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domingo, 5 de setembro de 2010
Antônio Calloni fala das dificuldades de seu papel em 'Escrito nas Estrelas'
Antônio Calloni começou a se interessar por religiões ao interpretar o espírita Vicente, em 'Escrito nas Estrelas'
Foto: Luiza Dantas/Carta Z Notícias/TV Press
Mariana Trigo
Incorporar tão profundamente seus personagens chega a confundir Antônio Calloni.
Foi assim quando afinou seu humor ao viver o sarcástico Assis Chateaubriand, em Um Só Coração, e se tornou mais atlético ao interpretar o vaidoso César, em Caminho das Índias.
Agora, está cada vez mais interessado no estudo das religiões com o espírita Vicente, em Escrito nas Estrelas.
Para detalhar as características do circunspecto médico na trama de Elizabeth Jhin, este ator paulistano de 49 anos se aquieta confortavelmente no sofá e arregala os olhos azuis à medida em que delineia os conflitos éticos de Vicente.
O personagem se apaixonou anos atrás por Francisca, vivida por Cássia Kiss, a falecida mulher de seu melhor amigo na história, o médico Ricardo, de Humberto Martins.
Dessa relação extraconjugal nasceu Daniel, de Jayme Matarazzo, que Ricardo acreditava ser seu filho.
"Meu personagem sofreu muito na vida e guarda ainda um grande segredo sobre seu passado, de outra encarnação.
É um papel dificílimo por sua enorme sutileza, por nuances tão delicadas", valorizou Calloni.
Você já havia interpretado outro personagem espírita, o Zé Arigó, em Linha Direta. Por já ter estudado o espiritismo, que referências você trouxe para este papel?
Gosto muito do tema religião.
Fui formado no catolicismo, minha mãe era médium, fiz treinamento de médium em centro espírita, já participei do candomblé, conheço bem o universo kardecista e estudei hinduísmo.
Ou seja, sou um curioso, mas não sigo nenhuma religião.
Acredito que a gente criou Deus e, ao mesmo tempo, Deus nos criou.
Não sei se um dia vou descobrir o fundamento desse meu raciocínio, mas tem uma frase que sintetiza todas as religiões: "O reino do céu está dentro de ti".
Com este convite para a novela, tive a possibilidade de discutir a questão da fé com a ciência, como elas podem andar juntas e essa discussão me interessou bastante.
O Vicente é um médico especializado em reprodução humana.
Que tipo de laboratório você fez para ele?
Passei um dia inteiro no Hospital Barra D'Or, no Rio, e assisti a todo o processo de reprodução assistida através da injeção intracitoplasmática de esperma direto no óvulo.
Vi tudo por microscópio.
Foi muito interessante.
Estudei apostilas sobre o aparelho reprodutor e conversei muito com os médicos sobre os problemas de fertilidade.
Já sabia um pouco sobre isso, sobre bebês de proveta, mas me aprofundei bem mais.
Já havia assistido a filmes sobre médicos e ao seriado House.
Esse universo não foi muita novidade.
A novidade teria sido a questão ética da inseminação do sêmen de um falecido sem sua prévia autorização, que foi o caso do personagem do Daniel, do Jayme Matarazzo?
É, isso instiga.
O Vicente coloca muito bem essas dúvidas, o conflito ético e o que isso também implica espiritualmente.
Como o espírito de uma pessoa vai encarar ser pai de uma pessoa encarnada sem autorizar?
Como você avalia esses conflitos do seu personagem?
Se ele não for o personagem mais difícil da novela, é um dos mais difíceis.
Não é um papel com cenas espetaculares.
Ele é contido, discreto, batalhador, trabalhador e tem um drama interno muito grande.
Estou adorando trabalhar as sutilezas de um personagem, o que é totalmente diferente do César (que o ator interpretou em Caminho das Índias), que era exuberante, para fora.
Esse aborda o delicado e o sutil, o que me atrai muito.
A sensação de vitória é bem maior e prazerosa.
Com ele, vi que existe uma mistura do depoimento pessoal do ator com o personagem. Achava que iria conseguir sair do estúdio e deixar ele lá.
Mas não é bem assim.
A gente carrega, durante esses nove meses, um pouco do personagem no nosso dia a dia, nas nossas emoções.
Principalmente quando ele dá certo, como esse.
Você está voltando ao horário das seis após 12 anos - desde que atuou em Era Uma Vez... - com uma trama que tem conseguido atingir uma boa média de audiência para o horário.
Isso reflete de que forma no seu trabalho?
