segunda-feira, 15 de setembro de 2014

“Menopausa”


 (texto de Hilda Lucas)

“É mais ou menos assim: um dia você acorda quadrada, ou talvez, ballonnée, ou pior, com jeito de matrona!

A menopausa não é colega – ouvi de uma mulher numa sala de espera de dermatologista. 
Estávamos as duas com os rostos inchados e chamuscados por lasers e peelings, folheando perversas revistas de moda e frivolidades, onde todos são jovens e felizes, depositando míseras gotículas de esperança nos raios que nos partem daqueles aparelhos de última geração. 
Balancei a cabeça como uma vaca no matadouro e, sem pestanejar, movida pela absoluta cumplicidade daquele instante, falei para a minha colega: 
A menopausa é uma filha da mãe, isso sim! 
Caímos na maior gargalhada e assim ela se tornou a minha primeira amiga de menopausa.

A menopausa é um sequestro. 
Uma versão, só para mulheres, de praga bíblica. 
Inferno astral que antecede a terceira idade. 
É tragicômica, portanto, para encarar, só rindo. 
Um dia você está no meio da sua normalidade, é arrancada de tudo que você tem como referência física de si mesma e é lançada a uma espécie de funilaria às avessas. 
A libido diminui na mesma proporção em que aumenta a irritabilidade.


Você não só não pensa tanto, nem gosta tanto, nem se importa tanto mais com sexo, como para compensar vira uma criatura instável, pavio curto, sem paciência para nada, capaz de discutir com um poste, de deprimir à toa, ter crise de choro com anúncio de seguradora e ataque de ansiedade ao ler o jornal. 
















Enfim, você vira uma pessoa bem complicada, ou melhor, complexa. 
E, até então, você achava que TPM era o pior que podia acontecer.

Os sintomas aparecem inadvertidamente, como assaltantes, em maior ou menor intensidade, bizarros e infalíveis. 
Lá estão eles: ressecamento – escolha onde você terá; celulite – a pele de pêssego é substituída pela casca de laranja; flacidez – é a triste irrevogabilidade da lei da gravidade; manchas senis – essas pelo menos trazem o consolo dos muitos verões bem vividos; insônia – e com ela balanços complicados da vida; calores – esses são um requinte de crueldade, tão desprovidos de sentido que nos fazem refletir sobre a transcendência da agonia dos ovos cozidos;


esquecimentos – sua memória vira uma espécie de vácuo e você passa por constrangimentos inenarráveis como aquela frase típica: “sabe aquele filme, daquele diretor, com aquela atriz, como é mesmo o nome?”; ossos de papel – e o perigo de tombos ridículos resultarem em cirurgias espetaculares onde pinos e próteses são implantados sem cerimônia; cabelos ralinhos de palha de milho – a sua trança de potranca virou um tererê; cintura - convexa ou quase inexistente com direito àqueles dois afundadinhos nas costas, como se você fosse feita de massinha de modelar; olhar – embaçado por uma nata azulada (catarata, não!!!) toldado por pálpebras fofas, generosas – e você começa a achar que tem ascendência mongol; juntas sacanas – com data de validade vencida e, como se não bastasse, a lembrança recente, acachapante, perturbadora e descompassada de como você era antes da menopausa. 
Você era jovem ontem! 
Que dó, que desperdício!



Esse é o ponto crucial: o estranhamento entre o que vemos e a nossa imagem interna. 
Não se trata da negação da velhice, da morte. 
Não. 
É bem mais simples e raso: você simplesmente não gosta do que vê! 
Trata-se de uma incapacidade temporária para sobrepor imagens, aceitar limitações, apurar um outro olhar.

Você ainda não tem parâmetros para entender em que você está se transformando. 
Você resiste bravamente. 
Convoca uma legião de especialistas, as forças do Bem, o exército da salvação. 
Faz reposição hormonal, contrata um personal, dá uma passadinha na sex shop, engole quilos de soja, linhaça e sucos de cranberry, toma antidepressivo, Ômega 3, aplica botox, faz drenagem linfática, vai ao plástico, ao dermatologista, ao ortomolecular, à

nutricionista, ao psicanalista, ao astrólogo, à fisioterapeuta e ouve o seu ginecologista como se ele fosse o oráculo de Delfos. 















Seus modelos e referências estão no passado e a menopausa – trombeta apocalítica – anuncia um futuro onde você vai ter de mostrar que aprendeu lições, mereceu cada ruga e está pronta para mais trinta anos.

A menopausa é uma puberdade invertida. 
E, como tal, é também casulo, travessia, transformação. 
Divisor de águas, experiência de deserto, freio de arrumação, faxina. 
Teste crucial de espírito esportivo, capacidade de adaptação e instinto de sobrevivência.

Passa. 
Demora, mas passa, e você sobrevive, como sobreviveu à pororoca hormonal da adolescência; você há de superar o declínio daqueles mesmos hormônios e seus asseclas que um dia já te enlouqueceram. 
(Esqueceu que você sobreviveu, com muito menos recursos, às cólicas, às espinhas, aos pelos encravados, aos ovários policísticos, à vergonha do próprio corpo, à oscilação de humor e à melancolia dos anos tenebrosos da adolescência?)

E aí, passada a tempestade, vem a bonança, a libertação. 
Você estará livre de ter que ser bonita, magra, eficiente, querida, desejável, vencedora, fértil, competitiva, invejada, elegante, gostosa, informada, culta, legal, conectada, tudo ao mesmo tempo. Ufa!!!


Depois dos achaques, perrengues e mudanças, a menopausa inaugura a maturidade: a síntese da mulher que você construiu ao longo dos anos, fases e etapas, a essência que fica, depois que os papéis de jovem fêmea produtiva estão cumpridos. 
Seu rosto é a cara da sua vida. 
Sua bagagem é tão grande que dá para jogar fora um monte de supérfluos e pesos mortos. 
Seu tempo é só seu e você não precisa provar mais nada para ninguém. 
Seu maior desafio é ter-se tornado uma boa companhia para si mesma. 
Você reformula premissas, um estar no mundo mais relaxado, uma maior complacência com suas imperfeições, dificuldade e vícios. 
Você já não quer mudar o mundo, você quer compreendê-lo; você já não precisa agradar às pessoas, você quer viver em paz e ser respeitada. 
Não há mais pressa; a vida vira um bom vinho a ser apreciado, com generosidade e prazer.





A menopausa é um tremendo rito de passagem. 
Talvez o último antes da definitiva passagem. 
Inevitável e necessário. 
Coisa de gente grande. 
O relógio biológico é inclemente, imparcial e, portanto, justo. 
Haja coragem e bom humor! 
Não há negociação possível, apenas a vida seguindo seu curso.

Então, que venham os ciclos, todos. 
Com seus sustos, sombras e transformações. 
Com suas libertações, rearranjos e alegrias. 
Que venham os dias, as horas, as marés, as auroras, todas.”









Hilda Lucas

www.mdemulher.abril.com.br

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