cuidam de seres que por
algum motivo necessitam de amor, carinho e do auxílio de outras pessoas para
sobreviver. E como é importante essa sobrevivência!
Sou
Paulinho, só Paulinho, acho que nem tive sobrenome. Mas isso não importa,
antes de ser Paulinho tive tantos nomes, alguns até importantes e que não me
serviram para nada... ou só para ser denominado numa existência.
Certamente
que tenho lembranças desse curto período em que vivi num corpo físico na minha
última encarnação, embora sejam poucas. Vivi numa matéria com deficiência por
quase dezesseis anos. Ao ser convidado para ditar aos encarnados minha
história, fui auxiliado pelo meu professor a ver, isto é, a lembrar o que ocorreu
comigo. Então recordei, vi os acontecimentos como num filme, embora certo de
que aquele ser era eu. Fiquei triste. Meu professor me alegrou novamente:
“Paulinho,
lhe quero alegre, como sempre. Tire lições das dificuldades, aprenda com elas.
Não devemos nos entristecer com o aprendizado. Tudo já passou e apiedar-nos de
nós mesmos é um péssimo negócio.”
Achei que
ele estava certo. E tirei proveito das minhas recordações.
Fui parar
na instituição logo após ter nascido, dias depois e em estado calamitoso. Todo
assado, não me trocaram nem me higienizaram. Estava fraco e doentinho. Logo as
tias me deixaram mais sadio, limpo, alimentado e cheiroso. Aquela casa de amor
foi o lar que tive.
Era
alimentado, higienizado, mas éramos muitos para poucos atendentes. Infelizmente
as funcionárias não tinham tempo disponível para dar atenção a todos, só dava
mesmo para nos atender com o básico de nossas necessidades. Recordo com
alegria das visitas das voluntárias. Como gostava! Para mim eram senhoras
agradáveis que conversavam comigo, passavam as mãos me acariciando, tentavam
me fazer andar ou falar. Recebia delas demonstrações de carinho, isso fazia, a
mim e aos outros, muito, mas muito bem. Elas, sem saber, nos doavam energias
benéficas que só os que amam sabem doar.
Nasci
doente, deficiente, e como há causas para essas deficiências! Não me interessei
em saber o que houve de errado com meu corpo, fui e pronto, e ainda bem, graças
a Deus, não sou mais, até que um amigo, colega do Educandário, me indagou:
“Paulinho,
o que você tem? Qual foi sua doença? Eu tive Síndrome de Down. Uma doença com
nome elegante, não acha? Mas nada mais é que o mongolismo. Mas você não parece
que teve a Síndrome.”
“Eu não
sei...
Mas fui
saber, meu professor me esclareceu. Esse professor era um senhor muito bondoso
que ensinava a mim e a outros cinco colegas a ler e escrever, como também nos
orientava em tudo, em todas as dúvidas.
Tive
cretinismo, uma lesão irreversível no sistema nervoso central. Por isso meu
aspecto era estranho, para não dizer que fui bem feio. Mas as tias da
instituição não achavam, me viam com amor.
—
Paulinho, vamos tentar sentar sozinho?
—
Paulinho, menino esperto, sorria para mim...
Gostei
delas e sou muito grato a essas pessoas.
Tive
pouco progresso. Faltou-me o amor de meus pais, mais cuidados e terapias.
Quando
encarnado, gostava de ver a claridade, a luz do sol. Do meu leito via a janela
e um pedaço do céu. Como era bom quando era levado ao jardim! Olhava as
plantas, as nuvens, achava-as lindas, como também gostava de ver as outras
crianças.
Não tive
uma encarnação confortável nesse corpo disforme, sofri, tive dores, passei por
muito desconforto, estive doente e desencarnei.
Para mim
a desencarnação foi como se tivesse mudado para outra instituição, maior e
melhor. Só que as dores sumiram como por encanto. E, se me doía algo, os tios
pareciam adivinhar, passavam a mão e pronto, a dor sumia.
Nós, os
internos do hospital do Educandário, chamávamos de tios os desencarnados que
lá trabalhavam com tanta dedicação. Isso é comum, mas não é regra geral.
Gostei do
meu novo lar, achei-o muito lindo, mas tive medo de perder, de voltar para a
outra instituição, que, embora boa, não era como aquela.
“Calma,
Paulinho”, disse uma tia, “não tenha medo, não irá mais para a outra casa. Vai
ficar aqui para sarar, tente se esforçar para ficar bom, sadio.”
Medo...
sarar...
Engraçado,
comecei a ter preocupações. E naquele dia, parei sentado e sozinho logo que uma
das tias me colocou na cadeira. Comecei a pensar, observar pessoas e objetos,
então os percebi diferentes de antes.
Estava
num quarto grande, todo novo, cheiroso e pintadinho. Tinha figuras de animais
na parede, gostei e ficava olhando-as, achei tudo muito lindo. Era levado muito
ao jardim.
Tudo era
agradável e fui me sentindo mais confortável.
‘Tome!
Pegue e beba!”
“Ora, não
consigo!”, pensei.
Uma tia
colocou à minha frente uma caneca toda desenhada com animais iguais aos da
parede. Olhou-me sorrindo:
“Paulinho,
por favor, reaja! Você é capaz! Não tem mais a matéria doente. Não é mais
doente. Tem que tentar!”
Pegou
minha mão, abriu meus dedos e colocou a caneca entre eles.
“Pronto!
Tome!”
Segurei a
caneca, ajudado pela outra mão, a levei aos lábios e consegui! Bebi meu suco.
Emocionei-me.
“Isso!”,
disse a tia. “Viu como é capaz? Agora me agradeça como um bom menino. Diga:
Obrigado, tia Elizabeth.”
Não ia
conseguir nunca, mas tentei e levei outro susto:
“Brigade!”
“De nada,
meu amor!” E fiquei ali, tentando falar:
“Brigado!
Meu mores!”
Logo
depois, fui fazer tratamento, eram passes confortadores, terapias, muitos
cuidados e atenções.
Meses
depois estava andando e falando, então tive medo, muito medo de ter de ir
embora dali. Uma das tias conversou comigo:
“Paulinho,
não tenha medo, aqui está protegido, é amado e pode acreditar, estamos fazendo
o melhor para você.”
“Não
quero sair daqui! Quero ficar!”
“Pois
fique! Você poderá ficar aqui por muito tempo. Mas já está na hora de entender
que esteve doente num corpo deficiente e que este, seu corpo carnal, morreu, e
agora vive em outro corpo no plano espiritual.”
Fui
entendendo aos poucos que estava desencarnado e isso me ajudou a superar os
reflexos da minha deficiência.
Tempos
depois estava sadio, corria pelo Educandário; fui estudar, queria aprender a
ler e escrever. Claro que também minha fisionomia mudou, não sou mais feio,
embora tenha entendido que a aparência não é tão importante assim. Mas tenho
agora o aspecto saudável.
Sou muito
risonho e feliz.
Planos
para o futuro? Não sei ao certo o que desejo fazer no futuro. No momento quero
(já pedi para ficar um bom tempo desencarnado) estudar, aprender a trabalhar
para reencarnar sentindo-me mais seguro. Meu instrutor, e agora o doutor
Antônio Carlos, intercederam por mim, e tive a grata notícia de que meu pedido
foi aceito. Ah, graças a Deus! Porém devo aprender a não ter medo de
reencarnar, que a vida encarnada não é tão ruim, é aquilo que fizemos por
merecer. E que eu, reequilibrado, terei na reencarnação um recomeço com muitas
oportunidades.
Não levei
a oportunidade da reencarnação a sério. Em vidas passadas, sempre estive ocioso
e só trabalhei quando obrigado, mas sempre tentei tirar proveito dos outros e
me envolvi em situações que facilitaram materialmente minha vida, não me
importei se elas eram erradas ou se prejudicariam alguém.
Na minha
penúltima encarnação me envolvi com tóxico, afundei-me mais ainda nos meus
vícios e, pior, incentivei outros a fazerem o mesmo. Drogava-me, mas tinha o
cuidado de não me exceder, passei a ganhar dinheiro vendendo drogas.
Desencarnei numa briga, fui assassinado com uma facada. Revoltei-me por ter
perdido meu corpo carnal. Gostava da vida de encarnado. Mas fui socorrido,
bem, a palavra não é muito certa, “socorrido”, para meu caso. Fui desligado da
matéria por espíritos afins a mim; agora posso dizer:
trevosos. E com
eles fiquei vagando, atormentando e vampirizando.
“Quero
voltar à carne”, disse eu ao meu chefe. “Quero me drogar no corpo físico!
Vampirizar não é a mesma coisa.”
“Você
está até deformado pelas drogas, seu aspecto não é legal e anda meio perturbado
por causa delas. Se continuar assim, não conseguirá mais nos ser útil”, disse
um dos ajudantes diretos do chefe.
Meu
superior riu e me indagou:
“Quer
mesmo o infeliz pegar um corpo?”
“Quero!”,
afirmei.
“Sabemos
de um casal, nosso amigo, afins, que poderá lhe receber, certamente ela irá
engravidar...”
“Ora, meu
caro, pense bem”, disse o ajudante do meu chefe. “Este casal se droga e o
tóxico danifica muito...”
“Se eles
se drogam, melhor”, disse, “já nasço familiarizado. Droga não faz mal nada, faz
para aqueles que não as tomam e que não sabem o que estão perdendo.”
O chefe
me ajudou, a mocinha toxicômana engravidou e eu reencarnei.
Meus pais
não tinham condições nem de tomar conta deles, quanto mais de mim, todo
deficiente. Fui parar na instituição e assim tive condições de sobreviver.
E como
foi bom para mim, para meu espírito, esse período. Entendi o quanto a droga é
droga mesmo. Tóxico é veneno que não só danifica o corpo físico, como também o
perispírito, que sente o reflexo desse veneno.
Mas me
desintoxiquei nessa minha última existência no corpo carnal; e como foi
doloroso! Reequilibrei-me e tomei consciência do que são, na realidade, os
tóxicos, como também não desejo prová-los mais.
Essa
deficiência foi muito importante para meu espírito. Preciosa lição! E espero
não ter de repetí-la nunca mais.
Tchau...
Que Deus nos proteja!
Ah! Não
quero esquecer de dizer que agora sou religioso, oro muito e tenho estudado
muito o Evangelho. Maravilho-me com tudo isso!
Explicações de Antônio
Carlos
Aqui temos a história da vida de Paulinho, o menino
deficiente que foi abandonado pelos pais e abrigado numa instituição. Ele teve
Hipotireoidismo, que é uma disfunção da glândula tireóide que provoca sérios
distúrbios do metabolismo, e seu aspecto era característico dessa doença. Por
isso é que se faz hoje o exame
do pezinho para detectar essa doença.
Como são importantes as instituições para esses
espíritos necessitados de uma oportunidade no corpo físico para se recuperarem!
E como tenho visto numerosas dificuldades nessas instituições! Mas elas aí
estão, superando seus problemas e ajudando a muitos, porque têm pessoas
corajosas o suficiente para fazê-las funcionar a contento.
E como o tóxico danifica! Faz de seus usuários
farrapos humanos, levando-os a afundar nos vícios e erros, desequilibrando-os
terrivelmente.
Não existe regra geral na espiritualidade. E cada
caso é um especial.
Esse espírito, Paulinho, já estava, antes de
reencarnar, danificado pelas drogas que recebera quando perfeito. Pelos tóxicos
desequilibrou-se. Já não estava perturbado, sendo um membro útil aos
desencarnados trevosos que o receberam. O chefe, esse desencarnado que ali
julgava mandar, achou melhor se desfazer dele e atender a seu pedido de
ajudá-lo a reencarnar. E o fez, sem a orientação dos bons espíritos (embora
estes, cientes, permitiram), sem um planejamento e muito desequilibrado, tanto
que já havia até deformado sua aparência perispiritual. E o corpo que recebeu
de seus pais, também drogados, contribuiu para a deficiência.
Mas essa encarnação foi muito importante para ele,
porque Paulinho por um período ficou longe dos tóxicos, dos vícios.
Mas nosso amigo tem medo de reencarnar, porque ele
foi privado pelas circunstâncias dos vícios, mas não pela sua livre vontade. Só
sentirá que venceu seus vícios se tiver encarnado, a oportunidade de voltar a
eles e recusar Terá na sua próxima existência carnal um corpo sadio, podendo
então ter a escolha de usar ou não os tóxicos. Teme fracassar, quer se sentir
forte e seguro.
O seu pedido para ficar mais anos desencarnado foi
aceito, mas o tempo passa e ele terá de enfrentar a si mesmo, como todos nós
temos de fazê-lo. Espero que vença! Como também esperamos que todos aqueles
que lutam contra vícios saiam vitoriosos. Se nos entristecemos ao ver encarnados
sob os efeitos dos tóxicos, posso afirmar que é bem mais calamitoso vê-los
desencarnado. E todos que se desequilibram terão de se harmonizar com as Leis
Divinas. E essa recuperação pode ser dolorosa!
Felizes os que dizem não aos tóxicos, ao vício.
6
Margarida
Na minha última encarnação, tive uma
existência em que obtive, pelo trabalho edificante, merecimento para ser
socorrida. Fui útil a outros e isso me fez voltar ao plano espiritual feliz,
sentindo-me como moradora e não como hóspede ou abrigada, como foi em minhas
outras existências em que estive na erraticidade*.
Sinto alegria em poder escrever a
outros a minha experiência. Encarnada, usei de toda a dedicação, do meu amor,
para cuidar de órfãos abandonados e, entre eles,
* Erraticidade: período em que o espírito se encontra
desencarnado entre uma encarnação e outra. (N.M.)
deficientes mentais acolhidos na casa de caridade, no orfanato
que ajudei com meu trabalho a ampliar e cuidar.
Sonhava desde a
minha infância cuidar de crianças, mas não queria casar ou ser mãe.
Dava muito valor
aos meus pais, à casa, à família e sempre pensava nos pobres abandonados e
tinha muita dó deles.
— Margarida —
dizia mamãe —, você deve pensar como suas irmãs, em namorar, casar e ter seu
lar. Deus sabe o que faz e Ele deve ter motivos para deixar alguém órfão.
— Não será para
que alguém cuide deles? — perguntava.
— Mas esse alguém
não será você! Vamos, pense em coisas agradáveis.
— Está bem,
mamãe...
Respondia sem
convicção e continuava sonhando, e nesse sonho cuidava de muitas crianças.
Na adolescência
resolvi ser freira, irmã de caridade. Conhecia desde criança o orfanato da
cidade vizinha, cuidado por freiras. Quis ser uma e trabalhar no orfanato.
Papai foi contra no começo:
— Margarida,
minha filha, já pensou bem? Você étão novinha para ficar presa num convento...
— É o que quero,
papai! Lá poderei cuidar dos órfãos.
Insisti tanto que
ele acabou por concordar:
— Sendo assim,
levo você lá, mas só poderá receber o hábito após dois anos. Nesse período você
pensará melhor. Vou levá-la, mas volte quando quiser.
Papai
conversou com a Madre Diretora e acertaram tudo. Tinha dezessete, quase dezoito
anos. Entrei no convento, amei a vida religiosa e não regressei para casa como
papai esperava, só voltei para visitá-los.
Havia
certas regras de que não gostava dentro da congregação, mas isso não chegava a
me incomodar, amava muito meu trabalho e só ele me interessava. Logo que entrei
para o convento, passei a cuidar dos nenês e o fazia com muito amor e carinho,
e as crianças retribuíam, elas também me amavam.
A Madre
Superiora ficou contente com minha dedicação. Tornei-me freira e o tempo foi
passando. A Madre era uma pessoa muito boa, generosa e inteligente, era uma mãe
para todas as freiras e avó para os órfãos. Tornamo-nos grandes amigas, eu a
admirava. Administrava com sabedoria o orfanato.
Numa
manhã, encontramos à porta do orfanato um nenezinho dentro de um caixote; era
um menino, assim que o peguei no colo o amei. Mas notamos que ele era
deficiente mental, tinha todas as características da Síndrome de Down.
— Não
podemos ficar com essa criança. Não temos condições de lhe dar o atendimento
necessário — disse a Madre.
Já não
queria separar-me dele e implorei:
— Por
favor, Madre Superiora, deixe-o ficar. Cuidarei dele. Hoje é dia de São
Francisco. Vamos batizá-lo com o nome de Francisco. O santo nos ajudará. Por
favor!
— Está
bem — disse a Madre. — Vamos ficar com ele, vamos chamá-lo de Francisco, e
você, Irmã Margarida, cuidará dele. Só que ele poderá lhe dar muito mais
trabalho. É uma criança doente...
Para mim
trabalho não era problema. Fiquei feliz por ele poder ficar. Amei mais ainda
Francisco por ele ser deficiente.
Logo a
notícia se espalhou e meses depois recebemos mais três crianças deficientes
mentais. Vieram de outro orfanato. Nossa Diretora Geral que os mandou. A Madre
Superiora me chamou:
— Irmã
Margarida, o Orfanato Nossa Senhora nos mandou estas três crianças deficientes
mentais, dizem que eles não têm condições de cuidar delas. A Madre Geral me
pediu e não tive como recusar, como também não tive coragem, se não as aceito,
elas não terão onde ficar. Pensei então em ampliar nosso orfanato, fazer uma
ala na parte direita com dormitórios e uma escolinha para elas, porque essas
crianças não poderão freqüentar a escola normal. Já são crianças grandes de
corpo, mas em tenra idade mental. Você cuida de Francisco tão bem, a chamei
para perguntar se aceita cuidar destas também.
— Sim,
aceito! — afirmei convicta e me tornei a mãe delas.
Passei a
trabalhar muito, desde bem cedo até altas horas da noite. Dormia num quartinho
ao lado do quarto delas. Amava-as muito. E acabamos, com o tempo, recebendo
muitas outras crianças deficientes mentais. Minha vida era a delas. E ainda
sobrava um tempinho para cuidar dos nenês que tanto amava.
— Irmã
Mada...
Muitas,
quase todas, me chamavam assim. Não falavam direito. Sinto agora não ter
conseguido recuperá-las mais. Não tivemos condições nem instruções para isso,
por esse motivo, me consolo. As que conseguiram falar o faziam de modo muito
errado, mas eu as compreendia bem, até as que não falavam.
— Tive
medo essa noite, e a senhora ficou aqui comigo segurando a minha mão até que
dormi.
Encabulei-me,
tinha certeza de que não havia feito isso. Estava tão cansada que dormi como
uma pedra.
“Será que
levantei dormindo? Será que o fiz e esqueci?”, pensei.
— A
senhora, essa noite, passou a mão na minha barriga e a dor passou.
— A
senhora, de madrugada, espantou os homens maus que queriam me maltratar.
Achei que
era demais. Algo acontecia e fui me confessar. Expliquei ao padre que nos
atendia e ele me tranquilizou:
— Não se
preocupe com isso, Irmã Margarida. Podem ocorrer dois fatores que explicam bem
esse acontecimento. As crianças a amam tanto que, ao se sentirem em perigo ou
necessitadas, pensam na senhora e esse pensamento para elas se torna
realidade, julgam então que a senhora está perto delas. Ou então sua alma,
preocupada com as crianças, fica perto delas protegendo-as.
— Isso
não é mau? — indaguei preocupada.
— Claro
que não! Que faz? Não é o bem? Não se preocupe, esqueça esse assunto, aja com
naturalidade quando as crianças falarem sobre isso e evite comentar, nem todos
entendem isso. Mas a senhora faz tempo que não descansa. Não quer viajar, ficar
uns dias em local diferente? Vou pedir à Madre Superiora para lhe dar
descanso.
Já fazia
quase dezesseis anos que trabalhava sem descanso. Só me afastei do orfanato por
dois dias quando meu pai desencarnou, estive com minha mãe. Como não respondi,
o padre pediu à Madre Superiora para que me fizesse descansar, ela então me
mandou passar um mês em outro convento, situado numa cidade do litoral. Fui;
nos primeiros três dias me encantei com o lugar, mas depois me inquietei: “Como
estará Maria? Deixei-a doentinha! E Mário, estará tendo as crises?” Só fiquei
uma semana e voltei. Expliquei à Madre Superiora:
— Por
favor, me desculpe, mas acho que descansarei mais aqui, trabalhando.
