quarta-feira, 2 de junho de 2010

A poesia da vida


O poeta adquiriu um pedaço de terra em plena serra.
Um lugar para sonhar, fazer poesia, escrever, inebriar a alma.
Não pretendeu mexer em nada.
Deus, afinal, fizera tudo tão bonito.

O regato de água cristalina descendo do alto da serra, por entre pedras, formando cachoeiras e remansos gelados.
Samambaias, avencas, brincos de princesa em profusão.
Campos verdes, bordados de flores minúsculas.
Também enormes araucárias, com sua casca rugosa, onde crescem bromélias.
Um pedaço do céu cheio de beleza e vida.

Mas, nesse belo lugar, há um morro de terra ruim.
Tão ruim que até o capim protesta e não vinga.
O poeta olhou para aquela terra, aparentemente imprestável, e resolveu dar uma mãozinha para a natureza.
Pensou que poderia plantar araucárias ali.
Uma mata cheia de pinheiros, com suas copas altivas, braços erg uidos ao céu, como a pedir bênçãos.
Maravilha!
Começou a sonhar.

Como não entende muito dessas coisas, foi pedir auxílio.
Consultou as pessoas do lugar.
Ninguém aprovou sua idéia.
Imagine!
Plantar araucárias.
Elas levam muito tempo para crescer.

Como o poeta já não é tão jovem, disseram-lhe que, com certeza, ele nem chegaria a ver os pinheiros crescidos.
Além do mais, não se pode cortar araucária.
Ela é protegida por lei.
Cortar uma árvore dessas é crime.
E para que plantar árvores se não podem ser cortadas?

Afinal, somente cortadas é que elas valem dinheiro, podem ser vendidas.
Aconselharam o poeta a plantar eucaliptos.
Eles crescem rápido.
Dão lucro a partir do terceiro ano.
O poeta voltou para sua casa.
Ninguém o tinha entendido.

Descobriu que ele e os seus vizinhos eram de mundos diferentes.
Ele era um ser da floresta, sem pressa, como as sementes colocadas no solo.
Os seus vizinhos pensavam em coisas rápidas, em dinheiro no banco, em lucros.
Ele desejava desfrutar o esp etáculo colorido e perfumado da floresta exuberante.
Ver, cheirar.
É tudo que queria.

Eles só tinham em mente o comércio, os negócios.
Por isso um eucalipto que pode ser cortado em três anos é muito mais importante do que uma araucária que não pode ser cortada nem em 50 anos.
E o poeta ficou a pensar como é a cabeça dos homens que só pensam no lucro.
Perderam o sentido e a beleza da vida.

Recordou dos que matam beija-flores e sabiás para os salgar e vender, a fim de serem consumidos como tira-gosto, em meio a risadas e bebidas.
São os que olham para os pingüins do ártico e pensam em transformá-los em ração para cachorro.
Que olham para uma imensa floresta de sequóias e acham um terrível desperdício aquela propriedade habitada somente por árvores.

No seu conceito de lucro, muito melhor seria queimar a floresta toda e transformá-la em condomínio luxuoso.
Por tudo isso, o poeta resolveu mesmo plantar araucárias.
Se ele chegará a vê-las crescidas ou não, não importa.
Importa que ele semeou esperança e vida que poderão alegrar outros olhos e corações, no futuro.

Onde estiver o seu tesouro, ensinou Jesus, aí estará seu coração.
Seu coração está na vida, na beleza ou no lucro?
Você deseja uma terra pródiga de belezas onde seus filhos possam viver?
Ou simplesmente um lugar para usufruir todo o possível, rápida e velozmente?
Você decide se plantará araucárias ou eucaliptos na terra do seu coração...


Equipe de Redação do Momento Espírita
com base no cap. 4, parte 3 do livro Um céu numa flor silvestre
Rubem Alves, ed. Verus.

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