O que acontece nessa produção é o que deveria acontecer em todas as novelas, minisséries, seriados.
A grande estrela é a história.
Você percebe isso na repercussão da imprensa porque as pessoas falam muito sobre o drama.
É isso que tem de acontecer: cada um contribuindo da melhor forma para a história ser contada.
Por isso, o trabalho dá certo.
Como ator, você sempre viveu personagens muito díspares, com personalidades bem diferentes.
A que você atribui essas escalações?
Tenho realmente papéis muito diversos.
Teve o Augusto Frederico Schmidt, um poeta genial em JK, e o próprio Assis Chateaubriand, em Um Só Coração.
Acho uma delícia.
É um barato nunca ter tido preocupação com o tamanho dos meus personagens, mas com a qualidade deles.
Faço questão apenas de poder ter espaço para mostrar meu trabalho, senão não tem graça, não dá para brincar.
É melhor não fazer.
Tenho tido sorte de fazer muitos papéis de destaque na TV.
Isso tem a ver com o fato de você estar há 16 anos distante do teatro, sem atuar em nenhuma peça?
O que mais tenho apresentado para o público é meu trabalho na TV e no cinema.
Tive uma carreira grande no teatro, que pretendo retomar ano que vem.
Fiquei tanto tempo longe porque a literatura substituiu o palco na minha vida.
Fiz uma troca do teatro pela literatura.
Agora estou editando meu livro Escrevinhações de Samuel.
São impressões, fragmentos, tormentos e alguma poesia.
É um livro que mistura prosa e poesia, lançado pela editora baiana Casarão do Verbo.
De que forma sua carreira na literatura interfere em seu trabalho como ator?
Tudo se mistura.
A primeira manifestação artística que tive foi aos 13 anos de idade, voltando de uma viagem.
Fiz um poema em italiano em homenagem à vila onde meu pai nasceu, na Itália.
A partir de então, comecei a escrever sem parar e a ler bem mais que escrever. Continuo assim.
Essas coisas se complementam.
A literatura, de uma certa forma, me provoca mais, se mostra de forma mais corajosa.
Me exponho mais através da escrita do que como ator.
Você pensa em roteirizar um de seus livros?
Já pensei, mas é muito difícil fazer roteiro de cinema e teatro.
Teria de ter alguém para isso.
Acho que meu romance daria um filme.
Mas teria de contratar um roteirista.
Eu já tentei escrever, mas não gostei muito do resultado.
Não ficou bacana.
Tinha de ser alguém que realmente saiba fazer.
Prefiro continuar atuando em cinema e televisão, que é onde me dou melhor, apesar das longas esperas.
Adoro ensaiar, gravar e tenho verdadeiro horror de ter de esperar para gravar.
O (ator italiano Marcello) Mastroianni tem uma frase ótima.
Perguntaram se ele tinha 40 anos de carreira.
Ele disse que não, que de carreira ele deveria ter uns cinco, os outros 35 anos ele passou esperando (risos).
Espírito aventureiro
Há quase 20 anos morando no Rio, o paulistano Antônio Calloni está cada vez mais adepto de práticas esportivas ao ar livre.
Além de andar quase diariamente pela orla do início da Praia do Leblon até o Leme, bairros da Zona Sul carioca, o ator também não tem descuidado dos exercícios de musculação.
Levanta pesos leves - para não ganhar muita massa muscular - quatro vezes por semana.
"Sou campeão de fotos de 'paparazzi' de ator andando de bicicleta", brincou.
Isso sem falar de seu programa preferido nos finais de semana: sair para pescar em alto mar, a 50 milhas da costa.
"Vou com um amigo que tem uma lancha de 51 pés.
Sou fanático por pescaria", assumiu.
Mas, para manter a forma, além dos exercícios diários, desde que interpretou o enxuto vilão César, em Caminho das Índias, Calloni passou a diminuir a porção de todos os alimentos que ingere.
"Não abro mão de nada.
Como chocolate, doces, frituras, mas tudo bem pouquinho", ensinou.
Passado a limpo
Contratado pela Globo até 2012, Antônio Calloni costuma recordar seus antigos personagens através da abordagem do público nas ruas.
Com mais de 30 trabalhos na TV, até hoje as pessoas se referem a papéis antigos do ator, como o simpático italiano Bartolo, de Terra Nostra, ou o divertido Mohamed, de O Clone.
"Tive sorte nessa carreira, com muitos acertos na TV.
Sempre acreditei que daria certo, sem nenhuma presunção", avaliou.
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