Ela riu:
— Irmã
Margarida, é a primeira vez que ouço que o trabalho é descanso. Está bem, faça
como quiser. As crianças sentem sua falta.
Corri
para elas, chorei de alegria ao vê-las, alegraram-se tanto com minha volta que
prometi a mim mesma nunca mais sair de perto delas, e assim o fiz.
Segui os
conselhos do padre, não dei importância nem comentei com ninguém esse fato, de
as crianças me verem enquanto dormiam. Mas passei a ter em muitos fatos por
elas narrados uma vaga idéia, leve lembrança. Parecia que saía do corpo
adormecido, deixando-o repousar e ia para perto delas, conversava e as mimava
e voltava para o corpo quase na hora de despertar. Isso me era gratificante.
Agora sei
que me desligava do corpo quando dormia e continuava o trabalho que tanto
amava.
Francisco
adoeceu, estava muito mal, segurava a mão dele quando ele me olhou, tinha um
encantamento especial no olhar, ele me disse:
— Vou com
a outra mãe! Vou para um lugar bonito!
Desencarnou,
entristeci-me com sua partida. Foram muitas despedidas, várias das minhas
crianças desencarnaram na adolescência. Graças a Deus, hoje, com cuidados e
tratamentos especiais, os deficientes passaram a viver mais e com mais
condições de sobreviver, e até sozinhos.
A Madre
Superiora também desencarnou. Mas três meses depois a vi. Estava muito bem,
sadia e feliz. Sorriu para mim. Fiquei tão feliz com essa visita! Entendi que
afetos sinceros não são separados, se ausentam somente.
Vivi
muito nessa encarnação. Velhinha, ainda estava cuidando dos meus filhinhos
deficientes. Começava a me preocupar, sabia que não iria viver muito e me inquietava,
queria deixá-los bem amparados. As irmãs da Congregação diminuíram e estávamos
em poucas no orfanato. Foi então que, para minha tranqüilidade, um grupo de
senhoras veio nos ajudar.
Muitas
delas tinham estudos e muitos planos. Começaram a modernizar o orfanato,
médicos cuidavam dos meus pequenos, que passaram a fazer muitas terapias.
Comecei a ver os bons resultados. Tranqüilizei-me.
Naquela
manhã passei, como sempre, no quarto deles e fiquei a beijá-los, e um deles me
disse:
— De novo
beijos, que bom!
Sorri.
Não me sentia bem naquele dia, estava cansada. Sentei na varanda e me acomodei
numa cadeira. Pensei que havia adormecido e que sonhava. Vi-me deitada num
leito alto e confortável, estavam comigo muitas pessoas risonhas e alegres.
Olhei para a que estava aos pés da cama em que me achava acomodada. Reconheci,
era o meu Francisco! Estava diferente, em pé, sadio e bem mais bonito. Sabia
que era ele. Francisco segurava com força umas rosas, me olhava emocionado, não
conseguia falar de tanta emoção.
“Francisco!”,
exclamei alto e contente. “Como você está lindo!”
Ele
aproximou-se e ajoelhou ao meu lado, beijando minha mão.
“Que
sonho maravilhoso!” exclamei. “Que saudades tenho sentido de você! Venha,
aproveitemos o sonho, me dê um abraço apertado.”
Segurei a
mão dele e nos abraçamos. Que prazeroso foi encontrá-lo. Francisco afastou-se e
então olhei para as outras pessoas que me rodeavam:
“Papai!
Mamãe! Silvana! Leninha! Tody! Madre Superiora!”
Mas, me
encabulei, pois todos já haviam morrido. Que acontecia? Ajeitei o lençol que me
cobria, não sabia o que fazer. Será que estava sonhando com todos eles juntos?
Indaguei com o olhar à minha ex-Madre Superiora. Ela sorriu e disse:
“Bem-vinda,
Irmã Margarida! Seja bem-vinda entre nós. Amamos você!”
Continuei
sem entender, e Francisco falou de modo correto e agradável:
“É que a
senhora morreu. Mas não se assuste: o corpo da senhora, já velho e cansado, é
que morreu. Acharam-na morta na cadeira da varanda e já foi o enterro. Todos
sentiram muito, mas nós nos alegramos com sua vinda. Está viva entre nós!”
“Já fui
julgada? Irei ao encontro de Deus?” perguntei ansiosa.
“Ora,
Margarida” disse a Madre Superiora, “estivemos um pouco equivocadas a respeito
da morte. Não somos julgados nem vemos Deus. Você teve o corpo morto, continua
viva e veio estar entre nós.
Agradaram-me
tanto que achei maravilhoso ter desencarnado. Mas não só me agradaram, trataram
logo de me explicar tudo sobre a vida de desencarnado.
Achei
fantástica a mudança de plano, porque assim que levantei me senti disposta,
leve como se fosse uma adolescente. Adeus cansaço, dores no corpo e velhice.
Após um
período em que conheci toda a colônia, fui estudar para melhor entender como
viver desencarnada, e passei a trabalhar no hospital do Educandário, na ala
que atende os que foram encarnados deficientes mentais.
Mas não
pude deixar de sentir certo orgulho do meu trabalho realizado. Escutava de
muitos companheiros histórias de fracassos e desilusões. Comentaram muito que
a vida encarnada fora isso, aquilo, que se perderam, não conseguiram fazer o
que planejaram, que sofreram etc. Comecei a achar que eu era o máximo, embora
continuasse dedicada ao meu trabalho, pensava que foi bom demais eu ter feito o
que fiz.
“Puxa!
Que bom ter vivido e feito o bem. Não vaguei quando desencarnei, nem passei
pelo umbral. Estou muito feliz, aqui é bem melhor que o céu que imaginava.
Tive uma vida boa encarnada porque fiz o que queria” — pensava envaidecida.
Também
ouvia muitos comentários sobre outras existências corpóreas. Entendi que
reencarnamos muitas vezes e fiquei a pensar que bem teria feito nas minhas
outras encarnações e fantasiei: devia ter feito isso ou aquilo. Nem cogitei ter
feito algo de errado.
Resolvi
recordar minhas outras existências. Fui ao Departamento das Reencarnações da
colônia, onde ouvi algumas palestras sobre o assunto e depois, querendo mesmo
recordar, pedi para fazê-lo. Meu pedido foi aceito e no dia marcado lá.
estava, ansiosa. A orientadora explicou-me:
“Margarida,
não podemos mudar o passado. Tudo o que passamos e vivemos nos são lições
importantes. O passado não deve nos entristecer...
Olhei-a,
sorri e pensei: “Ora, meu passado não deve ter nada de errado”.
Relaxei e
as lembranças vieram como num filme.
Vi minha
antepenúltima encarnação. Vivia num pequeno castelo, era adolescente, rebelde e
impulsiva. Meus pais queriam me casar com um velho rico, mas eu não queria
porque estava apaixonada por um moço pobre e me encontrava com ele às
escondidas. Ele morreu num acidente e eu estava grávida. Não deu mais para esconder
a gravidez e meus pais descobriram. Ficaram furiosos, meu pai mandou-me para
um convento para ter a criança.
Detestei
ficar ali presa, tive uma gravidez difícil. Não me importava com a criança, não
a amava. Sabia que ela me seria tirada logo que nascesse. A madre, como
combinou com meu pai, iria doá-la. Isso não me fazia diferença, achava mesmo
que não tinha como ficar com ela. Mas o nenê nasceu morto. Achei que foi
preferível, que aconteceu o melhor para mim.
Meu pai
iria me aceitar de novo em casa, mas só o faria se eu aceitasse casar com o
velho rico. Preferi ficar no convento, ali me enturmei com pessoas afins. Não
tinha nenhuma vocação para a vida religiosa nem era uma pessoa de fé. Resolvi
ficar porque foi um modo de me vingar dos meus pais, porque não casando com o
velho rico eles iriam passar por dificuldades financeiras. Também porque não
queria casar e odiava meu pretendente. Acabei por me acostumar com a vida no
convento e esta não parecia ser tão ruim assim.
Havia
muitas irmãs boas e dedicadas, que permaneciam no convento querendo fazer o
bem. Mas outras ali estavam por muitos motivos, menos vocação, e agiam
erradamente.
Religiões
normalmente são boas e tentam ajudar no bem seus seguidores. Mas são muitos os
que agiram e agem errado em nome delas. E foi com essas pessoas que erravam,
que faziam um grupo separado, que me enturmei.
Bebíamos
muito, saíamos escondidas do convento, tínhamos amantes e fazíamos orgias entre
nós. Estive grávida por três vezes e abortei. Vivi anos assim, fiquei velha e
passei a perseguir as jovens freiras, principalmente as que queriam fazer tudo
direito. Fui má. Desencarnei e sofri terrivelmente a perseguição dos que não
me perdoaram e depois pelo remorso.
Fui
socorrida depois de muito tempo. Mas mesmo socorrida tinha muito remorso e
compreendi que a reencarnação me seria uma bênção, porque teria o esquecimento
e um outro recomeço. Mas tinha medo de reencarnar e continuar errando. Pedi
para voltar como deficiente mental. Argumentei que num corpo deficiente iria
ter uma existência sem condições de errar novamente. Seria uma trégua. Não
iria ter como fazer o bem, mas também não faria o mal e certamente iria pelo
sofrimento aprender a dar valor às oportunidades que nos são dadas pelas
reencarnações.
Reencarnei
e fui então uma menina deficiente mental. Minha mãe, que reconheci como a minha
ex-Madre Superiora, muito me amou e ajudou. Meus pais mudaram após meu
nascimento para o campo. Meu pai continuou trabalhando na cidade e vinha sempre
nos ver.
Fui a
única filha deles. Fizeram de tudo para me proteger do preconceito e da
ignorância que levam muitas pessoas a serem más com os deficientes mentais. Não
foi uma existência fácil, mas bem melhor que a do período em que estava
desencarnada. Viver num corpo com muitas limitações me fez sofrer. Estive muito
doente e desencarnei com câncer que começou no útero.
Dessa vez
fui socorrida, acolhida e recebi muita ajuda.
Reequilibrada,
fiquei muito grata pela grande oportunidade que tive nessa encarnação como deficiente
e por ter aprendido a dar valor ao corpo perfeito. Foi para mim um período em
que estive, me senti confinada, não fiz o mal e aprendi a ter paciência. Sou
grata a essa encarnação porque, pelo esquecimento, me livrei de piores (para
mim), das dores, a dor do remorso.
Mas quis
reparar meus erros e tive como propósito encarnar e cuidar das crianças.
Voltei à
carne e, como Irmã Margarida, aproveitei bem a oportunidade da reencarnação.
Quando a
sessão acabou foi que compreendi o que a orientadora quis me dizer.
Agradeci-lhe e saí rápido, fui para meu cantinho, meu quarto, o meu lugar
privativo ao lado do Educandário. Estava um pouco confusa com minhas
lembranças. Peguei o Evangelho e abri ao acaso. Acaso mesmo? Não creio, era o
que necessitava naquele momento. Abri no Evangelho de Lucas, capítulo 17,
versículos de 7 a
10, que nos ensina sobre o nosso dever. Que o Senhor não fica obrigado com o
servo que faz tudo o que tinha de fazer e termina dizendo: “Somos servos
inúteis, fizemos o que deveríamos fazer”.
Compreendi
a grande lição. Tudo o que fiz foi só em reparação a meus numerosos erros.
Realizei o que havia pedido, implorado, planejado e por esse trabalho aprendi a
mais preciosa lição: amar. Recordar me fez muito bem, me fez sentir como os
outros que tiveram erros, sofreram, aceitaram e almejaram progredir. Meu
orgulho evaporou, não tinha razão de ser. Como também cresceu em mim a vontade
de ser cada vez mais útil. Estava feliz por ter conseguido ser serva. E meu
objetivo seria ser uma serva útil ao Senhor.
Vejo-me
como uma sementinha que por muito tempo não fiz germinar por falta de dar a mim
mesma a oportunidade. E esse ensejo entendo como a fé. E me dei esse fator
quando estive na última romagem física como Margarida. Ao ter fé e crença fiz
com que minha semente germinasse, crescesse e desse frutos. E agora é só me
alimentar, continuando a comparação agora entre a planta que cresceu e a
sementinha que era, devo fortalecê-la e também tenho consciência de que terei
de podá-la para poder dar melhores frutos.
Explicações de Antônio Carlos
Margarida não foi deficiente mental na sua última
encarnação, mas sim na penúltima. Certamente, como normalmente acontece, teve
uma causa. Ela pediu para passar por esse aprendizado, por essa dificuldade. O
importante é que ela sentiu depois a necessidade de reparar seus erros e o fez
com êxito. Hoje é uma ótima trabalhadora de um hospital no plano espiritual,
na parte infantil, e se prepara para vir ajudar uma instituição que abriga
encarnados com deficiências. Ama o que faz!
Como religiosa, teve dificuldades para entender
suas saídas do corpo, ainda bem que teve conselhos de um padre espiritualista.
Margarida preocupava-se demais com suas crianças, mas o corpo cansado
necessitava dormir, e seu espírito ativo continuava a trabalhar.
“Será que trabalho à noite enquanto meu corpo
dorme?” Muitos nos têm indagado.
“Depende”, respondemos. “Você é útil ao seu
semelhante quando está desperto? Sabe sê-lo?”
Quase sempre, quando nosso corpo está adormecido,
continuamos o trabalho que fazemos despertos. Nem todos têm facilidade de sair
do corpo. E alguns o fazem raramente. Muitos se encontram nessas saídas com
espíritos afins, e são normalmente afins mesmo.
Ociosos com ociosos, toxicômanos com outros,
caluniadores com os próprios, aqueles que ajudam, que são úteis a outros, com
os que agem auxiliando, e assim por diante.
Outros são pessoas boas, mas no momento nada fazem
de bem ao próximo, estes às vezes se encontram com bons espíritos que os
incentivam a serem úteis, mas atendem a quem quiser porque também podem
encontrar com encarnados ou desencarnados que lhes incentivam ao contrário.
Como também há, e muitos, aqueles como Margarida,
que trabalham acordados e continuam quando desligados do corpo adormecido. Sabem
e fazem despertos e continuam a trabalhar com êxito desligados e com o corpo
físico adormecido.
Mas, infelizmente, sempre tem um mas. Há os que
dizem. “Não faço nada de bom desperto, mas trabalho à noite, quando durmo”.
Isso acontece raramente. Penso que ao dizerem isso estão dando uma desculpa
por não estarem fazendo nada de bom. Só é útil no trabalho aquele que tem vontade
de fazer, que sabe, e quase sempre esse trabalho desligado do corpo é a
continuação do que se faz desperto. O corpo físico tem necessidade de descansar
para seu bem-estar e para se manter saudável. Querendo continuar seu trabalho,
tem permissão para esse desligamento e continua a tarefa que ama e almeja
realizam:
Também há os que, preocupados com as tarefas
rotineiras, negócios, saem do corpo e continuam a trabalhar e acham nesse
período soluções que lhes são importantes.
Mas estamos falando aqui é do trabalho para o bem.
Quem trabalha e é útil desligado do corpo físico, é aquele que também o é
acordado. Só em casos raros que, inpedido por algum motivo contrário à sua
vontade, como doenças e velhice, não o fazem despertos. Assim mesmo, antes de
ter algum impedimento, eram trabalhadores ativos tanto acordados quanto
adormecidos.
Quanto à parte do Evangelho citado de Lucas, sobre
o nosso dever, tem-se dado muitas explicações sobre ser servo. Entendo nessa
passagem que aquele que segue direito as vontades de Deus é um servo inútil,
fez só o que lhe foi mandado, nada fez de errado nem tentou fazer algo a mais
do que lhe foi ordenado. Foi servo! Há muitos que nem de servos podem ser
chamados! Mas ao fazer mais do que lhe foi ordenado, aí sim, são servos úteis e
sábios! Para mim, Margarida o foi. Mas precisava ela, naquele momento, ter uma
lição. Começou a se orgulhar de ter sido boa, útil etc. Compreendeu então que
teve uma grande oportunidade, pela reencarnação, de reparar seus erros. Não só
superou como fez muito mais,
foram cinqüenta e seis anos de dedicação a órfãos e a deficientes mentais. Fez
mais que sua obrigação de serva, foi útil.
Que exemplo belíssimo ela nos dá!
7
Pablo
— Pablo, que lindinho você está! —
disse uma das tias da minha escola.
Sorri feliz. Estava com uma roupa
nova, de marinheiro, que ganhara de uma senhora que fora distribuir prendas na
favela. Gostei muito dessa roupa e passei a usá-la só em dias especiais. Não
queria que ficasse velha ou estragasse.
Fui negro
na minha última encarnação e continuo negro no plano espiritual, porque aprendi
a amar todas as formas de manifestações externas. Somos todos filhos de um
mesmo Pai, e Deus nos ama igualmente. Temos de aprender a ser receptivos ao
Amor Divino. E nossa aparência tão mutável não importa para aqueles que compreendem
a pluralidade das existências.
E estou
vestido com aquela roupa de marinheiro de que tanto gostava. Ao desencarn ar,
minha mãe vestiu meu corpo com ela para ser enterrado. E, quando pensava em
mim, me imaginava com a roupa e até dizia:
“Pablo,
meu filhinho, deve estar no céu com os anjinhos e vestido com a roupa de marinheiro
de que ele tanto gostava...”
E, para
me agradar, uma tia do Educandário onde estava abrigado a plasmou para mim e,
bem novinha, a vestia contente e, como não precisava mais trocá-la, fiquei com
ela.
Recordo
muito bem a minha última vivência no corpo físico.
Meus
pais, favelados, viviam brigando e com muitos problemas. Morávamos numa imensa
favela de uma cidade grande. Meu papai trabalhava muito, ganhava pouco e bebia
nos fins de semana e às vezes ànoite, embriagado, brigava muito com minha mãe, que
era honesta, mas geniosa e trabalhava como empregada doméstica. Sua vida não
foi fácil. Era, é, boa mãe, para mim e para meus outros três irmãos. Dois
meninos mais velhos que eu e uma menina, a caçula. Só eu tive problemas. Fui
um deficiente mental considerado de grau leve, andei aos quatro anos e falava
errado, aprender me era difícil. Conseguia assimilar algo após muito esforço e
paciência de quem me ensinava. E só tinham essa paciência as tias da minha
escola.
Mamãe me
levava a uma escola especial. Deixava-me cedinho, antes de ir para o trabalho,
e me buscava ao escurecer. Gostava de lá, tive assistência médica,
odontológica, alimentava-me bem, a comida era gostosa e variada e aprendi
muito, pelo menos o essencial para um garoto com as minhas dificuldades.
Mamãe não
conseguia evitar que me chamassem de Pabo (era como conseguia falar meu nome),
o Bobo.
Era
feliz. Sentia-me bem, embora com todas as minhas dificuldades e deficiências.
— Não sei
por que ele é tão alegre! — exclamava, às vezes, minha mãe. — Talvez porque ele
não entenda bem o que lhe acontece ou o que se passa à sua volta. Parece que
seu pai tem razão. É um bobo feliz!
Vivia
sorrindo. E não reclamava, nem quando em casa não havia o que comer e meu
estômago roncava de fome. Para mim tudo estava bem, mesmo doente não me
queixava nem perdia a vontade de sorrir. Penso que, por ter sofrido muito
anteriormente, aquela vida que muitos julgavam sacrificada não o era para mim.
Meu espírito sentia que possuía mais do que merecia e era grato pelo pouco que
tinha, porque aquele que dá valor ao pouco que tem, não perde tempo em sofrer
pelo que julga merecer possuir.
— Menino
feliz! — chamavam-me as tias da minha escola.
E minha
vida transcorria normalmente, ia da escola para casa, não dava trabalho e até
tentava ajudar minha mãe, lavando louças ou arrumando a casa.
Um dia
escutei mamãe falando com sua mãe, minha avó, não entendi, mas a compreensão
veio anos depois, quando já estava desencarnado.
