Ela passa pelo conjunto residencial três vezes na semana.
Quase todos a conhecem.
Faça frio ou
faça sol, ela anda pelas ruas empurrando seu pesado carrinho, recolhendo papéis,
latas, vidros. Tudo que possa ser vendido para reciclagem.
Nunca está
zangada.
Quando perguntamos se ela consegue sustentar a família, daquela forma,
diz: Sim, graças a Deus.
Quando lhe
indagamos a respeito dos filhos, ela nos informa que sua filha está casada, tem
um bebê.
Que eles têm dificuldades para suprir todas as necessidades da criança
e, por isso, ela auxilia o casal.
Também diz
que tem um menino de oito anos, que está na escola.
Já nos
habituamos a guardar tudo separado, para lhe facilitar a tarefa: metal, vidro,
papel.
Ela chega e
vai recolhendo tudo e agradece.
Agradece por lhe darmos nosso lixo.
Dia desses,
resolvemos lhe oferecer algo mais.
E lhe entregamos uma bandeja com quatro copos
de iogurte.
Nossas crianças já estão enjoadas de seu consumo.
Mudamos de
marca, compramos com polpa, depois com pedacinhos de fruta, para variar.
O rosto da
mulher se ilumina.
Meu filho vai adorar isto, diz ela.
Dias depois
nos conta da alegria do seu menino ao tomar um a cada dia.
Como se fosse uma
sobremesa, uma recompensa.
Algo especial.
E nossos
filhos cansados de se servirem sempre das mesmas coisas, desejando algo
diferente.
Porque vivem fartos.
Mais uns
dias e, porque fosse feriado, o garoto acompanhou a mãe nas suas andanças.
Ao nos ver,
no portão, foi apontando: Foi aquela dona que deu prá gente o iogurte, mãe?
E, ao sinal
afirmativo, correu em nossa direção, agradecendo e dizendo como ficara feliz.
Quatro dias de felicidade.
Tomei
devagarinho, disse ele.
Para sentir bem o gosto e não esquecer por muito tempo.
Agradeço demais.
Um gesto tão
simples.
Algo tão pequeno.
E fez tanta diferença.
Quatro dias de felicidade para
um menino que não passa fome, mas tem vontade de comer algo diferente.
Como nossos
filhos que se levantam, saciados, da mesa e perguntam:
O que tem
mais para comer?
Ou, em meio
à tarde: Estou com fome.
O que tem para comer nesta casa?
Mas eles não
desejam pão com manteiga.
Querem algo especial ao paladar.
Será que,
olhando essas crianças que vivem em casebres quase a desabar, ou que acompanham
os pais nas longas jornadas, catando lixo pelas ruas, pensamos que elas têm
desejos especiais?
Vontade de
comer chocolate, de tomar um sorvete, um hambúrguer, fritas, iogurte.
Afinal, o
que apreciam os nossos filhos?
Eles também.
É hora de
pararmos de dar somente pão, sopa, para saciar a fome.
É hora de
dar algo mais. Um capricho, mas que ilumina os olhos da infância.
Os filhos da
pobreza têm sonhos, como os nossos filhos.
Têm vontades, exatamente como os
nossos.
Pensemos
nisso e nos tornemos mais sensíveis.
Podemos começar tendo em nosso carro, ou na
bolsa, um chocolate, uma guloseima extra para oferecer a um deles, que
encontremos pelas calçadas, pelas ruas.
E quando nos
dispusermos atender as necessidades dos carentes sociais, quando pensarmos em
cestas básicas, pensemos nas crianças.
E coloquemos
algo mais: uma barra de chocolate, do especial que gostamos ou nossos filhos
apreciam.
Um suco que
acabou de ser lançado, bolachas recheadas, de boa marca, enfim, tudo aquilo que
gostamos. Tudo aquilo que costumamos comprar para os nossos filhos.
Porque
afinal a diferença entre aquelas crianças e as nossas é somente que não estão em
nosso lar.
Pensemos
nisso.
Redação
do Momento Espírita.
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