sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A minha felicidade não é a sua



A minha felicidade não é a sua

No mais recente livro de Carlos Moraes, o ótimo Agora Deus vai te pegar lá fora, há um trecho em que uma mulher ouve a seguinte pergunta de um major: "Por que você não é feliz como todo mundo?".

A que ela responde mais ou menos assim: "Como o senhor ousa dizer que não sou feliz? O que o senhor sabe do que eu digo para o meu marido depois do amor?

E do que eu sinto quando ouço Vivaldi?

E do que eu rio com meu filho?

E por que mundos viajo quando leio Murilo Mendes?

A sua felicidade, que eu respeito, não é minha, major".
E assim é.

Temos a pretensão de decretar quem é feliz ou infeliz de acordo com nossa ótica particular, como se felicidade fosse algo que pudesse ser visualizado.

Somos apresentados a alguém com olheiras profundas e imediatamente passamos a lamentar suas prováveis noites insones causadas por problemas tortuosos.

Ou alguém faz uma queixa infantil da esposa e rapidamente decretamos que é um fracassado no amor, que seu casamento deve ser um inferno, pobre sujeito.

É nessas horas que junto as pontas dos cinco dedos da mão e sacudo-a no ar, feito uma italiana indignada: mas que sabemos nós da vida dos ouitros, catzo?

Nossos momentos felizes se dão, quase todos, na intimidade, quando ninguém está nos vendo.

O barulho da chave da porta, de madrugada, trazendo um adolescente de volta pra casa.

O cálice de vinho oferecido por uma amiga com quem acabamos de fazer as pazes. Sentar no cinema, sozinha, para assistir o filme tão esperado.

Depois de anos com o coração em marcha lenta, rever um ex-amor e descobrir que ainda é capaz de sentir palpitações. Os acordos secretos que temos com com filhos, netos, amigos.

A emoção provocada por uma frase de um livro.

A felicidade de uma cura.

E a infelicidade aceita como parte do jogo - ninguém é tão feliz quanto aquele que lida bem com suas precariedades.

O que sei eu sobre aquele que parece radiante e aquela outra que parece à beira do suicídio? Eles podem parecer o que for e eu seguirei sem saber de nada, sem saber de onde eles extraem prazer e dor, como administram seus azedumes e seus êxtases, e muito menos por quanto anda a cotação de felicidade em suas vidas.

Costumamos julgar roupas, comportamento, caráter - juízes indefectíveis que somos da vida alheia-, mas é um atrevimento nos outorgarmos o direito de reconhecer, apenas pelas aparências, quem sofre e quem está em paz.

A sua felicidade não é a minha, e a minha não é a de ninguém.

Não se sabe nunca o que emociona intimamente uma pessoa, a que ela recorre para conquistar serenidade, em quais pensamentos se ampara quando quer descansar do mundo, o quanto de energia coloca no que faz, e no que ela é capaz de desfazer para manter-se sã.

Toda felicidade é construída por emoções secretas.

Podem até comentar sobre nós, mas nos capturar, só se permitirmos.

Martha Medeiros

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