— Mamãe,
quando Pablo nasceu, quase o doei. Não o amei como os outros. Sérgio (meu pai)
ralhou comigo. Dar um filho? Nunca, eles não eram cachorros. Ele me deu muito
trabalho, demorou a andar, sair das fraldas. Hoje é tão dócil, tão meigo! Eu o
amo, e muito!
— Filha,
talvez sua rejeição foi porque ele nasceu doente da cabeça. Mas Pablo é tão
lindo! Eu também o amo! É tão carinhoso e atencioso comigo!
Fiquei
muito feliz ao ouvir e agora ao recordar, O fato é que me reconciliei com eles,
com essa família. De desafeto a amigo. Maravilha!
Estava
com quase doze anos. Na sexta-feira, caí na escola e machuquei meu pé esquerdo,
as tias o enfaixaram. Estava dolorido e andava com dificuldade, mancando.
Brincava
muito com os garotos dos barracos vizinhos, quase sempre com os menores, os
mais novos que eu. Gostava deles e eles de mim. Não me maltratavam, costumavam
me explicar as brincadeiras e não se importavam se eu fizesse algo de errado,
era o bobinho.
Gostava
muito de fazer estradinha para nossos carrinhos ou caminhões, que às vezes eram
pedras ou caixas. Mas na nossa imaginação eram de verdade.
Estávamos
brincando naquela manhã de domingo em frente ao nosso barraco, quando numa
briga entre traficantes houve troca de tiros. Todas as crianças correram e eu
fiquei para trás, não consegui correr por causa do meu pé machucado.
— Corre,
Pablo! Corre! — escutei meu irmão gritar. Tentei, mas não deu, senti um ardume
no peito, coloquei a mão e senti o sangue correr. Senti doer e minha vista
embaralhar, caí. Fui atingido por uma bala perdida e desencarnei.
A dor
diminuiu, quis fugir, levantei rápido e me assustei, me vi caído com o peito
ferido e sangrando muito.
“Calma,
Pablo! Venha comigo!”
Um senhor
abraçou-me. Sua voz era tão suave que não tive medo e dormi.
Foi um
socorrista que me auxiliou, me adormeceu e terminou o processo do meu
desligamento, porque meu espírito saiu rápido do corpo atingido. Depois me
levou para um posto de socorro, continuei adormecido e fui transportado para a
colônia do plano espiritual da cidade em que morava.
Acordei e
lembrei-me de tudo, procurei meu ferimento, sem sinal, esperei paciente que
viesse alguém perto de mim. Havia aprendido a ser paciente. Por nada perdia a
calma nem exigia nada para mim.
“Olá,
Pablo! Já acordou? Está bem?”
Não
queria perturbar indagando. Aquela senhora deveria trabalhar ali, talvez
estivesse muito ocupada. Sorri em resposta.
“Lembra
que foi ferido?”, indagou-me. “Você logo irá entender o que se passou. Estava
brincando quando foi atingido por uma bala perdida. Foi ferido e seu cor-pinho
morreu. Você, espírito eterno, agora irá ficar conosco. Tenho a certeza de que
irá gostar. Não se acanhe se não entender o que falo. Vai compreender isso logo
e muito mais. Peça o que quiser para mim, sou tia Neide. Amo você!”
Não
respondi. Enquanto ela falava, lembrei-me de tudo. Mais tarde vim a saber que
tia Neide me disse isso porque eu recordava todos os fatos e foi melhor saber
logo. Isso não acontece com todos, é até raro. Lembrei-me do tiroteio, do meu
ferimento e de que me tornei dois, que me vi caído, sangrando. Depois, vi também
mamãe chorando e meu enterro. Não queria ficar triste, ainda mais diante
daquela senhora tão bonita e agradável. Tentei sorrir, mas chorei. Ela me
abraçou:
“Você irá
gostar daqui! Não se acanhe de chorar. Irá acostumar logo, amará muito esse
lugar. Venha, vou levá-lo ao jardim.”
Docemente
a segui.
Ela
estava certa. Amei a colônia, o plano espiritual. Logo me tornei amigo de
todos, dos instrutores e dos colegas. Aprendi muito e me tornei útil como
sempre quis. Aprendi a ler, a escrever, a fazer “contas” de matemática, algo
que sempre quis, que sonhava muitas vezes em fazer e que não conseguia.
Do
hospital fui para o Educandário e sou muito feliz e grato, profundamente grato.
Não tenho
lembrança nenhuma de minhas encarnações anteriores.
Mas meu
instrutor, que nos dá aulas de Verdades Morais, me ajudou nesse sentido.
Verdades Morais é o nosso curso sobre o Evangelho. Um companheiro de classe,
muito perguntador, chama assim carinhosamente essas aulas, porque, segundo ele,
o instrutor nos esclarece sobre todos os assuntos. E como aprendemos com
perguntas e respostas!
Muitos de
meus colegas indagavam sobre reencarnação, sobre seu passado, assunto muito em
voga porque está sendo muito falado nos dois planos, no físico e no
espiritual, e a curiosidade é grande sobre esse tema. Muitos dos meus colegas
recordaram seu passado.
Todos da
classe tiveram problemas mentais na última encarnação. Normalmente são
agrupadas nas classes pessoas com os mesmos problemas, para facilitar o
aprendizado.
Mas eu
não recordava nada e não recordo. Fiquei curioso. Então meu instrutor soube
disso por mim e me falou do meu passado. Isso para que não ficasse tão curioso
e entendesse que nada é por acaso. Fez isso para me ajudar. Consultou a sala de
arquivos, por isso soube sobre minhas encarnações passadas.
“Pablo”,
disse o instrutor, “você teve uma encarnação em que foi um feitor de uma
grande fazenda e teve muita autoridade, dada pelo dono. Mas a usou indevidamente
e fez muitas maldades. Não teve compaixão dos negros escravos, matava de modo
cruel todos os fujões, perseguiu muitos deles e castigava-os sem piedade.
“Mas a
desencarnação chegou e você passou de perseguidor a perseguido. Por anos vagou
no umbral, sendo torturado pelos que não o perdoaram. Perseguição que o levou a
ser um ovóide. Perdeu a forma perispiritual para se tornar como um ovo. Foram
socorridos, você e seus perseguidores. Os orientadores concluíram que você
necessitava reencarnar, do corpo físico, de algumas encarnações para se
harmonizar novamente. Após um ligeiro tratamento, os socorristas o levaram para
uma nova oportunidade, a reencarnar. Nasceu numa família muito pobre,
deficiente mental e físico, viveu como um vegetal por cinco anos. Desencarnou e
os socorristas levaram-no, logo após um intervalo, para que continuasse sua
recuperação num outro corpo. Você havia melhorado, mas necessitava continuar
sua recuperação.
Reencarnou
entre aqueles que não o perdoaram e o perseguiram no umbral.
Novamente
foi portador de deficiência grave, teve uma existência difícil por três anos,
quando desencarnou por uma doença epidêmica. Foi bom a você, esses ex-inimigos
se tornaram amigos. Conseguiu que essa família de ex-escravos o perdoasse.
“Após um
período”, continuou a me esclarecer o instrutor, “em que fez um bom tratamento
desencarnado, voltou como Pablo, novamente entre desafetos do passado que
aprenderam a amá-lo e você a eles. E agora está equilibrado e novamente apto a
ter um corpo normal na próxima reencarnação.”
Meu
instrutor deu por terminada a narrativa, também fiquei satisfeito com as
explicações. Não tinha mesmo por que lembrar. Era o presente que importava, e
no futuro planejo, esperançoso, ser bom e ajudar a muitos.
Mas após
o instrutor ter terminado de falar sobre meu passado exclamei de modo sincero,
levando meus colegas a rirem:
“Ser mau,
fazer o mal, é um horror! Que sujeito ruim fui eu! Que peste! Um verdadeiro
diabo que certamente foi invejado pelo próprio que fica no inferno, com seu
garfo, espetando os pecadores, como muitos crêem por aí. Acho que muitos temem
até falar a palavra diabo porque, como eu, devem ter sido um. Embora reconheçamos
que um como eu é pouco!”
“Ainda
bem, Pablo, que não o é mais!”, disse um colega, convicto.
Meu
instrutor elucidou-nos:
“O
inferno como muitos imaginam não existe, o diabo, quem pode dizer que não foi
um? Quem se pode excetuar de erros? O importante é compreender os errados e
querer de alguma forma ajudar a reerguê-los. Devemos ser esperançosos quanto ao
futuro. Fixar o aprendizado do bem, nos esforçar para melhorarmos, para não
sermos mais errados.”
Sei que
ainda tenho de me reconciliar com vários daqueles a quem prejudiquei. Mas foram
muitos os que me perdoaram com o esquecimento de todo o mal que lhes fiz.
Outros ainda guardam mágoa, mas tenho esperança de que me perdoarão, porque
querendo com sinceridade o perdão deles, nos reconciliaremos. O que aprendi
está aprendido! Serei alegre, grato e paciente. Com essas três “armas”, essas
três virtudes, conquistarei os que não me perdoaram. Depois, se a vida me
ensinou, a eles também o fez. Quem não perdoa sofre, e o sofrimento cansa e nos
leva à reconciliação. Peço muito a Deus, em prece, forças para não errar de
novo. E espero contar com amigos que me aconselharão quando estiver encarnado.
E para ter amigos, conquisto-os, porque é bem sábio o ditado popular que diz
que quem tem amigos é rico. Para isso, acumulo meus amigos de favores, de
carinho e atenção, mas não estou sendo interesseiro, é que aprendi como a
solidão é desagradável e dolorosa e como é prazeroso estar cercado de pessoas
que confiam em você e que você ama. E quer tesouro maior que uma pessoa ter, ao
reencarnar, amigos para aconselhá-la? Quando amamos de forma sincera e
desinteressada, o fazemos por sermos receptivos aos carinhos de outros e tudo
nos é facilitado, porque o amor é o alimento de nossa alma!
A todos aqueles que amam, meu
respeito, e, por favor, não sejam tímidos, dêem exemplos aos que, como eu,
tentam aprender a servir para um dia serem bons.
Que Jesus esteja convosco!
Agradecido
Pablo
Explicações de Antônio Carlos
Como fazemos mal a nós mesmos ao prejudicarmos a outros! Como colher as
ações más é doloroso! Vemos na narrativa de Pablo um exemplo a ser meditado.
Poder e autoridade são fases passageiras. Fazer inimigos é tê-los como cobradores.
Fazer amigos é ter sempre alguém a nos ajudar.
Perdoar todas as vezes que fomos ofendidos e prejudicados, ensinou-nos
sabiamente Jesus. Ligamo-nos a quem nos prejudicou quando não perdoamos.
Poderão os leitores indagar: “Os ex-escravos que foram tão prejudicados mereceram
receber entre eles seu algoz e ainda deficiente?” Viram que ele não necessitou
ir até os que o perdoaram. Ligados pelos laços de ódio e rancor que só são
desatados com a reconciliação.
Perdoe sempre com o esquecimento de todo o mal e se ligue a afetos,
faça cada vez mais amigos.
Muitos não recordam o passado, mas, querendo saber, pode então ocorrer
de um instrutor, um orientador, saber e lhes falar. Instrutores têm acesso a
arquivos nas colônias, mas fazem isso só para ajudar. Isso também pode ocorrer
com encarnados, protetores têm falado a seus pupilos fatos para que eles
entendam alguns acontecimentos.
Como a reencarnação é bênção! Como é bom reparar
erros, construir e ter oportunidade de progredir.
Mas não deixem para depois.
Sejam sábios e aproveitem esta.
Nosso narrador; não tendo nas suas três últimas
encarnações condições de fazer o mal por ter reencarnado deficiente, será que
não o fará na próxima, recuperado? Realmente ele não fez o mal nem o bem por
ter tido deficiência, mas foi muito doloroso para ele esse período. A dor
tentou ensiná-lo, resta saber se ele de fato aprendeu ou voltará a repetir por
não ter realmente assimilado a lição. Mas, conversando muito com Pablo, creio
que está realmente apto a caminhar rumo ao progresso.
Pablo, ao fazer muitas maldades, desencarnou e
tornou-se perseguido com fúria e ódio.
Seu perispírito perdeu a forma, tornou-se um
ovóide, como já nos ensinou André Luiz em seus livros, principalmente em Libertação,
psicografado pelo nosso querido Chico
Xavier.
Ele necessitou de três encarnações para se
recuperar Mas essa é a sua história.
Espíritos se tornam ovóides por terem errado muito,
e a recuperação deles se faz de muitos modos. O corpo físico que usavam para
tantas maldades é quase sempre bênção para se reequilibrarem. Mas nem todos que
vivem como vegetais foram ovóides, para uma reação, existem ações diferentes.
Façamos o bem. Agir sempre com bondade é garantia de colher frutos
doces e agradáveis.
8
Marília
Tenho
poucas lembranças do período em que vivi encarnada como deficiente mental. É
como um adulto recordar sua infância, tem vagas lembranças ou recorda-se de
fatos, de alguns, os mais importantes. Vivi vinte e um anos numa instituição
que cuida de crianças deficientes que são abandonadas pelos pais, ou que são
órfãs. A maioria era como eu, abandonada, mas com os pais vivos.
— Olá,
Maria, me dê um sorriso de bom dia! — dizia sempre uma senhora idosa ao me
acordar.
Sorria,
embora sem saber bem o que era sorrir. Incrível como o ser humano sorri ou
chora sem saber o porquê.
Sou muito
grata às pessoas que cuidaram de mim nessa instituição de caridade. Gostava do
orfanato, foi o lar que tive. Uma vez, por meses, uma das empregadas passou a
nos maltratar, mas ao ser descoberta foi demitida, para nosso alívio. Essa é a
única má lembrança desses anos que vivi lá, foi só um período, porque, mesmo
com muitas dificuldades, éramos bem tratados. E como tenho informações,
continuam sendo, porém seria melhor se houvesse mais interessados em trabalhar,
ajudando tanto financeiramente como auxiliando, sendo voluntários nessas casas
fraternas, escolas que recuperam deficientes mentais e também físicos.
Houve um
período no orfanato em que escassearam tanto os funcionários por falta de
verbas que os poucos não davam conta de todo o serviço. Ficávamos até três dias
sem banho. Não nos trocavam no horário devido, eu usava, como muitos, fraldas.
Não nos levavam ao jardim nem ao pátio para o banho de sol. Mas éramos
alimentados no horário marcado.
Não
entendia bem o que se passava comigo nem fazia comparações. Era aquilo! Um ser
num corpo disforme e que sentia muitas dores e desconforto.
Era muito
doente e tinha crises em que me debatia, agredindo quem se aproximasse de mim.
Fui obsediada. Sim, espíritos que não me perdoavam se aproximavam de mim com
ódio, levando-me a ter essas crises. Riam de mim, do farrapo humano que me
tornei:
“Marília,
cadê sua beleza? Onde está a mulher que se julgava tão inteligente? Bem-feito!
Tudo o que está passando é pouco pelo que fez seus amigos passar!”
Horrorizava-me
com eles, temia-os, atingiam-me com seus fluídos de ódio, debatia-me apavorada,
querendo afastá-los, e acabava atingindo quem se aproximava de mim. Para não
cair ou me machucar e para não atingir ninguém, nessas crises era amarrada ao
leito e, às vezes, esqueciam de me desamarrar.
Para
nosso alívio e bem-estar um grupo de voluntários espíritas passou a vir nos
visitar, dedicando horas de seu lazer a cuidar de nós, melhorando nossas vidas.
E como melhorou!
Passaram
também a ajudar na administração do orfanato e tudo foi transformado para
melhor.
— Maria,
bom dia!
Gostava
deles, passei a conhecê-los, me tranqüilizava com seus mimos e carinho. Mas
para mim meu nome era Marília e não Maria, mas sorria para eles, meu sorriso
era a única demonstração do tanto que gostava deles e como eram importantes
para mim.
Depois
que desencarnei, meu instrutor, Estandislau, o meu querido amigo Lalau, me
explicou que, quando eu nasci, meus pais haviam escolhido um nome que para eles
era bonito, mas, quando me viram e souberam que era deficiente, minha mãe falou
aborrecida:
“Vamos
deixar o nome escolhido para a nossa próxima filha, esta será Maria, só
Maria.”
Conseguia
entender que aqueles que gostavam, que cuidavam de mim, me chamavam de Maria,
mas os outros, os desencarnados que me perseguiam, me chamavam de Marília. Nome
que tive na anterior encarnação. E preferi, desencarnada, ser chamada de
Marília para me recordar e me incentivar a acertar, reparar o muito que errei.
Essas
pessoas bondosas que vieram organizar, trabalhar no orfanato, melhoraram-no
muito. Passamos a ter carinho, mais cuidados, tratamento e atenção. Melhorei;
me ensinaram a me alimentar sozinha, a ir ao banheiro e até aprendi a falar,
embora o fizesse errado e com frases curtas. Não tinha aprendido antes por não
terem me ensinado.
Como
também passamos a orar, a escutar histórias da vida de Jesus. Enganam-se as
pessoas que pensam que não conseguimos assimilar nada. Não sei explicar bem
como e por quê, mas entendemos muitas coisas, entendemos pelo espírito. Como é
bom sentir-se amada, protegida, e como é útil a nós, os que são deficientes,
uma religião, e como a prece nos faz melhorar. Como orar me fez bem!
Quero
deixar claro que tinha essas crises por estar obsediada, mas nem todos que as
têm é por esse motivo, são várias as razões e as doenças que levam muitos a ter
crises como as que me acometiam.
Fui
levada ao orfanato com poucos dias de vida, e só uma vez meu pai me visitou.
Foi mais por curiosidade de saber como estava do que por saudades. Ao me ver,
exclamou alto:
— Esta
coisa não pode ser minha filha!
Virou-se
e retirou-se rápido sem responder às indagações que a funcionária do orfanato
tentava lhe fazer. Não me importei com isso, não conseguia entender o que era
ter pais, para mim a vida era aquela que tinha no orfanato.
Consegui
aprender muito pouco, tinha mesmo dificuldades. Foi fundada dentro do orfanato
uma escolinha, passei a freqüentá-la, meu rendimento foi quase nulo, mas muitos
de meus companheiros aprenderam, uns até a ler!
Lembro-me
com carinho de um passeio que fizemos, um ônibus nos levou para passear, fomos
à praia. Que gostoso! Achei tão agradável que queria ficar passeando a vida
toda. Queria ficar ali na areia, morar lá. Como gostei de rolar na areia quente
e de pegá-la.
Para
nossa alegria, as senhoras, as tias, passaram a nos levar para passear mais
vezes.
Não
gostava dos desencarnados que via sempre, temia-os, tinha horror deles, tentava
atingi-los com tapas e com isso batia em quem estava próximo. Isso era tido
como crise de agressão.
Com as
senhoras espíritas cuidando de nós, elas corriam até mim ao meu primeiro
grito, me davam passes e os desencarnados não conseguiam se aproximar, ria
sentindo-me aliviada. Meus perseguidores acharam então uma forma de se
aproximar de mim, era quando elas não estavam presentes, mas ficavam os
desencarnados trabalhadores do bem. Aprendi que ao vê-los se aproximando era só
pensar nelas, nas senhoras, nas tias espíritas e imaginá-las perto, para que
eles não se aproximassem. Aprendi a orar...
Sempre
fui muito doente, fraca, sofri muito com uma tuberculose que me fez ficar
muitos dias no hospital. Não gostei daquele lugar, que era muito grande e
cheio de pessoas que não conhecia. Sarei e voltei, alegrei-me muito, senti-me
tranqüila, embora estando com muitas dores e magra.
Todos
pensaram que logo me recuperaria, era cercada de carinho e atenção.
Naquela
noite não passei muito bem, tinha falta de ar, dor no peito e, de repente,
dormi tranqüila para acordar num outro lugar.
Vi ao meu
lado dois amigos, companheiros de orfanato que há tempos não via. Eram dois
colegas que haviam desencarnado. Sorriam para mim e respondi sorrindo. Achei
que estava num outro quarto do orfanato. Se os dois estavam comigo, confiei e
me senti bem, não tinha mais dores que me agonizavam.
“Maria
Marília, esteja tranqüila, ficaremos com você”, disse Toninho.
Só que
ele falou corretamente como as tias. É que ele já estava bem, segurei forte a
sua mão.
