sábado, 29 de maio de 2010

As três sombras


Numa estrada deserta, em noite fria, deslizavam, tristes, três sombras encapuzadas e perdidas em si mesmas.

Seguiam quase mudas mas, de quando em quando, entreolhavam-se inquietas e murmuravam expressões sem nexo.

Numa curva inesperada, num encontro de vários caminhos, pararam, observaram e, antes de seguirem rumos diferentes, apresentaram-se.



A primeira, a mais alta e negra, aproximou-se das demais e, gargalhando, esclareceu:

Eu sou a ira.

Faço-me de caminho mais curto para a morte.

Vivem comigo o desespero e a tragédia.

Trajo-me de orgulho.

O ódio segue-me os passos e calço-me com as sandálias da revolta.

Acompanho o homem desde que o mundo é mundo e pretendo viver com ele eternamente...

Todos me acolhem a toda hora, sem indagação nem exigência.

Com um simples apelo sou recebida com prazer em toda parte.

Sou feliz assim e gosto de atrair todo mundo a mim.



A segunda sombra, tristonha e trêmula, falou receosa:

Eu me chamo medo.

Sou a porta larga que conduz à loucura.

Ando despido, mas tenho grande força.

E, olhando para a ira, falou com arrogância:

Você é facilmente vencida por alguns minutos de meditação, prece, perdão, e suas companheiras morrem assim que a humildade se apresente.

Mas eu sou invencível!

Escondo-me na luz e nas trevas, entre sábios e ignorantes, grandes e pequenos, ricos e pobres. Moro em todo lugar.

Como rei, cerco-me de bajuladores fiéis: a dúvida, o receio, a desconfiança, o pavor...



Fez-se breve intervalo e as duas megeras se olharam, quase sorrindo e, fitando a terceira companheira, perguntaram ansiosas:

Quem és tu, filha da tristeza?

Eu? - Inquiriu a sombra pesarosa -

Sou vossa irmã.

E qual é teu nome?

Indagaram numa só voz.

Bem, eu até nem sei ao certo...

Uns chamam-me de infortúnio, outros de felicidade e muitos de desgraça.

Sempre vivi errante, perseguida, odiada.

Jamais pude sorrir.

E, fechando os olhos como quem se recorda de algo, falou com grande emoção:

Um dia, numa estrada como esta, encontrei

Alguém que sorriu para mim.

Era moço, alto e belo.

Tinha olhos mansos e meiga voz, embora Seu rosto refletisse tristeza imensa...

Logo depois, fitou-me comovido e, mudo, passou...

Notei que muitos o seguiam, chamando-lhe Mestre.

Tempos depois eu o encontrei novamente.

Era noite e Ele orava num lugar sombrio, chamado Horto das Oliveiras...

Olhei-O e Ele reconheceu-me.

Seu rosto suado cobriu-Se com ligeiro sorriso e Ele disse-me:

"Não desfaleças, irmã!

Segue tua trilha."

Daquele momento em diante não o deixei mais...

Acompanhei-O atado a cordas, suportando os golpes do chicote dilacerando-Lhe as carnes, a fúria dos perseguidores, a solidão, o abandono...

E quando Ele Se agitava na cruz, cercado da multidão encolerizada, fitou-me quase sem forças e murmurou só para mim:

"Avança, missionária.

Longa, difícil e bela é a tua tarefa.

Não mais seguirás a ira e o medo.

Serás minha mensageira ao mundo desatento...

Caminharás só e incompreendida, ensinando em silêncio...

De quando em quando, terás a companhia das lágrimas e da saudade, mas em teu caminho deixarás esperança e paz.

Vai, dor irmã.

E em meu nome ergue as minhas ovelhas.

Chama-as a mim.

Fala-lhes da paciência e da resignação, da coragem e bom ânimo."

E depois de rápida pausa concluiu:

Sou a dor.

Acompanhei Aquele moço belo, de olhos mansos e meiga voz, até os últimos minutos de Sua breve existência entre os homens.

E é em nome Dele que busco Suas ovelhas e as conduzo ao Seu aprisco.

Houve profundo silêncio...

O vento soprou mais forte e, despedindo-se, as três sombras seguiram, cada uma por caminho diferente.



Redação do Momento Espírita

com base no cap.32 do livro Crestomatia da imortalidade, por Espíritos diversos, psicografia de Divaldo Pereira Franco, ed. Leal.

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