Toninho e
Cláudia desencarnaram bem antes de mim e estavam já recuperados e, para não me
apavorar, puderam me ajudar. Toninho sorriu e me falou, explicando:
Como quer
que a chamemos? Vamos fale... Aqui terá um bom tratamento e logo estará como
nós.”
“Você
fala como as tias...”, balbuciei estranhando.
“Certamente,
aprendemos”, falou Cláudia. “E você irá aprender também. Fale, como quer que a
chamemos?”
“Marília”,
disse certo e ri alegre.
Não só os
dois me ajudaram, mas também muito me auxiliou o Estandislau, o Lalau, nosso
instrutor, de todos daquela ala que foram deficientes mentais e anteriormente
suicidas.
Pensei
por algum tempo que estava em outro orfanato.
“Marília”,
explicou-me Lalau, “o nome certo daqui
é Educandário
Menino Jesus, a escola da alegria, porque
aqui se recupera
com contentamento. Somos todos felizes! Esses lugares serão, no futuro,
modelos para os orfanatos dos encarnados. Mas, minha querida, você está
realmente em outro lugar. Seu corpinho doente morreu e é agora uma nova
Marília, morando em um novo lugar:
o plano espiritual.”
Fui
entendendo aos poucos, como também foi após um longo tratamento que os reflexos
da minha deficiência foram sumindo e então me tornei sadia.
O
Educandário Menino Jesus é muito bonito, está localizado numa colônia pequena.
Podemos,
nós que ficamos no Educandário, passear e conhecer a colônia, primeiramente com
instrutores, depois sozinhos nos nossos horários de lazer. Encantei-me com
tudo, parava extasiada até diante de uma flor. Corria pelos parques cantando.
Então fui convidada a fazer parte de um coral, aceitei contente, gosto de
cantar e como a música tem me ajudado, me fez bem!
Estou até
hoje morando no Educandário e na mesma ala, ainda tenho aulas e tenho como
tarefa ajudar os que chegam como recém-desencarnados. Tenho o meu quartinho
todo rosa-clarinho. Para minha alegria, Lalau me deu de presente um piano,
aprendo a tocar. Não tenho fotos como muitos dos meus colegas. A maioria dos
abrigados do Educandário tem muitas fotos de familiares, que espalham pelo seu
cantinho. Então para enfeitar, escrevi em uma parede do meu quarto: “Só o amor
constrói”.
O que
mais gosto aqui são os parques e estou sempre a correr por eles. Como é
prazeroso sentir o vento bater no meu rosto!
Sadia,
mudei meu aspecto, tornei-me mais bonita, mas é a alegria que sinto que me faz
bonita, e isso acontece com todos nós.
Tenho
muitos amigos e quero conservá-los, estou aprendendo a dar valor à amizade.
“Como se
sente agora, Marília? Como se sentia encarnada?”, indagou um colega, durante
uma aula com o instrutor Lalau.
“Sinto-me,
pela desencarnação, livre e muito bem!”, exclamei. “A sensação que tive nesses
vinte e um anos encarnada me foi confusa e dolorida. Sentia-me presa, e bem
presa, a um corpo com muitas limitações.”
Lalau nos
esclareceu, com sua forma carinhosa:
“Marília,
nem todos têm essa sensação. Os deficientes que têm carinho e atenção dos
familiares repartem o fardo, e seu peso torna-se mais leve.”
Bem, como
sentia que chamava Marília, todos passaram a chamar-me assim. Nomes são formas
de nos designar no momento presente. Já tivemos muitos nomes e certamente
teremos outros tantos.
‘‘Por que
será que meus pais não me quiseram?’’ indagava sempre, sentida.
Eram
sadios, dispunham de recursos financeiros e me abandonaram logo após eu ter
nascido.
Pensando
muito nisso, acabei por confundir, comecei a ter dó de mim e não fazer minhas
tarefas direito, nem render nos estudos.
Lalau
veio conversar comigo:
“Marília,
vou lhe dizer o que aconteceu com você e entenderá que, quando erramos, nos
ligamos às nossas más ações até que o perdão ou a reparação seja feita de modo
sincero.
Você,
Marília”, continuou Lalau, após uma ligeira pausa, na sua encarnação anterior,
na penúltima, chamou-se Marília, era uma jovem rebelde e caprichosa que deu
muitas preocupações para seus pais. Foi estudar numa cidade grande, onde para
se sustentar lecionava para crianças e estudava à noite.
“Fez
muitas amizades e acabou por fazer parte de um grupo revolucionário. Rebelde,
aventurou-se no perigo não por ideal, como a maioria, mas por diversão e aventura.
O grupo levava a sério, eram idealistas que objetivavam algo muito importante
para eles.
“Achando
que eles estavam indo longe demais, começou a ter medo e tentou diminuir o
contato, mas viu que seria difícil desligar-se deles. Um dia, um moço lhe procurou
e ofereceu uma quantia grande de dinheiro por informações sobre o grupo. Não
hesitou em aceitar e, ao receber o dinheiro, deu a ele todas as informações que
sabia. No outro dia foram todos presos em flagrante, quando se reuniam para
planejar novos ataques.
“Certamente
você não foi ao encontro marcado, deu a desculpa de que estava doente e faltou.
“Foram
todos presos, torturados e muitos desencarnaram. Ficaram sabendo então os
desencarnados que foi você, e por dinheiro, que os delatou, odiaram-na.
“Alguns
dos seus ex-companheiros que desencarnaram não a perdoaram e passaram a
persegui-la, desejando vingança. Eles até que entenderam que quem os torturou
e os matou cumpria ordens e, no momento, eram rivais, tendo idéias diferentes,
e que eles também já haviam matado pessoas do grupo deles. Mas você não tinha
desculpa, para eles você foi a traidora cruel, a maior culpada.
“Você se
pôs a gastar o dinheiro prazerosamente, mas, com a aproximação deles, começou a
inquietar-se, passou a ser obsediada com ódio e perturbou-se. Por três anos
lutaram mentalmente. Você os enfrentava e não se arrependeu, mesmo sabendo o
que eles passaram no cativeiro. Eles não deixavam que esquecesse a traição.
Desesperou-se, falava com eles, as pessoas julgavam que falava sozinha. Dizia-se
perseguida, riam de você.
Atormentada,
quis morrer e os perseguidores aplaudiram e incentivaram a idéia. Sabiam que
suicidas sofrem muito e eles queriam vê-la sofrer.
“Um dia,
sentindo que nada valia mais a pena, jogou-se de um viaduto, de cabeça. Queria
mesmo morrer para esquecer o tormento, queria esmagar o cérebro para não pensar
mais.
“Eles,
querendo continuar a vingança, a desligaram do corpo físico, e sua agonia
prosseguiu, perseguiram-na pelo umbral.
“Mas
outros ex-terroristas desencarnados vieram ajudá-los, tentar convencer os
ex-colegas, os que a perseguiam, que a perdoassem e fossem com eles para o
plano espiritual melhor. Alguns foram, outros não. Socorreram-na, mas estava
tão perturbada que não conseguiram recuperá-la. Eles acharam que você deveria
reencarnar entre os ex-colegas que ficaram encarnados e que naquele momento
estavam livres e vivendo normalmente.
Concluíram
que seria um modo de se reconciliarem e também que os que ainda não a haviam
perdoado não iriam persegui-la como filha de amigos queridos.
“Certamente
eles fizeram com a maior das boas intenções, mas, às vezes, só a boa intenção
não é o bastante, tem que agir com conhecimento.
“Como vê,
Marília, seus pais, ex-companheiros de terrorismo, não a aceitaram e
colocaram-na no orfanato. Quero lhe explicar que muitos dos seus
ex-companheiros do orfanato não estão lá só por esse motivo, são muitas as
causas que levam pais a rejeitar, abandonar ou deixar filhos no orfanato:
orgulho, desencarne de um ou dos dois genitores, vaidade, não poder ou não ter
condições para criá-los e, como no seu caso, não perdoar.”
“Não
queria ter feito isso!”, falei aborrecida.
“Marília,
tire lições disso tudo para acertos no futuro.
“Lalau,
fui perseguida nessa última encarnação e após anos há os que não me perdoaram.
Como fazer para que eles me perdoem?”
“Fortaleça-se
primeiro, Marília. Apta, peça perdão a eles, estude, trabalhe, aprenda,
aproveite a oportunidade que está tendo no momento para se harmonizar, para se
equilibrar, para saber lidar com essa situação, assim reconciliar-se-á com
todos.”
“Eles me
acompanharam durante toda a minha última encarnação. O tempo todo em que
estive no corpo físico, eles tentaram me maltratar. Não sei como eles não
quiseram ou tentaram me levar com eles quando desencarnei”, falei a Lalau.
“Tentaram
sim, mas não conseguiram. Socorristas a desligaram e trouxeram-na para cá.”
“Quero
pedir perdão a todos eles”, falei. “Mas e se algum teimar em não me perdoar?”
“Você tem
que realmente se arrepender e pedir perdão com sinceridade, e tentar ajudá-los
como foi e está sendo ajudada. Quem não perdoa, Marília, sofre muito. Creio que
todos eles entenderão você, há muitos ex-guerrilheiros que trabalham
incansavelmente ajudando os companheiros que não estão bem e que vagam. Eles
auxiliarão você a se entender com os que ainda a odeiam.”
E desde
esse dia, tenho me esforçado. Fui ao encontro de todos, primeiramente dos que
já haviam me perdoado. Foi com muita alegria que escutei:
“Perdôo,
você, Marília, está perdoada.”
Passamos
a nos encontrar e trocar idéias, eles me ajudaram muito, voltamos a ser amigos.
Acompanhada
por Lalau e por alguns desses meus ex-colegas que me perdoaram, fui em busca do
perdão de todos. Roguei até aos que estão encarnados, aos meus pais; muitos me
perdoaram, outros infelizmente não, mas não desisto, tenho esperança de que
irão fazê-lo um dia.
Pensando
no que errei, muito tenho que fazer para reparar meus erros. Fiz muitos
odiarem, agora quero fazer com que amem novamente. Só o amor constrói, frase
muito falada, mas pouco seguida. Eu, na encarnação em que me chamei Marília,
tinha o hábito de pichar essa frase. Agora a marquei na mente e no coração.
Quero
acertar! Que Jesus me dê forças, como também a todos nós.
Agradecida
Maria, Marília
Explicações
de Antônio Carlos
Estandislau, o Lalau, bondoso instrutor de um
Educandário, falou a Marília que todos os orfanatos no futuro teriam como
modelo os Educandários do plano espiritual. Tenho esperança de que sejam
realmente. Tenho notado que a maioria tem realmente melhorado, tendo como
objetivo não só educar seus internos, mas também trabalhar. Mas esse futuro a
que se refere esse instrutor é um futuro próximo, porque cremos que, com a
transformação da Terra, não necessitaremos mais de orfanatos. Teremos responsabilidade
para cuidar dos rebentos, como também se houver órfãos terão o amor de pais
adotivos.
Muitos de vocês, leitores, poderão pensar que era
injusta a obsessão de Marília num corpo deficiente. Mas repito aqui: nos
ligamos às nossas ações quando não perdoamos, quando não nos arrependemos de
nossas culpas e não pedimos perdão.
Marília errou, como ela concluiu, fez com que
muitos a odiassem. Mas não se arrependeu, lutava mentalmente com eles,
perturbou-se e suicidou-se, agravando seus erros.
Mesmo depois, reencarnada, não pediu perdão, não
gostava deles, temia-os, mas também queria atingi-los. Por isso foi obsediada,
vibrava igual.
Só depois, no Educandário, doutrinada, é que entendeu seu erro e
arrependeu-se.
Tenho visto muitas obsessões entre deficientes mentais, como também
noto que a religião e passes espíritas têm feito bem a eles, porque aprendem
todos, obsediados e obsessores, a perdoar.
Os ex-companheiros não conseguiram perdoá-la e não a aceitaram por
filha.
“Se fosse um espírito querido deles, a aceitariam? “, poderão inda gar
“Não sei”, respondo, “talvez se amassem o espírito o aceitariam, mas
deveriam aceitar. Erraram rejeitando. Adiaram uma reparação e reconciliação.”
Veio-me agora à mente uma historinha que nos foi contada gentilmente por
um desencarnado. Disse-nos ele:
“Era pobre, herdara do meu pai um pedaço de terra e comecei a trabalhar
incansavelmente nela. Casei, tive filhos e queria para eles, para nós, uma vida
melhor.
“Mas por ali chovia sempre forte, tempestades de granizo estragavam as
lavouras.
Todas as vezes que ameaçava chover, me ajoelhava e orava com fé:
“Deus, agora não tenho condições de agüentar um prejuízo, adia-me, por
favor, esse transtorno.
“Chovia manso no meu sítio e nos vizinhos havia
estragos.
“Progredi com meu trabalho, tinha casa boa, filhos
crescidos, o sítio próspero. E veio uma grande tempestade e estragou todo o meu
sítio.
Os vizinhos vieram, aflitos, saber se precisava de
auxílio, encontraram-me ajoelhado, orando como das outras vezes:
“Que faz, homem? Agradece a Deus pelo estrago? -
indagou um vizinho, estranhando.
“Quando não tinha condições de agüentar um
transtorno, o Pai Amoroso atendeu a meu pedido e o afastou. Agora que me sinto
preparado, a tempestade veio e não me pareceu grande nem que fez tantos
estragos. Sou grato a Deus!”
Esse homem sabia que teria de enfrentar um dia as
conseqüências de um erro, e que isso lhe seria um transtorno. Pediu e lhe foi
adiado para quando se sentisse forte para tanto.
Fortaleceu-se no trabalho, aproveitando as oportunidades.
Certamente aprendeu muito, pôde assim suavizar a reação e aceitá-la com
tranqüilidade.
Poderia até ter evitado esse transtorno se, em vez
de trabalhar só para si, trabalhasse também para o próximo.
As reações vêm sempre, aceitamos se estamos preparados,
e não se preparando tudo parece pior, e se rejeitamos inconformados só as
adiamos, mas a hora da colheita chega para todos. E felizes os que se preparam.
Fortaleçamo-nos,
amigos, na boa moral, nos ensinos evangélicos, na caridade, no amor ao próximo
e sabianente poderemos trocar a má colheita pelo trabalho reparador. Se
podemos, façamos e, se não conseguimos trocar o todo, podemos suavizar
bastante!
Alegrias!
9
Laura
Sou tremendamente simples ou tento
ser. Nem sempre fui assim. Agora quero ser e por vontade própria estou sendo,
porque acho que a simplicidade e a docilidade são importantes para mim.
Na minha última encarnação, com
Síndrome de Down, fui feia, bem diferente dos considerados normais, mas enquanto
estive encarnada fui relativamente feliz.
Não tinha nada em comum nem ligações
pelo passado com a família que me acolheu no seu seio. Conhecemo-nos nessa
encarnação, eles muito me amaram e eu aprendi a amar com seus exemplos.
—
Laurinha, como amo você!
Como era
bom escutar isso de meus pais, avós e irmãos. Era sincero o carinho deles, e eu
até que repetia:
— Amo
“ocês”!
E o amor
foi ficando forte em mim e, como sempre,
ele nos dá frutos
de paz e alegria. Sei com certeza o
quanto me foi e é
importante ter conhecido, sentido e
aprendido a ter
esse sublime sentimento.
— Laura,
querida, coma tudo para ficar forte!
Não
estava com muita vontade, mas me esforçava, estava doente...
Os meus
familiares eram de classe média, vivíamos com algumas dificuldades, que foram
agravadas com o meu nascimento, porque lhes dava algumas despesas a mais. Nunca
os escutei reclamar, não o faziam. Para eles, todo o dinheiro gasto comigo era
bem empregado.
Procuraram
todos os recursos para que eu melhorasse e eu melhorei. Com fisioterapias,
tive mais coordenação, me alimentava bem sozinha, andava, aprendi a escrever
meu nome e, se tivesse ficado mais tempo encarnada, aprenderia com certeza até
a ler.
— Minha
escola é “inda”!
Amava a
escola que freqüentava, lá todos me entendiam, eu brincava e aprendia. Queria
aprender, ler como minha irmã Bela. Era a Isabela, linda e amável.
Tive três
irmãos: Isabela, a mais velha, depois eu, e os gêmeos Evandro e Leandro.
Todos
eles me tratavam bem e com carinho. Eu era para eles a irmãzinha que tinha
algumas dificuldades e que eles necessitavam ajudar e muito amar.
Íamos
muito ao templo orar.
— Pai do
céu, proteja nós todos!
Sempre
fazia essa prece ao chegar, e alto. Todos me respeitavam, ninguém me repreendia
por fazê-la. Era sincera minha prece. Não conseguia decorar as preces com
muitas palavras e frases. Gostava de orar, de ir ao templo. E ir foi importante
para mim.
— Vestido
“novô”!
Ria
alegre, era vaidosa e gostava de vestidos, gostava também de passar batom.
Estava sempre com os lábios pintados. Com carinho, Bela passava em mim.
Embora
deficiente e doente, porque tive sempre uma doença renal que muito me
maltratava, fui muito feliz, pois fui aceita como era.
Sabia que
era diferente. Sim, notava a diferença entre mim, meus irmãos e outras pessoas.
Mas isso não me aborrecia, é estranho dizer o que ocorria comigo. A diferença
me parecia normal. Sentia que tinha de ser. Achava-os bonitos, não me sentia
feia, mas diferente.
Talvez
por eles, meus familiares, não me acharem.
—
Laurinha, não faça isso! — dizia mamãe.
Era
obediente, dócil, mas Leandro me ensinava a fazer artes. Quando fazia algo de
errado, ele ria alto e eu o acompanhava na risada, como todos também. Leandro
era travesso, mas muito amoroso.
A minha
doença renal foi se agravando, embora sentisse dores, continuei dócil e alegre.
Vieram os
sobrinhos. Gostei deles e eles de mim. Os meus familiares me tratavam como a
uma deficiente, e não como incapaz, tinham paciência em me ensinar, sem
contudo fazer para mim o que me cabia, O que era capaz, tinha de fazer, e essa
capacidade foi se ampliando!
Tivemos
um cão, gostava de brincar com ele, éramos amigos e nos entendíamos.
Quando
adoecia e tinha de ficar dias no leito, Beija-flor, o nosso cão, ficava ao
lado, alegrava-se quando eu me levantava. Foi um animal de muita estimação.
Quando morreu, já velho, com quinze anos, chorei e senti muito. Ao vê-lo
parado, frio e duro, quis que voltasse à vida, e pedi a mamãe:
— Faça,
por favor, ele latir!
— Laura,
Beija-flor morreu! Todos nós, filhinha, iremos morrer um dia. Nascemos para
viver por determinado tempo aqui e depois vamos para o céu.
—
Beija-flor foi para o céu? — indaguei.
— Não sei
se os animais vão para o céu... Não se entristeça, compraremos outro.
Mas me
preocupei com o fato, com a morte, se todos iam morrer, papai e mamãe iriam
também.
— A
senhora irá morrer como o Beija-flor? Vai me deixar?
— Sim,
todos nós iremos morrer um dia. Voltaremos a ficar juntos.
— Não
quero morrer...
Chorei
desesperada. Tive de ir à psicóloga para me acalmar. Mas a morte me deu uma
sensação de separação muito forte, de perda.
Desencarnei
aos vinte e seis anos, depois de meses entre o hospital e minha casa. Fiz minha
passagem tranqüila como foi minha vida.
Os meus
familiares sentiram muito minha falta e choraram bastante.
Minha avó
desencarnada veio me ajudar.
Senti
dormir para acordar disposta num outro hospital, ao lado de vovó Cleuza.
“Olá,
querida!”, disse vovó Cleuza. “Amo você! Que bom você ter sarado.”
Sarei da
doença renal e de outras complicações, mas ainda era deficiente. Mas foi por
pouco tempo. Bem rápido, questão de dias, estava totalmente recuperada. Fixei
as lições aprendidas: simplicidade, alegria, docilidade e obediência. Tanto
que sentia a falta de casa e de todos, mas compreendi que agora viveria ali e
não podia reclamar. Agindo assim, me acostumei rápido.
Fui
levada, ao desencarnar, para o hospital do Educandário. Lá fiquei por dias,
sendo tratada com muito carinho. Hospitais no plano espiritual são diferentes,
lá só há melhoras, somos tratados com bondade, alegria e sem dores. Não existem
tratamentos traumáticos ou doloridos.
Tinha
horários para orar, escutar música e palestras pelo fone de ouvido. Os que lá
trabalham têm o prazer de nos explicar qualquer indagação.
Ia muito
ao jardim e nos reuníamos em grupos para conversar, trocar idéias. Isso é
importante para todos os que estão se recuperando, não é bom se isolar. Conversando
se aprende muito. Ficava no jardim por horas escutando-os, e eles a mim.
Trocar idéias dos acontecimentos é gratificante.
Quando
melhorei, fui morar com vovó, que residia com outros parentes numa casa linda
na colônia.
Interessei-me
muito na colônia pelos animais, que normalmente são pequenos, dóceis e não nos
temem, porque todos os respeitam. Em algumas colônias há um espaço sempre perto
do Educandário para os animais. Mas na maioria das colônias eles vivem soltos
pelos jardins e pátio. Nas colônias que têm espaço próprio, é chamada área de
lazer, e eu ia muito lá para brincar com eles, principalmente com um cãozinho,
o Fofinho.
Quis
saber o porquê de ter animais nas colônias, e minha mestra explicou-me:
Laura,
todos nós somos Criação Divina, e os animais também, dizemos que são nossos
irmãos inferiores. Há os que vivem no corpo físico na Terra e há os que vivem
como nós, no plano espiritual. Eles têm sido sempre úteis lá e aqui. Nesta
colônia, o governador fez este espaço para eles perto do Educandário, para que
ajudem nossos abrigados. E como têm ajudado!”
Gostei,
amei e amo a colônia onde moro e, logo que me adaptei, passei a trabalhar e a
estudar para conhecer melhor o mundo em que fui chamada a viver com a morte do
meu corpo.
“Que
lugar maravilhoso! Que bom estar com a senhora, vovó Cleuza!”, dizia
extasiada.
Após dias
passeando, conhecendo tudo, entrei num curso para aprender a viver
desencarnada.
Mas
lembranças vieram, tanto da minha última encarnação, como do período em que
vivi desencarnada da outra vez, e também da minha penúltima encarnação. Para
entender sem me perturbar, fui por orientação de minha mestra ao departamento
próprio e recordei tudo como também recebi orientação para conviver com essas
lembranças.
Na minha
penúltima encarnação fui muito bonita frívola e vaidosa, casei por interesse
com um homem mais velho do que eu, que tinha dois filhos já mocinhos e quase da
minha idade.
Resolvi
aproveitar a vida e o fiz de modo errado. Logo estava em orgias, passei a usar
drogas e a trair meu esposo, como também a dar drogas aos meus enteados;
viciei amigos deles e meus. Gastava muito dinheiro para adquiri-las.
Meu
esposo desconfiou e começaram as brigas. Um dia, ele me bateu, surrou-me com
ira deixando-me muito machucada. Sabia que ele me amava e quis castigá-lo.
Estava drogada e não pensei muito. Mas não queria morrer. Querendo recriminá-lo
e puni-lo, tomei uma overdose. Ele saíra de casa após a briga, estava sozinha e
passei mal. Quis pedir socorro, não consegui.
Desencarnei,
fui tirada do corpo e levada para o umbral, onde fui vampirizada. Não entendia
o que me acontecia e fiquei perturbadíssima. Vaguei por anos parecendo um
zumbi, sendo vampirizada e vampirizando.
Então, um
grupo de vingadores me pegou e levou para reencarnar. Esse grupo perseguia meus
futuros pais, querendo castigá-los, me levaram para ser filha deles e,
perturbada como estava, transmiti essa perturbação ao feto e nasci deficiente.
Como me
foi explicado, se tivesse clamado por ajuda teria me recuperado no plano
espiritual superior, num posto de socorro, numa colônia, porém não o fiz, nem
passou pela minha cabeça que agi errado, nem pedir perdão, nem orar. E eles,
meus pais, também na época imprudentes, tinham uma religião de fachada, de
forma externa, não a freqüentavam e oravam pouco, pensavam muito nos prazeres
materiais.
Assim,
esses vingadores acharam um modo de atingi-los: como minha futura mãe
pretendia ficar grávida, colocaram-me ao lado dela, assim pude me colocar ao
feto. Foi permitido que reencarnasse...
Mas foi
um choque meu nascimento, não só aos meus pais, como a todos os familiares. Mas
um choque que os levou a mudar de vida. Pensando que foi um casti go por seus
erros, trataram de se melhorar. A primeira providência foi seguir, voltar à
religião, a orar, e com isso passaram a vibrar melhor, saíram da faixa vibratória
de seus inimigos desencarnados que não puderam mais atingi-los.
Os
vingadores pensaram que castigariam meus pais, mas se enganaram, no começo
sentiram, mas acharam soluções para o problema que era eu e conviveram bem com
os problemas e comigo. Como também foi muito bom espiritualmente para eles,
reencontraram na religião o bom caminho.
O mais
interessante nesse fato é que não era ligada a eles, a ninguém dos meus
familiares, pelo passado.
Isso é
importante, estar sempre aberto a novas amizades, a amar a todos.
Sentiram
o meu desencarne, mas não me atrapalharam, entenderam que todos nós que
estamos encarnados desencarnaremos um dia; e que esses dois fatos, encarnar e
desencarnar, são muito importantes, que devemos ser bem compreendidos,
assistidos e ajudados para que tenhamos facilidade nessas fases de nossa vida.
Recordar
o passado me fez bem, pedi para saber daqueles que prejudiquei. Encontrei meu
ex-esposo vagando no umbral. Ele teve remorso com a minha morte, mas esqueceu
com o tempo, casou novamente e viveu muito tempo encarnado. Mas continuou sendo
imprudente e foi por merecimento, ao desencarnar, para o umbral.
Pude
saber de seus dois filhos, os que viciei. Com a minha desencarnação,
assustaram-se, contaram ao pai, que os internou numa clínica. Com medo e
vontade passaram a viver longe das drogas. Recuperaram-se, isso me
tranqüilizou.
Pedi para
ajudar meu ex-esposo, foi-me permitido. Fui conversar com ele no umbral, não me
reconheceu, para ele era uma amiga, a Laura.
“Laura”,
dizia ele, sempre, “por que você se preocupa comigo? ‘Me dá’ tanta atenção!”
“Sou sua
irmã em Cristo, quero ajudá-lo! Reconheça seus erros e venha comigo.”
“Não tive
nem tenho erros, é injusto estar aqui e não quero ir com você. Não sei para
onde irá me levar.”
Por algum
tempo o visitei, até que um dia o percebi cansado, disse-me:
“Você tem
razão, não merecia ter outra vida. Fui rico, orgulhoso, só vivi em função dos
prazeres carnais e materiais.”
Logo
depois pude levá-lo para um socorro, onde está se recuperando. Quer reencarnar
e deve fazê-lo logo.
Eu não,
quero ficar mais algum tempo no plano espiritual e quando reencarnar, se
possível, fazê-lo entre meus últimos familiares, porque com eles aprendi a amar
sendo amada.
Como
também sou grata às oportunidades que temos pela reencarnação!
Explicações
de Antônio Carlos
Temos aqui mais um exemplo de que
todos que agem com imprudência sentem suas conseqüências.
Laura era, na sua
penúltima encarnação, muito materialista, pensava somente em desfrutar dos seus
vícios e prazeres, comprometeu-se prejudicando seu corpo físico e lesando seu
perispírito.
Como vimos, muitos fatos acontecem com imprudentes.
Mas sempre sob a supervisão de espíritos superiores.
Esses desencarnados vingadores pegaram Laura e a
levaram para que reencarnasse perturbada, porque sabiam que ela iria conseguir
transmitir para o feto uma deficiência. Foi o que aconteceu, orientadores
permitiram, sendo uma chance de melhoria a todos, de Laura e de seus pais.
Poderia ter dado errado, os pais, não aceitando e rejeitando-a, continuariam
imprudentes e na mira dos vingadores. Ainda bem que agiram com prudência e
corretamente.
Vimos também que Laura recuperou-se rápido, foram
dias no hospital onde se sentiu ótima. Essa recuperação não é igual para todos,
depende de muitos fatores. Laura o fez porque não se sentia doente.
Como nos é importante sermos amados, mais ainda é
aprender a amar, dar valor aos sentimentos alheios e nos fazer dignos sempre
de ser cada vez mais queridos.
Os familiares de Laura entenderam bem que ela
possuía um lugar na sociedade e que não era uma coitada e sofredora, fizeram de
tudo para que ela fosse feliz, e foi.
Deficientes são o que são e não o que querem que
sejam. Cada um deles tem a potencialidade que lhe é própria, e como nos
surpreendemos quando são bem trabalhadas essas potencialidades! Normalmente
eles nos pedem que reconheçamos isso e, quando o fazemos, se sentem úteis,
ativos e contentes.
Lembremos que os deficientes têm aspectos
limitados, mas que lhes são próprios, e deficiência não é a mesma coisa que incapacidade!
10
Carlos
Fui uma
pessoa normal até o acidente...
Estava eufórico com o meu boletim do
segundo ano do colegial (atualmente, ensino médio), minhas notas eram as
melhores de minha classe. Estava de moto, era cauteloso, ganhara a moto de
aniversário do meu avô, não havia gostado muito do presente. Meu pai e meu avô
amavam as motos, eu não, achava-as perigosas.
— Parabéns, Carlão, será uma fera no
ano que vem, no vestibular!
Um amigo
gritou, quando parei na esquina esperando o sinal abrir, atravessaria uma
avenida movimentada de nossa cidadezinha pacata. Sorri ao amigo e respondi:
— Você também não foi nada mal, Teteco!
O sinal abriu e avancei, e uma caminhonete, desrespeitando
o sinal, entrou com toda a velocidade e me atropelou, fui jogado longe.
Ouvi
gritos que me pareceram distantes. Meu amigo Teteco correu gritando:
— Carlos,
pelo amor de Deus! Carlos!
O homem
bêbado da caminhonete saiu correndo, fugindo.
Uma cena
incrível, que creio que não esquecerei jamais. Olhei meu corpo caído,
sangrando, vi o homem correr, pessoas gritando, meu amigo desesperado. Não
senti nada, dor nenhuma, parecia alheio, entretanto, sabia o que ocorria
comigo.
A
ambulância chegou rápido, o acidente foi perto do hospital. Colocaram-me dentro
dela, então as lembranças vieram:
Fui
sempre muito amado e tive tudo o que quis, só que sempre quis pouco e tudo
estava bem para mim. Sempre achei que tinha muito.
Era o
mais novo de casa, tinha duas irmãs mais velhas, único filho varão, isso era
Importante para meu pai e meu avô, que teve só meu pai de filho. Papai e vovô
sempre me deram tudo, talvez o que eles sonharam ter.
Fui uma
criança dócil, adolescente ponderado, tinha muitos amigos, era querido.
Recordei-me
primeiro de fatos que julgava esquecidos, do meu cãozinho Dourado, dos
peixinhos do aquário, dos carinhos da vovó Esmeralda, a quem muito queria. Das
festas de aniversário e a do meu último, quando ganhei a moto. Parecia que
escutava meu avô dizendo:
“Carlos,
meu neto, dou a você esta moto porque sei que é cuidadoso e ajuizado. Irá
dirigir sem carteira de habilitação, mas quando tiver idade irá dirigir outra
maior e mais possante”.
E por
fim, lembrei-me do Espiritismo. De como amava a Doutrina. Minha família dizia
ter uma religião, porém não seguia nada.
Um dia
passei pela praça, estava havendo uma feira de livros, e vi que era de livros
espíritas, aproximei-me, curioso.
“Não quer
folhear algum, meu jovem?” perguntou-me uma agradável senhora.
Respondi
um sim com a cabeça e peguei um. Era o livro Sinal verde, de André Luiz, psicografado por Chico Xavier. Abri
uma página e li. Gostei e comprei, achando-o muito barato.
Cheguei
em casa e o li todo de uma vez. Gostei tanto que fui no outro dia e comprei
mais dez livros. Comecei a ler, interessei-me, sabendo que Francisco, um colega
de classe, era espírita, conversei com ele sobre o assunto e ele me convidou
para assistir a uma reunião para jovens, no domingo.
Estava
ansioso, cheguei ao local encabulado, mas logo essa encabulação passou, todos
ali se tornaram meus amigos e, ao terminar o encontro, senti duas certezas:
primeiro, que
tudo aquilo, ouvido, comentado e que li, me era familiar. Segundo, que queria
ser espírita e tornei-me um.
Os meus
familiares não proibiram, não eram capazes de me proibir nada. Mamãe achou que
aquela euforia passaria logo. Só que não aceitavam que eu falasse sobre o
assunto.
“Instrutor
Leonel!”, exclamei, abraçando com força o amigo que se aproximou de mim.
Então vi,
percebi, que me transformara em dois, um consciente, pensativo, e “outro”, logo
abaixo, deitado na mesa cirúrgica. Meu corpo físico estava sendo operado. O
“eu” que pensava e sentia não tinha nem um arranhão.
Num
impulso abracei aquele ser querido, não recordei quem era, só que o amava e
que podia confiar nele. Éramos iguais, ou quase. Observando-o, notei que nossa
diferença era que estava ligado ao meu “outro eu por um cordão.
“Carlos,
vim ajudá-lo!”, exclamou ele com voz carinhosa.
“Irei
desencarnar, Leonel ?“, indaguei, recordando o nome dele, éramos amigos de
muitas existências.
“Seu
corpo físico está muito machucado”, respondeu ele.
Lembrei-me
então que reencarnara com uma finalidade, ajudar os meus familiares a voltar à
religião, a progredirem espiritualmente. Suspirei, para mim tudo parecia
normal, estava calmíssimo, raciocinando rápido e consciente.
Leonel,
não consegui...”
“Não se
preocupe com isso agora”, falou sorrindo.
“Será que
não dá para ficar encarnado mais tempo e continuar tentando?”, perguntei
esperançoso.
“Carlos,
seu físico foi muito danificado. Você não o terá mais perfeito.”
“Se
desencarnar agora, meus familiares com certeza ficarão revoltados. Se
continuar encarnado, mesmo doente, a dor fará com que eles busquem Deus. Deixe-me,
Leonel, ficar mais algum tempo.”
“Mais uns
dez anos? Poderá ficar, mas repito a você, Carlos, que não terá mais o corpo
perfeito. E você não precisa passar por isso.”
“A dor é
sábia companheira quando aceita”, respondi tranqüilamente. “Faço tudo isso por
amor a eles e não será sacrifício.”
Leonel
sorriu, concentrou-se, e logo vi outros médicos chegarem; eram três do plano
espiritual, desencarnados, que vieram ajudar os outros, os encarnados que me
operavam.
Senti
sono e adormeci.
Acordei,
senti dores e gemi.
— Graças
a Deus, você acordou!
Escutei
mamãe dizer e senti sua mão acariciar meu rosto.
Esforcei-me
e abri os olhos, vi mamãe, que tentou sorrir para mim, vi aflição e piedade em
seu olhar. Sentia dores, me doía o corpo todo e muito a cabeça. Vi uma
enfermeira me aplicar uma injeção e adormeci.
Fiquei
dias assim, sentia-me desconfortável acordado, dormia e encontrava com amigos
desencarnados, conversava com Leonel, que me animava.
“Carlos”,
dizia ele, “calma, o corpo ferido dói, fique firme, paciência, você melhorará.”
Saía do
corpo com facilidade e me via como se fosse dois, eu, o ser pensante,
consciente, e o meu corpo, deitado, imóvel. Prestei atenção no meu corpo e vi
por que mamãe apiedava-se. Estava com a cabeça todinha enfaixada, pernas
engessadas, peito todo machucado e a mão esquerda toda com pontos.
Leonel,
vendo-me indeciso, explicou:
“Você,
Carlos, está vendo tudo, seu corpo físico, porque está espiritualmente afastado
dele. Vê com seu corpo perispiritual. Vê esse cordão? É o que liga você ao
corpo físico.”
Melhorei,
sofri as dores com paciência, mas fiquei com o corpo deficiente. Meu cérebro,
com traumatismo, também ficou com seqüelas. Não lembrei de nada, só das
pessoas.
Esqueci
muitas coisas, ou quase tudo, não lia, não escrevia, não falava, só ria e
chorava.
A
recuperação foi lenta, fisioterapias, exercícios, fonoaudiologia, psicóloga e
muito carinho dos meus familiares.
Uma
visita me alegrou. Ria... ria... Eram meus amigos da Juventude Espírita.
Vendo-me tão alegre, mamãe pediu a eles que retornassem. Não só eles voltaram,
mas outros, adultos, do nosso centro espírita. Eles, além de me reconfortarem
com leituras, preces e passes, conversaram com meus familiares orientando-os.
No começo, aceitaram por estarem desesperados. Depois se interessaram,
raciocinaram sobre o que ouviram, acharam certos e muito bonitos os
ensinamentos espíritas. Com o tempo passaram a freqüentar o centro espírita e
até me levavam, ia feliz. Meu espírito se regozijava por estar ali e recebia o
conforto, energias que me faziam muito bem.
Tornaram-se
espíritas...
Voltei a
andar com dificuldades, como também reaprendi a falar. Não reclamava dos
muitos exercícios, mas só gostava da hidroginástica.
Anos se
passaram, já lia novamente e escrevia com muita dificuldade. Continuei dócil,
evitando dar mais trabalho.
Tinha um
grande consolo e incentivo, com a minha permanência no corpo, meus familiares
passaram a dar mais valor à vida, a orar e descobriram o Espiritismo como a
religião ideal para eles. Meu sonho se realizou, continuaram a caminhada rumo
ao progresso.
E amigos
desencarnados me ajudavam, me desligavam do corpo físico quando dormia e
conversávamos trocando idéias. Eles me levavam muito para o plano espiritual,
onde me refazia, e onde aprendi muito.
“Meu
Deus!”, exclamava. “Como é bom ter o raciocínio perfeito!”
A
sensação que tive encarnado, quando sadio, era como se estivesse preso a um
corpo que não volitava e que tinha necessidades, mas com ele perfeito era mais
confortável. Após o acidente, no leito, tinha impressão de estar preso num
lugar pequeno, estreito e desconfortável. Mas o pior era a lesão no cérebro,
que me impedia de entender, raciocinar com precisão. Era como saber fazer e não
conseguir. Vi as pessoas fazerem, falarem, sabia que fui capaz e que não podia
mais. Não conseguia, sentia minhas limitações.
Não foi
uma sensação muito boa estar num corpo deficiente, mas também não foi ruim, foi
uma sensação diferente em que a maior lição aprendida é dar valor ao corpo
perfeito.
Lembrava-me
bem, quando desligado do corpo pelo sono, que foi escolha minha, e que recebia
muito carinho e afeto dos encarnados e muita ajuda dos desencarnados.
A
recuperação foi muito importante, sem cuidados me tornaria, talvez, como um
vegetal.
Vivi
deficiente mental por sete anos.
Um dia,
nosso cachorro fugiu e atravessou a rua, saí para pegá-lo. Andava arrastando a
perna direita. Corri do meu jeito, atravessei a rua sem olhar e novamente fui
atropelado.
“Vem,
Carlos, findou seu tempo!”
Leonel me
disse com firmeza, mas de modo agradável, como sempre. Acostumado às visitas
do meu amigo, dei-lhe a mão tranqüilamente. Não senti dor nenhuma e
desencarnei sem nenhum problema.
Acordei e
reconheci o plano espiritual, procurei pelo meu cordão e não achei, lembrei do
acidente. Leonel aproximou-se do meu leito.
“Bom dia,
dorminhoco! Faz três dias que dorme aqui conosco.
“Pelo
visto desencarnei mesmo! “, respondi.
“Sim,
você desencarnou, meu jovem!”
“E os
meus familiares, como reagiram? Papai? Mamãe? Vovô?”, indaguei preocupado.
“A
situação agora é outra. Entenderam tanto sua vinda para o plano espiritual que
até fizeram questão de conversar com o motorista e isentá-lo da culpa. Eles,
seguindo o Espiritismo, são ajudados. Agora eles têm a compreensão da morte do
corpo.
De fato,
nem os senti chorar, sei que o fizeram, mas o pranto de dor sem revolta não nos
perturba.
“Leonel”,
disse, “quero lhe agradecer. Sou profundamente grato a você.”
Meu amigo
sorriu em resposta.
Amigos nem sentem quando fazem favores. Lembram só os que
recebem.
Encantei-me
de viver no plano espiritual, na colônia em que fui abrigado. Sou muito feliz
porque consegui o que queria, que os meus familiares progredissem
espiritualmente.
Ao
reencarnar, meus planos eram outros. Ligados aos familiares por afeto sincero,
quis que eles retornassem à caminhada para o progresso. Reencarnei entre eles
com planos de ajudá-los. Iria com certeza ser espírita e convencê-los a ser.
Mas houve o acidente, tirando-me a possibilidade de continuar com o corpo
perfeito. Temendo não ter outra chance, quis ficar e me foi permitido. E minha
permanência foi útil para eles e principalmente para mim. Cresci muito
espiritualmente, fortaleci-me na fé, na paciência e no amor.
No meu
passado recente, nada tinha de reparar. Mas, a muitas encarnações passadas, me
vi num carro de guerra, puxado por dois cavalos a passarem em cima dos feridos,
no solo. Chorei ao recordar esse fato, talvez isso tenha ficado em mim como
algo a resgatar. Vendo-me triste, Leonel me explicou:
“Carlos,
você também deve lembrar de uma outra encarnação sua, que como prático em
medicina cuidou de ferídos de guerra por muitos anos e que reparou com amor e
trabalho o que havia feito de errado. Recordamos mais facilmente as encarnações
em que erramos e que nos fizeram sofrer. Mesmo com compreensão e reparando,
você quis ainda sofrer a dor igual à que fez outros sofrerem. Daí o motivo para
os dois atropelamentos. O primeiro acidente foi por imprüdência de um homem
bêbado que estava correndo e fez de seu veículo uma arma. No segundo, você,
distraído, atravessou a rua atrás de seu cachorro. Nem você nem o motorista tiveram
culpa.”
“Se não
fosse esse acidente, iria viver muito ainda encarnado?”, perguntei ao Leonel.
“Você
desencarnaria mais ou menos dentro de três anos, quando seu coração sofreria um
infarto.”
Trabalho
com jovens, sou, após estudos, um instrutor no Educandário. Minha classe é
para jovens que voltaram à pátria espiritual de modo violento.
Visito
meus familiares com freqüência, vejo contente que minha permanência na carne
com deficiência não foi em vão, deu certo. E o primeiro a saborear os frutos
fui eu mesmo.
Explicações de Antônio
Carlos
Foi uma escolha difícil a de Carlos ficar no corpo deficiente. Fez por
amor aos seus familiares. Ele reencarnou com o objetivo de ajudar seus entes
queridos espiritualmente e iria fazê-lo, sem dúvida. Mas houve o acidente. Como
a imprudência nos deixa seqüelas e como pode prejudicar os outros!
Carlos foi o prejudicado, embora saibamos o tanto
que motos são perigosas e o tanto de acidentes que têm acontecido, resultando
em desencarnes precoces.
Creio realmente que nosso sofrimento é amenizado
quando o aceitamos. Carlos sofreu as dores e as limitações sem reclamar,
esforçando-se ao máximo para não ser um transtorno.
A dor nos ensina, e ele aproveitou bem as lições.
Tenho visto alguns espíritos pedirem para nascer
deficientes mentais, alegando querer ajudar entes queridos, chamá-los à
responsabilidade para a vivência espiritual. Mas esse não é o melhor caminho,
fazemos, ajudamos, orientamos, quando de posse de todas as capacidades.
Espíritos superiores, estudiosos, não dão essa permissão, mas sim, instruem
quanto ao melhor modo de auxiliar. No caso de Carlos, foi muito ponderado.
Leonel analisou bem e verificou que a desencarnação dele naquele momento iria
desesperar e revoltar seus entes queridos, e ajudou Carlos a ficar no corpo; e
ainda bem que deu certo.
Nem sempre essa escolha pode ser feita. Carlos pôde
por ser um espírito que já começava a compreender as verdades eternas e por não
ter o acidente por débito. Ele tinha reparado seu erro diante das Leis Divinas.
Também isso não é possível quando o corpo é totalmente danificado. E também nem
sempre o acidentado tem poder de escolha e espíritos bons e capazes ao seu
lado.
Só em raríssimas exceções temos visto casos Como O
de Carlos, ser deficiente sem ser por débito, porque somos muito mais úteis
capazes de fazer o que nos compete e cientes de nossas posses intelectuais.
Não sentiu Carlos, ao desencarnar, reflexos de seu
corpo doente. Sentiu-se sadio porque seu espírito o era. Esse fato acontece com
pessoas desapegadas e com as que aceitam a doença e a dor com entendimento. Ao
desencarnar, estava sadio, sua doença foi para o período encarnado.
Como é bom ver pessoas que foram doentes e
deficientes acordar, após a desencarnação no plano espiritual, sadias,
dispostas e felizes, porque fizeram por merecer!
11
Daniela
Balançava o corpo. Sentia uma
sensação estranha, diferente, parecia que o vai-e-vem do meu movimento era como
a cadência de um relógio. Era como se incentivasse o tempo a passar. Mas o
tempo para mim não existia. Tanto fazia se era noite, dia, frio ou calor, mas
claro e escuro fazia diferença, não gostava do escuro, tinha pavor e grunhia.
Sim, o termo certo é grunhir, porque fazia um barulho sufocado que saía da
garganta e que podia assustar quem não estava acostumado.
Podia
falar, se quisesse. sabia fazê-lo, porém raramente o fazia. Nada me parecia
importante para responder.
Escutar?
Sim, porém na maioria das vezes me fechava
tanto dentro de mim que não registrava nenhum barulho estranho.
— Dany!
Daninha! Daniela! Olha para mim! Está me escutando?
Mamãe, às
vezes, se irritava, começava falando baixo, ia aumentando o tom de voz até
gritar. Olhava para ela indiferente.
Agora,
anos após ter desencarnado, já recuperada, tento descrever o que sentia no
período em que estive em corpo autista.
Vou
escrever o que recordo juntamente com explicações que tive após ser curada.
Sofria,
não era feliz. Parecia que vagava, às vezes queria concretizar um exercício,
quando alguém falava comigo, mas era rápida essa sensação. A maior parte do
tempo estava vazia, completamente vazia.
Agora, me
parece que eu era oca, nada tinha por dentro. As vezes, além de não entender,
não enxergava. Ou melhor, via e não percebia. Era assim: estava na sala, via
tudo o que havia nela, mas não registrava, ou melhor, não entendia o que via.
Nasci
numa família de classe média, tive dois irmãos e uma irmã, todos perfeitos e
sadios. Não os amei, às vezes me eram tão indiferentes que nem os reconhecia.
Outras vezes, sim, me alegrava em vê-los e até respondia alguma coisa.
— “Ta” bom! Dani...la!
Raramente
respondia com sentido o que me fora perguntado.
Ora ria, ora
chorava, às vezes instintivamente, ria por achar bom, chorava por doer algo.
Papai me amava
muito, tinha paciência comigo, cuidava de mim com carinho. Mamãe aceitou-me,
talvez porque as pessoas achavam que ela deveria me aceitar, afinal era sua
filha.
Era bonita,
cabelos castanho-dourados, olhos verdes, traços perfeitos, só que era miúda e
magra.
As vezes me
alimentava bem, outras me era imposto.
— Coma, Daniela,
por favor! — implorava mamãe ou uma das empregadas que a ajudavam a cuidar de
mim.
Dificilmente
fazia algo sozinha, tinham que me ajudar em tudo. Trocar ,
alimentar, banhar, pôr para dormir, levantar da cama. Só uma coisa fazia
sozinha, nadar.
Gostava de nadar.
Mas esse gostar
era para algo que me chamasse mais atenção. Era estranho, sabia fazer e o fazia
quase que instintivamente. Caía na água e saía nadando e o fazia até, se
deixassem, a exaustão.
Quando eu era
pequena, mamãe me levou para aprender a nadar. Todos estranharam, reagi e
aprendi. Não tinha estilo, mas o fazia bem.
Papai construiu
uma piscina em casa, e eu nadava três vezes ao dia. Mas havia dias que estava
tão fechada em mim mesma que não queria nem nadar. Se me jogassem na piscina,
morreria afogada. Nesses dias era como se fosse uma máquina, não reagia a na
da, nem à dor.
Recordo
menos esses dias. Era um enorme vazio. Um vazio tão grande que me parecia ser nada...
Um vazio que doía...
Mamãe
cuidava de mim, me banhava, perfumava, me vestia com bonitas roupas que me eram
totalmente indiferentes.
Tive
poucos problemas de saúde e vivi por muito tempo.
Meus
irmãos casaram, ficamos papai, mamãe e eu em casa.
Meu pai
se preocupava comigo, era ele o único a me mimar. Até ao carinho dele eu era
indiferente. Não me importava com nada.
Ele
desencarnou repentinamente por um infarto, mamãe sentiu muito. Ficamos só nós
duas.
Mas meu
pai, sem preparo para esse fato tão importante em nossa vida que é a
desencarnação, voltou para junto de nós, para nossa casa. Tinham uma religião,
falavam que tinham, sem, porém, freqüentá-la ou segui-la. Nunca me levaram ou
oraram por mim. Embora eu fosse indiferente a tudo, isso me fazia bem. A oração
sempre faz bem ao nosso espírito. Era indiferente à maioria dos atos externos,
mas recebia fluídos. Orações são boas a todos nós.
Papai
voltou perturbado, tumultuando nossa casa. Mamãe havia ficado confusa com a
morte de meu pai e ficou ainda mais. Eu a sobrecarregava de trabalho.
Às vezes, via meu
pai, mas me era indiferente, não havia entendido o que se passara em casa. Ele tentava me
ajudar, agia como se estivesse ainda encarnado.
Foram anos de
confusão. Ele exigia que mamãe cuidasse melhor de mim, ela sentia mal-estar e
vivia em médicos.
Mamãe ficou
realmente doente.
— Ah, Daniela,
estou doente, e você assim parada, indiferente.
— Daniela ama
você! — disse me esforçando.
— Puxa, Daniela,
é verdade? Que bom! Bem que podia reagir e, em vez de ser ajudada, me ajudar,
necessito tanto!
Olhei-a curiosa,
foi uma sensação rápida, passou e voltei a balançar o corpo, indiferente a
qualquer coisa.
Mamãe estava com
câncer. Foi então que um grupo de senhoras religiosas passaram a visitá-la,
orar por ela, e foi por meio desse grupo que meu pai foi socorrido e afastou-se
do nosso lar.
Mamãe piorou, e
muito. Meus irmãos decidiram internar-me numa clínica. Fui indiferente. Mamãe
chorou ao despedir-se de mim.
— Daniela, minha
filhinha doente, vá, meu amor, se eu sarar buscarei você.
Minha irmã me
levou e lá fiquei.
Bem, a situação
de minha família havia piorado financeiramente com a morte de papai. Tiveram de
fazer economia para tratar de mamãe, que estava com câncer. Reuniram-se meus
três irmãos, resolveram me internar numa clínica mais barata, que poderiam
pagar. Mamãe desencarnou meses depois após muitos sofrimentos. Venderam a casa
em que morávamos e deixaram o dinheiro depositado para ir pagando minhas
despesas.
Embora
indiferente, senti falta de casa, da piscina e dos cuidados que recebia. Eu era
uma doente a mais na clínica.
Lá, fui
até estuprada, ainda bem que não fiquei grávida, estava com quarenta e dois
anos quando esse fato ocorreu. O médico que cuidou de mim até chorou, penalizado.
Investigou quem fizera esse ato infame.
— Quem,
Daniela, fez isso com você? Por favor, quem o fez’? — indagou ele
repetidamente.
De
repente, respondi, disse compassado:
— Seu
Dito...
Fora o
jardineiro, o qual foi mandado embora na hora. A clínica não queria escândalo,
nem chamaram a polícia nem falaram para os meus familiares. Eu não falei mais
nada sobre o assunto.
Mesmo
agora, ao recordar, é estranho, não tenho como descrever o que senti, o que
passei. Repugnei-me com as grossas mãos passando sobre mim. Senti dor, muita dor.
Quando ele me deixou, chorei e voltei a balançar.
Meus
irmãos iam raramente me ver, minha irmã ia mais.
— Quero
ir com você, por favor! — consegui dizer, pedi a ela.
— Não
posso, não temos condições, Ronaldo, meu marido...
Não ouvi
mais. Não gostava da clínica e me isolei mais ainda.
Estava
fraca, comecei a adoecer, tomei muitos remédios, estava com quarenta e seis
anos quando tive pneumonia. Não resisti e desencarnei.
Meu pai,
após o socorro que teve, entendeu que desencarnara e ficou no plano espiritual
me aguardando, ele vinha sempre me visitar. Mamãe foi socorrida ao desencarnar.
Quando
desencarnei, os dois estavam bem e me receberam, Isso me ajudou muito.
Desencarnar,
para mim, foi como dormir e acordar em outro local. Alegrei-me ao ver papai e
mamãe. Sorri para eles. Abraçaram-me saudosos.
“Filhinha”,
disse papai, “você não voltará mais àquela clínica. Ficará conosco.
“Que
bom!”
E me
fechei novamente.
Demorei a
me recuperar. Reagi primeiro às orações:
“Pai
Nosso...”
E recitei
inteira a oração que Jesus nos ensinou.
Papai e
mamãe moravam numa casa na colônia, fui morar com eles. Papai me deixava todos
os dias pela manhã no Educandário, onde recebia aulas. A tarde voltava
sozinha.
Amo muito
o plano espiritual, a colônia, e a tenho por lar. Para mim, viver desencarnada
é bem mais fácil, mas foi na minha última encarnação que encontrei os
obstáculos a serem vencidos.
Estou
recuperada, embora ainda às vezes, diante de um problema, me isolo, mas sou
chamada à responsabilidade. Tenho de enfrentar qualquer problema.
Papai, um
dia, me falou por que fui autista na minha última encarnação.
“Há
muitas encarnações, você, minha filha, tem agido com muito egoísmo. Você foi
rica na penúltima encarnação, enriqueceu com egoísmo e avareza. Você foi homem
e odiou as mulheres, achava-as inferiores e feitas só para servir os homens.
Viveu como miserável e nunca deu conforto aos seus familiares. Sua esposa ficou
doente e morreu à míngua, não lhe comprou um remédio. Quando enviuvou, você
estuprou uma filha que julgava solteirona. Os filhos saíram de casa e você
ficou sozinho. Um dia, um de seus filhos, tendo o filhinho doente, foi lhe
pedir ajuda, dinheiro para tratá-lo, e você negou. Seu neto morreu e seu filho
o odiou. Sua esposa, revoltada, negou ser socorrida e, perturbada, veio se
vingar. Obsediou-o.
“Desencarnou
na miséria, sendo rico financeiramente. Os filhos nem acreditaram quando
encontraram ouro e pedras preciosas na sua ex-casa.
“Você foi
para o umbral e ficou a vagar, vendo à sua frente ouro e ouro...
“Fechou-se
em si mesmo. Socorrido, não reagiu ao tratamento e voltou a reencarnar. Sua
antiga esposa foi sua mãe, e eu, o filho a quem negou dinheiro para salvar o
seu próprio neto”.
Papai
finalizou a explicação, quietamos, envergonhei-me e minha primeira reação foi
me isolar.
“Basta!”,
disse enérgico meu pai. “Chega de fugir do problema. Fez e está feito! O
importante é não fazer mais.
Reagi.
Fiz um propósito de ser útil. Passei a trabalhar e muito! Mas faço com gosto e
prazer. Sou enfermeira no hospital da colônia e gosto muito de ouvir as
pessoas, entendi que cada um tem uma história de erros e acertos.
Não me
escondo mais, não me refugio mais. Tenho planos de reencarnar e ser enfermeira,
cuidar de doentes com todo carinho, como faço atualmente.
Quero
enfrentar meus problemas e ajudar os outros a enfrentarem os deles, porque só
somos felizes quando deixamos de ser egoístas e compartilhamos as alegrias e as
dores do nosso próximo. Não quero mais ser egoísta. Quero amar e compartilhar.
Explicações de Antônio
Carlos
Temos visto autistas reagirem de muitas maneiras.
Nem todos se sentem como Daniela. Muitos pensam, alguns até vêem lances de sua
vida passada. Outros querem responder mas não conseguem. É uma doença
cerebral. Mas, mente sã, espírito são, corpo sadio, mente com toda a capacidade
possível.
Normalmente, mas sem ser regra geral, o autista foi
tremendamente egoísta a ponto de enxergar só a si mesmo.
O egoísmo é uma doença, terrível doença, que
primeiro prejudica espiritualmente e depois se manifesta fisicamente.
Daniela foi egoísta e avarenta em sua encarnação
anterior, veio, nesta, autista. Contudo ela ainda tem de reparar seus erros, e
a oportunidade está aí, poderá reencarnar e dessa vez realizar seus planos de
lutar contra o egoísmo. Só poderá dizer que não é mais egoísta quando provar a
si mesma. Mas depois de muitas lições esperamos que saia vitoriosa.
Tudo deve ser feito para a recuperação do autista.
Amor é fundamental, carinho, exercícios, medicamentos, fisioterapias etc. A
reação pode ser lenta, mas todos reagem, uns mais, outros menos. É importante a
recuperação.
Conhecemos muitos autistas que têm levado uma vida
com limitações, mas com muitas capacidades.
Também sentimos a preocupação, às vezes até
aflições, de muitos pais em relação aos filhos deficientes, de como deixá-los
após suas desencarnações.
Lembro que todos nós somos filhos de Deus, e
ninguém é órfão de Seu amor Passamos por dificuldades que são aprendizado, mas
não devemos nunca nos sentir abandonados.
Não devem se preocupar, portanto, o tempo passa
acertando o que nos parece incerto. Tudo é passageiro.
Vimos neste relato que opai de Daniela não aceitou
a desencarnação e, preocupado com a filha, voltou ao lar terreno sem preparo e
só agravou a situação.
Ele, sem querer, piorou o estado dela, perturbou o
lar e a esposa. A mãe de Daniela sentiu terrivelmente o fluído perturbador do
esposo.
Por mais que a situação no antigo lar nos pareça
difícil, não devemos nos desesperar a ponto de voltar ao ex-lar sem ordem.
O papai de Daniela foi carinhoso, fez o que lhe
competia quando estava encarnado e quando pela desencarnação se viu
impossibilitado de continuar fazendo, deveria ter se conformado.
Todos que têm uma responsabilidade deveriam agir
assim, fazer tudo o que lhes compete quando podem e não se preocupar quando
tiverem de deixar algo por fazer.
Para tudo há solução. Problema aceito é quase
resolvido.
Vocês, pais de filhos deficientes, não devem se preocupar em excesso. Façam o
que lhes compete com amor, tentem resolver tudo do melhor modo possível com
planos de como deverão ficar os rebentos doentes.
Lembro-os que a desencarnação é para todos e que se
encontrarão novamente no plano espiritual. A vida continua!
12
Júnior
Tive uma
vida normal dentro das minhas limitações. Eram muitas, mas não as sentia. Era
mimado, embora às vezes papai se irritasse:
— Menino idiota!
Retardado! Imbecil! Um filho só, e imprestável!
Mamãe me
defendia:
—Deus o fez
assim! Não fale desse jeito! Senão, não faço sua comida predileta!
Papai e mamãe às
vezes discutiam, sempre era por minha causa. Mas não chegavam a brigar. Só o
fizeram nas duas vezes em que ele me bateu.
Não gostei de ser
surrado nem entendi bem o porque.
A primeira vez
que papai me surrou, foi porque saí com ele e o envergonhei diante de um amigo.
— Papai, este
homem não é aquele que lhe deve dinheiro e não paga? Que o senhor disse que é
um bolha? Mal-educado?
Nem fomos aonde
tínhamos que ir, voltamos e, em casa, ele me surrou. Mamãe me defendeu:
— Se você não
quer que ele repita é só não falar perto dele. Se Júnior o envergonha é só não
sair mais com ele. Você é desnaturado, se envergonha do próprio filho.
— Queria que ele
fosse diferente. Inteligente! — falou papai.
— Mas ele não é!
— gritou mamãe.
A segunda surra
foi porque quebrei suas garrafas de vinho.
— Burro! Burro! E
isso que sempre foi e é! — gritou ele, enfurecido.
Chorei, doíam as
chineladas, mas aquele dia chorei mais sentido. Mamãe me consolou:
— Júnior, não
chore, por favor!
— Mamãe, por que
não sou como papai queria que fosse? Por que sou burro? Queria fazer tudo o que
ele quer. Fazer tudo certinho!
— Você é nosso
único filho. Nosso amor! Papai não irá mais bater em você.
Para que
todos entendam bem, vou parar com minhas lembranças e explicar como vivíamos.
Papai e
mamãe se casaram com mais idade. Minha mãe não engravidava, só o fez após um
longo tratamento, e eu nasci com Síndrome de Down. Os dois cuidaram muito de
mim.
Papai era
um tanto ranzinza, vivia reclamando e criando casos, desavenças, ora com a família,
ora com os vizinhos ou com os poucos amigos que possuía. Não tinha muita
paciência comigo. Logo pequeno fui para a escola especial, para onde gostava de
ir e me sentia à vontade, normal, porque, como via outras pessoas como eu,
perdia a sensação de ser diferente.
Meus pais
saíam pouco de casa. Tínhamos de tudo no apartamento. Quando nasci, os dois já
eram aposentados. Papai ainda trabalhou muito tempo como eletricista, mas
depois, cansado, doente, parou de trabalhar e ficava muito em casa, com mamãe.
Vivíamos
um tanto isolados, meus pais tinham alguns bens, outros apartamentos e dinheiro
no banco. Nada nos faltava e eles ajudavam muito minha escola.
Meu pai
teve uma só irmã, que faleceu há tempos, e um sobrinho, José, que ia às vezes
em casa e agüentava educadamente o mal-humor de papai. José era o único da
família com quem papai combinava e confiava.
Meus pais
preocupavam-se muito comigo.
— Se
morrermos, como Júnior irá ficar? — indagavam sempre.
— Comigo,
tio — respondia José.
Não gostava muito
de José, por mais que ele me agradasse.
Bem, José
convenceu papai a fazer um testamento deixando tudo para mim como usufruto, e
após minha morte tudo ficaria para ele.
Papai, achando
que essa era a única solução, ou a melhor, fez esse testamento e formalizou tudo
como manda a lei.
Ia à escola,
aprendia muito, fazia “contas” matemáticas com rapidez e de cabeça. Não sabia
fazer no papel. Só de cabeça. Respondia rápido todas as indagações a esse
respeito:
— 228 x 13?
— 2964 —
respondia, sorrindo.
— Puxa, que rapidez!
É fantástico!
As pessoas
exclamavam admiradas, mas só fazia isso quando queria, se não estivesse com
vontade não respondi a.
Ia à escola pela
manhã e só voltava à tardinha. Lá fazia exercícios, fisioterapia, trabalhava
nas oficinas e estudava.
Estava com
quarenta e nove anos quando desencarnei.
Naquele dia, José
nos trouxe bolo e guaraná.
— Trouxe para
vocês este bolo gostoso e este refrigerante. Trouxe para que experimentem! —
disse José sorrindo.
— É diferente —
disse mamãe —, um tanto amargo.
— É
tarde, José. Por que veio aqui há esta hora? —perguntou papai.
— Saí do
trabalho mais tarde. Comprei isso para vocês. Sei que Júnior gosta muito de
guaraná. Não sei vir aqui se não trouxer algo para ele. Mas um amigo me reteve
com conversas. Fazia tempo que não nos víamos. Mas já vou. Não toma tanto
guaraná, Júnior, deixe seus pais tomarem um pouco!
Colocou o
refrigerante no copo de papai. De fato, José sempre que vinha nos ver trazia
algo para mim. Gostava de comer e de refrigerantes.
Comi o
bolo, tomei o guaraná e fui dormir. Acordei com dor forte no abdômen, e também
com muita moleza. Suava, acho que tentei vomitar, não lembro bem. Esse
mal-estar foi por minutos, fui esfriando e ficando duro e dormi de novo para
acordar tranqüilo no plano espiritual, na colônia, num hospital.
Tratando-me
com muito amor e carinho, falaram que desencarnara, que meu corpo morrera.
— Melhor!
Papai e mamãe preocupavam-se tanto, sentiam-se velhos para cuidar de mim.
Interessei-me
logo pela vida de desencarnado. Mas não estava tranqüilo. Sentia que papai e
mamãe não estavam bem.
“Ora”,
disse um colega, “você desencarnou e quer que seus pais, já velhos, estejam
bem!”
“Não é
isso”, respondi, “parece que sofrem por mais coisas, não só por mim.”
Fiquei
mais inquieto ainda. Já fazia dez meses que estava no plano espiritual e já
fizera muito progresso. Recuperava-me bem, já entendia tudo bem melhor.
“De que
você desencarnou, Júnior?”
“Dormi,
não sei...
“Como não
sabe?”, falou um colega me indagando. “Isso é fundamental! Todos desencarnam de
alguma coisa. Se não sabe, está na hora de saber. Pergunte ao nosso instrutor,
ele sabe de tudo.”
Indaguei,
e ele me contou:
“Júnior,
você já está bem e deve saber tudo o que aconteceu no seu lar. Você sabe bem
que seu pai tem o gênio um pouco difícil, vivia reclamando de você e da vida.
José não gostava dele nem de vocês, mas agüentou as humilhações de seu pai por
interesse. Convenceu seu pai a fazer um testamento, deixando tudo para você e
nomeando-o seu tutor; como também na sua desencarnação, ele teria a posse de
todos os bens de vocês. Mas não teve paciência de esperar. Seus pais pareciam
fortes e você sadio, receou que demorariam muito a morrer. Resolveu antecipar,
então, a morte de vocês e planejou tudo muito bem, pensando em todos os detalhes.
“Um dia,
José chegou em sua casa e comentou:
“Tio,
está havendo um concurso de redação na fábrica em que trabalho. O tema é livre,
mas tem de ser trágico, fúnebre. O senhor não quer escrever algo para mim? Faz
tão bem!’
“Não
sei... - respondeu seu pai. “Que escrevo?”
“Que tal o senhor
escrever como se tivesse matado Júnior e titia, e após fosse se suicidar? Não é
macabro?’
É, a idéia é boa!
Vamos lá, escrevo para você. Digo na redação que estamos velhos e que os mato
para que não sofram, pois Júnior não iria sobreviver sozinho, retardado como é.
“Escreveu algumas
linhas só que não assinou. “Não está bom, não estou com inspiração - reclamou seu pai.
“Está bom sim,
titio, obrigado, deste pedaço faço mais e deverá ficar muito bom.’
“Pegou a folha e
a guardou.
“José começou,
sempre que ia visitá-los, a levar presentes, quase sempre alimentos, e dizia
que eram para você, mas oferecia a todos. Só que não comia, dizia estar de
dieta, que era diabético.
“Assim, todos se
acostumaram com os presentes e com ele não comer nada. E sempre tinha muita
cautela nessas visitas, evitava ser visto pelos vizinhos.
“Tio - disse ele
um dia - estou com ratos em casa. É uma peste!’
Sei de um bom
remédio. Compre e use em sua casa e eles acabarão logo’, respondeu seu pai.
“O senhor não
quer comprar para mim? Deixo—lhe o dinheiro e na semana que vem eu pego.
“Compro sim, vou
até a loja onde sou conhecido e adquiro para você. José, tome cuidado, o
remédio é forte, é doce, não deixe as crianças pegarem.
“Seu pai
comprou o remédio e deu para seu sobrinho, José. Este, achando que tudo iria
ocorrer como no seu plano, o executou.
“Ele
colocou veneno no guaraná juntamente com um remédio de dormir e os visitou
escondido para não ser visto, como sempre fazia. Após servir vocês e como de
costume não experimentar, deixou, antes de sair da casa de vocês, a folha que
seu pai escreveu, aquela que ele falou que era para o concurso, o qual nunca
existiu.
“Você,
como tomou mais, teve morte súbita. Sua mãe teve logo sono e foi dormir,
sentiu-se mal, chegou até a chamar seu pai, que não pôde acudi-la por estar
impossibilitado de sair do sofá.
“Desencarnaram
vocês três.”
“Que
horror!”, exclamei. “Como José pôde fazer isso? E por dinheiro? Mas se eles,
meus pais, desencarnaram, por que não estão aqui? Não os vejo?”
“Bem,
Júnior, nem todos que desencarnam vêm para cá. Ser socorrido depende de muitos
fatores. Vou lhe narrar o resto dos acontecimentos. Seus corpos foram achados
três dias depois. Uma vizinha, ao sentir mal cheiro, chamou por sua mãe batendo
na porta e como ninguém respondeu ela chamou o zelador, que abriu o
apartamento, então viram vocês três mortos. Chamaram a polícia, que diante dos
fatos e da carta, concluiu que seu pai os matou e se suicidou. José foi
avisado, fez os enterros e tomou posse dos bens de vocês.
“Mas,
sempre há um mas, se José achou que cometeu um crime perfeito, enganou-se.
Seus pais
acordaram perturbados e logo descobriram tudo e passaram a obsediá-lo com
ódio. Eles julgam que você está encarnado e preso em algum lugar.”
O instrutor
deu por finalizada a narrativa. Eu chorei tristemente. Meu mestre deixou que
chorasse, quando me senti melhor, indaguei-o:
“Será que
tudo isso que nos aconteceu foi conseqüência do nosso passado? De nossas
vivências anteriores? Por que, professor, eu sabia fazer “contas” de cabeça?
Por que fui um deficiente?”
“Você,
Júnior, foi na encarnação anterior um negociante de escravos e fazia “contas”,
operações matemáticas, com rapidez para não ser enganado nas negociações,
fazer isso era motivo de orgulho para você. Você não agiu com bondade com os
escravos que negociava. Quando desencarnou, foi perseguido por muitos anos.
Socorrido, não se recuperou, as perseguições e o remorso danificaram seu
perispírito, que transmitiu sua perturbação ao corpo físico, assim reencarnou
doente.”
“E meus
pais?”, quis saber.
“Seus
pais foram os mesmos da penúltima. Os dois, para ficar com a fortuna de um
irmão de seu pai, o mataram envenenado. Este irmão foi o José. Desencarnou
revoltado, mas tempos depois foram socorridos. Estando todos no plano
espiritual, ele disse que os perdoara, mas certamente não o fez de coração,
porque, quando reencarnou, o ódio ressurgiu, e planejou esse trágico crime com
detalhes. Nesta encarnação ele iria receber tudo de volta, logo que todos vocês
desencarnassem. E ele não iria esperar muito, seus pais estavam para
desencarnar e logo após você também o faria.”
“Como é
ruim não perdoar!”, exclamei. “Agora são meus pais que o odeiam. Se não acabar
com esse ódio, será sempre um a matar o outro. Será que não poderei
ajudá-los’?”
“Você
quer? Então irei pedir por você. Se receber permissão, irei com você, e tudo
faremos para seus pais entenderem.”
Tivemos
permissão, nos foram dados vinte dias para que, por horas, pudéssemos
ajudá-los.
Fui
encontrar com eles com ansiedade. Quis ver primeiro o apartamento em que
morávamos. Este fora vendido, tudo modificado, não os encontramos lá, e sim na
casa de José.
Meu primo
estava adoentado, estava tendo terríveis dores de estômago e sufocação. Sentia
os fluídos de meus pais, que se instalaram em sua casa. Meus genitores estavam
fazendo a esposa dele ter ódio, e as brigas eram constantes. Como também a
filhinha deles, de três anos, a mais sensitiva, sentia os maus fluídos e não
estava bem.
“Júnior,
para que eles nos vejam, é necessário mudarmos nossa vibração, vou ensinar a
você como se faz.”
Alegraram-se em
me ver, nos abraçamos comovidos, estavam perturbados, agora eram eles que não
entendiam bem. Expliquei a eles:
“Vejam bem, essa
menina está encarnada, tem o corpo de carne, como nós tivemos, eu e os
senhores. Mas fomos mortos, isto é, desencarnamos e agora vivemos como
espíritos.”
“Então você
também morreu?”, indagou mamãe, assustada.
“Sim,
desencarnamos juntos.”
“Por que você não
ficou conosco, se morremos juntos?”, quis saber papai.
“Porque não tive
raiva ou ódio e pude ir para um lugar maravilhoso, fui socorrido e aqui estou
para ajudá-los.”
“Então você
perdoou José?”, perguntou papai, indignado. “Você sabe o que ele nos fez?”
“Sim, sei” -
respondi tranqüilamente.
“Perdoou? Só
podia ser você! Um retardado!”
“Não, papai, não
sou mais doente, sarei. Perdoei porque entendi que devemos perdoar sempre para
termos paz e sermos felizes. Gostaria tanto que os senhores perdoassem
também.”
“Nunca irei
perdoá-lo, ouviu bem?”, disse mamãe, chorando. “E muito me admira você, nosso
filho único, ter perdoado. Você não nos ama. Ele nos matou e você quer que tudo
fique por isso mesmo!”
No
momento em que ouvi isso, ajudá-los me pareceu uma tarefa impossível. Mas não
desisti, orei e me enchi de esperança, amava-os e queria que estivessem bem, e
eles só estariam como todos que se sentem bem se perdoassem.
E durante
vinte dias ficamos hospedados num posto de socorro perto da crosta a visitá-los
por horas. Usamos de todos os argumentos possíveis, disse-lhes sobre o passado,
o que eles fizeram anteriormente a José. Duvidaram.
Venceram
os vinte dias e me despedi deles.
“Papai,
mamãe, agora não poderei mas vir vê-los todos os dias. Tenho de ir embora,
voltar para minha escola, para minha vida, num lugar muito bonito. Quando os
senhores perdoarem José e quiserem vir comigo, peçam com fé e serão atendidos.”
“Filho
ingrato!”, disse mamãe. “Abandona-nos agora que sarou. Desejei tanto que
sarasse e que fosse nosso companheiro.”
“Não, mamãe,
não sou ingrato”, disse chorando, “amo-os e nunca os abandonarei. O lugar onde
estou abrigado tem ordem e disciplina, me deram vinte dias para tentar
ajudá-los, não consegui convencê-los a perdoar, então terei de partir, tenho
de ser obediente.”
Voltei um
tanto triste, mas logo arrumei uma aliada, e das fortes. Minha avó, mãe de
mamãe, que começou a ir sempre vê-los e falar com eles. Depois também recebi
uma grata notícia:
“Júnior”, disse
meu instrutor, “você teve permissão de ir até seus pais por duas horas, duas
vezes por mês. Amanhã irei com você.”
Fiquei muito
feliz por vê-los, e eles se alegraram muito em me ver. Papai começou a se
interessar pelo lugar em que eu vivia:
“Júnior, você tem
a certeza de que lá irei sarar? Sinto muita dor na barriga, tenho fraqueza e
não durmo. É um inferno!”
“Lá o senhor
ficará bom. Ficará internado num hospital fantástico e irá sarar.”
Papai, por
incrível que pareça, foi o primeiro a querer vir conosco. Mamãe, não querendo
ficar sozinha, veio também, mas isso só se deu após oito meses da minha
primeira visita.
Os dois foram
abrigados no hospital da colônia, e eu ia vê-los todos os dias. A recuperação
foi lenta, mas isso foi bom, enquanto saravam aprenderam muitas coisas boas.
Como fiquei feliz
quando pudemos, vovó e eu, levá-los para nossa casa. Moramos os quatro juntos e
somos felizes.
“Júnior”, disse
papai um dia. “Hoje perdoei José e tento até entendê-lo. Ele errou muito,
deixo-o com sua colheita. Quero é cuidar de minha plantação.”
“Que bom, papai!
Vamos recomeçar vida nova com esperança e fé!”
Oro por José,
para que se arrependa. Mas estamos mesmo a fim de viver do melhor modo possível
aqui, no plano espiritual, e aproveitar para aprender bem e sermos melhores.
É isso que tenho
a dizer sobre minha última existência carnal, em que fui deficiente mental.
Abraços a todos!
Obrigado
Júnior
Explicações
de Antônio Carlos
Tenho visto muitos casos em que o espírito que
encarna, por algum motivo (e como tem motivos!), como deficiente mental ou
físico, ajuda os que o cercam.
Normalmente esses espíritos, aceitando suas
limitações, são pacíficos e tentam melhorar espiritualmente, e quase sempre
têm conseguido. Normalmente todos os deficientes mentais são socorridos após
suas desencarnações e, dependendo de alguns fatos, logo estão bem, abrigados
em lugares bons do plano espiritual. Estando bem, é natural que se preocupem
com seus afetos.
E como eles tentam ajudar!
Não devemos pedir nada a desencarnados,
principalmente a afetos. Quando pedimos a Deus, Ele nos dá permissão para que
outros filhos Seus ajudem seus irmãos, e que pode ser eles ou não.
Nesta narrativa, Júnior se preocupou com os pais,
que não estavam bem, que sofriam e queriam vingança. Ele, primeiro com a ajuda
do instrutor e depois da avó; ajudou seus queridos pais com êxito.
Ao organizar este livro, fui indagado: “Há deficientes
maus?” Sim, há, respondi, como também há os revoltados. Estamos todos nós na
roda da reencarnação para trocar vícios por virtudes, aprender e progredir
espiritualmente. Enquanto não fizermos isso, podemos agir com maldade em muitas
circunstâncias.
Normalmente, um deficiente mental não tem condições
de agir com maldade, está impedido, só irá provar que aprendeu a lição em outra
encarnação, de posse de suas funções normais.
Mas a deficiência é um grande aprendizado e
aprendemos sempre quando queremos. Lições não nos faltam!
E inteligentes são aqueles que aprendem pelo amor!
13
Benedito
Benedito Bacurau, racha lenha e come
pau.
— Seus
moleques...
Era assim
que muitos garotos se divertiam brincando comigo, e eu, às vezes, achava ruim,
outras não, mas fingia sempre que achava. Não via maldade, aliás para mim todos
eram bons e se brincavam comigo era porque respondia e até corria atrás deles.
E a garotada se divertia, e eu gostava de ver todos alegres.
— Menina,
não incomode o senhor Benedito!
— Deixe
dona, ela não incomoda, não acho ruim, gosto de crianças.
Às vezes,
uma mãe ou alguém adulto interferia. Mas gostava dessas brincadeiras e me
divertia também. Embora às vezes houvesse abusos, era ofendido com palavreado
de mau gosto, isso quando não havia tentativas de agressões físicas. Ficava
triste nessas ocasiões, mas nunca machuquei ninguém.
Tudo
porque era, ou seja, fui um deficiente mental. Meus pais, com sífilis, danificaram
o feto e eu nasci com retardamento mental.
Éramos
pobres, morávamos numa casinha pequena nos arredores da cidade, meus pais
trabalhavam juntamente com meus irmãos na lavoura, eu até a adolescência os
ajudei, depois aprendi a cortar lenha e passei a fazê-lo em casas de família.
Isso foi
há muito tempo. No interior, os fogões modernos demoravam mais tempo para serem
instalados. Usava-se então a lenha como combustível. As famílias recebiam a
lenha e eu trabalhava por dia em suas casas, rachando-as e empilhando-as para
que seu manuseio ficasse mais fácil. Gostava de fazer isso, cortar lenha, tinha
muita força e pontaria, fazia bem meu trabalho a troco de comida e uns trocados
que dava à minha mãe.
Lembro
bem de todos os acontecimentos vividos na minha última encarnação. É como se
tivessem acontecido há minutos e não há anos. Foi uma encarnação marcada pela
dificuldade financeira, doenças, mas de grande proveito, onde aprendi, a meu
ver, a mais preciosa lição: amar. Dei valor à vida física, me reconciliei com
irmãos, passei por dificuldades enormes sem reclamar e voltei para o plano
espiritual após ter desencarnado sentindo-me bem comigo mesmo, em paz e
totalmente equilibrado, harmonizado com as Leis Divinas.
Tinha
plena noção de que era diferente. Achava lindo ver as pessoas lerem e tinha a
sensação de que poderia ler também. Até pegava livros ou revistas e fingia
estar lendo, parecia que já soubera ler, e bem. Mas não conseguia, olhava as
letras e não sabia como fazer para entendê-las, ficava triste, a tristeza doía
no peito.
— Então
você, Benedito, quer ler? Vamos, pegue esse jornal e leia.
— Não sei
não, senhor, não consegui aprender — respondia, encabulado.
Mas
distraía-me logo com outra coisa, não ficava muito tempo triste. Nunca fui à
escola. Minha mãe dizia sempre, quando eu pedia para ir:
— Você é
tão burro que não deve ir à escola, lá nada aprenderá, só irá atrapalhar os
outros. Não irão aceitá-lo! Você não aprende!
Mas, às
vezes, tinha uma sensação que me era prazerosa, de que sabia ler, que já o
fizera, e muito.
Sonhava
muito, nesses sonhos eu lia alto, com voz bonita e agradável. Via-me elegante e
bem vestido. Gostava muito de sonhar! Também sonhava que conversava com outras
pessoas, educadas e bondosas, que estavam sempre me aconselhando o que deveria
fazer.
“Coragem,
Benedito, tenha fé, ore e seja bom.”
Gostava
de ir à igreja, mas gostava mesmo era de ir a procissões. Mamãe me vestia com a
melhor roupa e íamos. Mas, ao orar, confundia todas as orações:
— Vou
bater nele, seu padre — disse mamãe. —Benedito não aprende a rezar. Se o faz
“alto” é motivo de risadas para os outros.
— Não,
dona Catarina, não bata nele, ele ora como sabe, e os santos gostam.
— O
senhor acha que os santos gostam de orações erradas? — perguntou mamãe,
assustada.
— Dona Catarina
— continuou o padre —, os santos gostam de pessoas de coração puro, e Benedito
o tem. Peça a ele para orar “baixo”, assim ele não atrapalhará ninguém.
Minha mãe
espalhou para todos que o padre dissera que os santos gostavam de minhas
orações e, por algum tempo, me senti importante.
Pelo meu
trabalho pesado, tive alguns acidentes, foram vários cortes profundos com o
machado. Uma vez cortei meu dedo, doeu muito e inflamou. O farmacêutico fez
vários curativos. Não reclamava de nada, se doía muito, chorava. Só achava ruim
ficar sem trabalhar. Amava meu trabalho, me distraía com o que fazia. Depois,
gostava de tomar as refeições nas casas em que trabalhava, sempre me davam
farta e variada comida.
Minha
infância foi simples, morávamos num sítio, tinha oito irmãos, todos um tanto
deficientes mentais, mas eu fui o mais. Todos casaram, constituíram família,
menos eu, que fiquei com meus pais.
Gostava
muito dos meus avós maternos e cuidava muito deles. Tinha muita paciência com
meu avô, que ficou caduco, esclerosado, acompanhava-o muito, dava-lhe banho e
alimentos, não deixava ninguém aborrecê-lo.
— Que
paciência você tem conosco, Benedito. Que bondade você é! — dizia sempre vovó,
abraçando-me.
Quando
vovô desencarnou, mudamos para a cidade, foi então que comecei a rachar lenha.
Vovó foi ficando doente e enfermou realmente, não levantando mais da cama.
Mamãe trabalhava com meu pai, e eu cuidava de vovó. Ela sofreu muito, teve
câncer de pele que se generalizou. Eu fazia tudo para ela e com todo carinho.
Quando gritava de dor, chorava, querendo que a dor dela fosse minha.
—
Benedito — disse ela um dia —, amo você mais do que meus filhos. Você é parte
de mim, não sei por quê, acho que o prejudiquei muito, e você, como Nosso
Senhor Jesus Cristo, me perdoou e até me ajuda.
Ri sem
entender, amava vovó e tudo o que fazia a ela era de modo carinhoso.
Senti
muito, a ponto de adoecer, quando ela desencarnou. Dois meses depois ainda
estava muito triste. Numa tarde, estando sozinho em casa, eu os vi. Vovô e vovó
surgiram na minha frente:
“Meu
neto!”, disse vovó. “Não fique triste, estou muito bem. Veja, estou saudável e
com roupas novas. Estamos, seu vovô e eu, muito felizes, morando num lindo
lugar. Amamos muito você e não queremos que sofra, que chore por nós.”
Conversamos
por alguns minutos, não tive medo. O amor sincero nos unia. Desde esse dia, não
chorei mais por vovó. Tinha a certeza de que ela estava feliz. Depois sonhava
muito com ela, e seu amor me sustentava.
Era
desligado do corpo físico enquanto dormia. Conversava com entes queridos,
encontrava sempre com meus avós e deles recebia muito carinho.
Papai
desencarnou repentinamente, achando que estava encarnado ficou um bom tempo
conosco, eu o via e não gostava de vê-lo naquele estado deprimente e
perturbado. Acabei por contar a mamãe o que estava vendo. Ela não acreditou e
me surrou, pensando que estava mentindo.
Um dia,
ao cortar lenha na casa de um senhor espírita, ele me disse:
— Senhor
Benedito, vejo-o acompanhado por uma luz muito bonita!
— É o
amor de minha avó — respondi. — Só que não gosto é da outra coisa que também,
às vezes, fica comigo. É o meu
pai! Mas não posso falar, porque se mamãe souber que estou falando isso ela me
bate.
— Pois eu
acredito em você. Pare
com seu trabalho e sente-se aqui um pouquinho. Chame seu pai, direi a ele para
não incomodá-lo mais.
— O
senhor fará isso? Conversa com os mortos?
— Sim,
converso e explicarei a ele a necessidade de ir para outro lugar — respondeu
esse senhor.
Depois
desse dia, não vi mais papai. Esse senhor espírita o doutrinou e ele foi levado
para uma colônia.
— Benedito, diga alpiste.
— Arpite, porque não sei dizer alpiste.
Ríamos,
eu e quem me mandou dizer. Falava bem e de tudo, só que brincava, quando alguém
me mandava dizer uma palavra difícil, falava errado e, em seguida, pronunciando
a palavra corretamente, explicava que não conseguia fazê-lo. Falava certo, só
que de modo simples e caipira, como toda a minha família. Sabia o significado
de muitas palavras como se fosse um letrado.
— O que significa magnífico, Benedito?
— Muito bom!
— Você acertou de novo! Quem lhe ensinou?
— Não sei, aprendi sozinho — respondia rindo.
— Você é inteligente, retardado! Admirável!
— Admirável é fenomenal! — respondia contente.
Mamãe
teve derrame e passamos por muitas dificuldades. Fomos morar com uma irmã, e
eu, além de trabalhar para ela, rachar lenha, ainda cuidava de minha mãe. Ela
desencarnou, me senti sozinho. Fiquei morando com essa irmã.
Aos
sessenta e cinco anos, adoeci, fiquei tuberculoso e fui internado num
hospital, de onde não saí mais até que meu corpo morreu. Como gostava de tudo,
gostei também do hospital, mas fui piorando’ a cada dia. Os enfermeiros me
tratavam bem. Visitas? Só dos meus amigos desencarnados:
“Então,
‘seu’ Benedito Bacurau, agora não racha lenha mais. Ainda come pau?”
Ria e
respondia:
— Nunca
comi pau, como comida, e da gostosa. Quanto à lenha, racho de novo, quando Deus
quiser.
Não foi
fácil ficar de repouso, eu nunca ficara ocioso, mas a doença me enfraqueceu;
nem forças tinha para levantar sozinho.
Desencarnei
tranqüilo, foi como dormir. Naquele dia, estava pensando muito no passado.
Lembrei-me de muitos fatos ocorridos comigo desde pequeno. As vezes, me
esforçava para não recordar, mas não conseguia, as lembranças vinham.... Vi-me
pequeno, brincando no riacho, tentando subir nas árvores, lembrei-me dos meus
avós, pais de toda a família, do meu trabalho. Senti-me tranqüilo, não fiz nada
de errado, nada de que pudesse me arrepender nessa hora. Fui tendo um sono
gostoso e acordei em outro lugar.
“Olá, Benedito.
Como está meu querido”, disse vovó.
Sorri ao
revê-la. Estava, ultimamente, vendo-a tanto que nem estranhei. Espreguicei-me.
“Queria
ficar por aqui e não acordar mais”, respondi. “Tenho tomado injeções que têm
doído um bocado.”
“Então se
prepare para uma boa notícia. Você teve o corpo físico morto e agora ficará
conosco.
“Morri!
Passei a ser assombração? Alma do outro mundo?”, perguntei, assustado.
“Largue
de bobagens, você é o mesmo, foi só seu corpo cansado e doente que morreu.
Venha, levante-se, vem ver que lindo jardim temos aqui.”
Vovó me
puxou pela mão, levantei fácil. Percebi que estava completamente saudável. Ri,
feliz, e fui ver o jardim. Logo na entrada tem uma placa, olhei e li seus
dizeres:
“Bem-vindos
à Colônia Vida e Luz! Bem vi... Vovó, como fiz isso? Não é isso que está
escrito? Meu Deus! Leio!”
“Benedito,
você receberá explicações para tudo o que quer saber. Sei pouco, você só teve o
corpo físico com deficiência, agora, desencarnado, está de posse de seus
conhecimentos. Foi retardado só na matéria. Recorde que, quando você vinha nos
visitar desligado do corpo enquanto dormia, você era como agora, normal. Vejo-o
como você é, como sempre foi para mim, uma pessoa boa, amável, lindo,
inteligente, perfeito e que muito amo.
Foram
alguns dias de surpresas e eu adorei estar
desencarnado.
Passei a morar com vovó numa casa linda
e confortável.
Minha adaptação foi rápida, não tive reflexo de nenhuma doença. Logo estava
conhecendo tudo e aprendendo a viver de modo desencarnado para ser útil. Soube,
então, do meu passado. Na minha penúltima encarnação nasci na mesma cidade em
que vivi nesta, quando fui deficiente. Fui filho de fazendeiro, família de
posses, estudei em colégios caros e bons. Apaixonei-me por uma jovem simples e
pobre, e meus pais se opuseram. Meu pai me mandou viajar a pretexto de fazer um
negócio. Estive quarenta e seis dias longe, e quando voltei a encontrei
casada. Vim a saber que, por dinheiro que meu pai lhe deu, ela prometeu se
afastar de mim e casou-se com outro, um antigo namorado que também era
apaixonado por ela.
Desesperei-me,
revoltei-me contra meu pai e, num ato de covardia, tomei veneno e desencarnei.
Sofri
muito como suicida, fui socorrido tempos depois, então percebi o tanto que fiz
mal aos meus pais. Não suportava vê-los sofrer. Pedi perdão a eles, só que não
quiseram me perdoar, demoraram para fazê-lo. Como é triste e angustiante fazer
aqueles que amamos sofrerem por nossa imprudência! Perdoaram-me, mas nunca esqueceram
o filho ingrato que se matou por bobagem.
“Quero
renascer”, implorei. “Quero aprender a dar valor à vida!”
“Você
teve de tudo, que materialmente se pode ter. Teve pais honestos e bons, um
corpo perfeito, entretanto, não deu valor”, disse um instrutor.
“Entendo
que perdi uma grande oportunidade. Não me importo, até acho certo e justo ser
privado daquilo que não dei valor. Deixe-me voltar para perto daquela que foi
para mim a causa de minha insensatez”.
Foi
permitido e vim a ser neto dela. Eu sabia, antes de reencarnar, que meus pais,
tendo sífilis, poderiam ter danificado o feto, assim eu teria o corpo, o
cérebro, lesado. Foi o que aconteceu, porém eu, espírito eterno, tinha posse da
perfeição que o Pai criou. Não estava perispiritualmente danificado. Por isso
que, ao sair do corpo enquanto dormia, era perfeito e desfrutava dos meus
conhecimentos.
Logo
depois de meus estudos, quando apto, passei a trabalhar com ex-suicidas. Hoje,
trinta anos depois de ter desencarnado, sou um instrutor da Casa do Caminho,
uma das colônias que abrigam os imprudentes que mataram seu corpo físico. Amo
muito meu trabalho. Vovó está encarnada e a visito sempre. Não tenho planos de
reencarnar, mas sim de continuar meu trabalho por muitos anos ainda. Recordo
sempre, como para me motivar:
“Benedito
Bacurau, racha lenha e come pau.
Estou
sempre sorrindo e sou profundamente grato a esta encarnação em que fui
deficiente mental por ter tido a oportunidade de aprender, de dar valor à vida
física mesmo com limitações, de ter sido muito mais útil que nas reencarnações
anteriores, em que tive o corpo físico sadio. Fiz nesta, dentro das minhas
limitações, o que me foi possível.
Explicações de Antônio
Carlos
A modéstia fez com que
Benedito não narrasse o que ele fez de bom e ainda faz.
Deficiente mental, não teve capacidade nem
oportunidade de aprender muitas coisas, tinha limitações que, se trabalhadas,
o tornariam muito mais capaz.
Nem todos têm, como ele, encontros com bons amigos
desencarnados ou vão para planos superiores, onde se sentem de posse de
conhecimentos espirituais. Esse fato é raro, mas vemos em muitos esse
desprendimento.
Mas como usou bem sua capacidade! Foi uma pessoa
boa. Compreendia, sem se ofender, as brincadeiras de mau gosto de certas
pessoas que, sem pensar muito, tentam ridicularizar outras, apelando para as
deficiências.
Benedito entendeu o tanto que errou quando se
suicidou, sofreu muito, aproveitou a oportunidade, reencarnou não tendo aquilo
que muito teve e que não deu valor.
Ele foi muito trabalhador, seu trabalho era pesado
e pouco remunerado, e nunca ficava com algo para si. Dava tudo o que recebia
primeiro à mãe, depois à irmã e, quando ganhava algo de presente, dava a quem
não tinha.
Cuidou dos avós, da mãe, dos sobrinhos, de pessoas
da família e até de vizinhos doentes. Tinha paciência e bondade ao fazer isso.
Certamente que as deficiências mentais são em
diversos graus, e a de Benedito não foi profunda. Espírito ativo e disposto
afazer algo de bom, conseguiu. Isso nos exemplifica que, quando queremos,
fazemos.
Tive um grande exemplo com a vivência de Benedito.
Admiro-o, porque foi útil na privação, na doença e na deficiência. Assim, todos
nós, que nos julgamos capazes, façamos como ele, sejamos úteis nem que seja a
nós mesmos.
Benedito, ao desencarnar, tornou-se sadio porque
seu espírito o era. Sua vivência no bem, sendo bom, justo, caridoso, e o
sofrimento, fizeram-no merecer socorro e ser levado, até sem os reflexos do
corpo, para uma colônia, onde nem passou por período de adaptação.
Como ele, há muitas outras pessoas. Isso tem acontecido,
elas deixam o corpo doente, deficiente, pela desencarnação ou até mesmo
enquanto adormecem, e no plano espiritual são aquilo que seus atos afizeram
ser, sadias e com toda a sua capacidade.
Benedito, hoje, é um ótimo instrutor e muito tem
feito em prol dos imprudentes que não respeitam o corpo físico, a veste que
recebemos para vivenciar este planeta Terra.
Conclusões
de Antônio Carlos
Somos o que realizamos. Imprudentes,
muitas vezes não damos valor ao que recebemos de graça para progredirmos
espiritualmente.
Depois
que o indivíduo mergulha num estado de perturbação profunda, não há como ele se
reajustar, refazer por si próprio. Um escravo não consegue libertar outro
escravo. Só um liberto consegue libertar um escravo. Portanto, só um
equilibrado pode ajudar um desequilibrado. É assim que Deus socorre Seus
filhos, por meio de Seus próprios filhos.
Essa é a
necessidade que temos de ajudar uns aos outros, pois nós próprios ainda não
encontramos harmonia total de viver. Ao ajudar os mais necessitados, estamos
esquecendo de nós mesmos, exercitando a unidade do ser humano e nos
predispondo a receber o auxílio daqueles que estão melhores que nós. Portanto,
ajudar não é caridade nem abnegação, é uma necessidade de bem viver.
Lembrei-me
agora de um exemplo bem simples:
Uma
senhora, tendo uma casa no litoral, ficando um tempo sem ir, sem usá-la,
deixou-a em desordem e na sujeira. Querendo usufruí-la, arrumou três faxineiras
para ajudar a torná-la habitável. Ela e as três senhoras trabalharam o dia todo
limpando, arrumando-a e, no fim do dia, a proprietária exclamou:
“Está em
ordem!’
Pelo uso
indevido ou por falta de uso, por descaso e por muita imprudência, deixamos
nosso espírito em desordem, desequilibrado, e teremos um dia de colocá-lo novamente
em harmonia.
É um
trabalho intenso de organização, de recuperação, em que sempre temos que
contar com a ajuda alheia.
“Que
faxina! Que grande faxina!’, disse-nos nossa amiga, Deise, que tem no filho,
Fábio, sua grande experiência. ‘É trabalho para uma vida toda!’
Sim, é
verdade, Deise sabe disso, porque sua luta não é só para recuperar seu filho,
mas outros tantos deficientes também. Ela nos ajudou emprestando livros e com
pesquisas, colaborando conosco na realização deste livro. E lhe somos muito gratos.
Não
temendo o trabalho, Deise poderá dizer como muitos outros pais. Feito!
Conseguimos! Como essa realização faz bem!
Todos os
fatos mencionados neste livro não teriam necessidade de acontecer. Vivemos hoje
os resultados das nossas ações do ontem. Portanto, o homem é quem decide, por
meio de suas atitudes de hoje, como será sua vida no futuro. Se pararmos um
pouco e olharmos com carinho e atenção para esta realidade, vamos excluir das
nossas existências oitenta por cento de dores, angústias e conflitos, que são
resultado da vida egoísta e maldosa que hoje estamos vivendo. Deus não tem por
princípio castigar seus filhos, pelo contrário, Ele tudo nos concede para que
Sua manifestação no homem e fora dele, seja uma apoteose de plenitude.
Ao terminar a
leitura deste livro, provavelmente você tenha ficado com algumas dúvidas e
perguntas a fazer, o que é um bom sinal. Sinal de que está em busca de
explicações para a vida. Todas as respostas que você precisa estão nas Obras
Básicas de Allan Kardec.
Se você gostou deste livro, o que acha de fazer com que outras pessoas
venham a conhecê-lo também? Poderia comentá-lo com aquelas do seu
relacionamento, dar de presente a alguém que talvez esteja precisando ou até
mesmo emprestar àquele que não tem condições de comprá-lo. O importante é a
divulgação da boa leitura, principalmente a literatura espírita. Entre nessa
corrente!
Algumas palavras do nosso amigo José Carlos Braghini
Hoje o nosso planeta passa por
momentos difíceis e perturbadores, vemos o lixo do passado aflorando como
agressões de maldade, ódio e desrespeito ao semelhante. Vemos o homem, nossos
filhos, nossos entes queridos, se destruindo no vício das drogas, do álcool, da
animalidade.
Vemos
também o protótipo do futuro, espíritos que amam profundamente e dedicam suas
existências para o bem coletivo. Homens que lutam por construir a igualdade
entre os homens, a felicidade para todos, enfim, por um novo céu e uma nova
terra.
E temos a
oportunidade ímpar de aqui estar e participar do início da construção de um
novo mundo.
Se
conseguirmos vencer os impulsos inferiores herdados da raça e do ambiente
hostil de hoje, não só seremos os alicerces dessa nova humanidade, mas
realizaremos. Mas muito melhor do que estarmos realizados é que nós dignificaremos,
com a personalidade que hoje representamos, e participaremos efetivamente do
esforço da natureza em fazermos o melhor de todas as criaturas.
SÃO
SEBASTIÃO DO PARAÍSO, OUTUBRO 1997
Fim
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